A caixa do supermercado, o porteiro e o Dia da Visibilidade Trans

Por Hélio Filho

O Dia da Visibilidade Trans é comemorado, lembrado, celebrado em 29 de janeiro, mas o meu foi no último sábado. Sou cisgênero, mas tive um inegável dia de visibilidade trans bem na minha cara, e eu adorei. Uma despretensiosa ida a uma unidade de uma grande rede de supermercados aqui em São Paulo e uma surpresa de encher o coração: minha amiga Sabrina trabalhando no caixa.

Eu conheci a Sabrina há uns três anos no projeto de inclusão LGBT no esporte que eu participo do Comitê Desportivo LGBT do Brasil (CDG Brasil). Ela sempre foi uma atacante super eficiente, ótimo passe e uma componente da equipe que fazia a diferença, se destacava.

Entre idas e vindas nestes três anos, Sabrina trabalhou temporariamente em alguns lugares sem muito se fixar. Mesmo com formação na área da Saúde e muito competente também fora de quadra, profissionalmente, não conseguia, digamos, engrenar uma vida econômica mais equilibrada.

Foi o que ela me contou perto do fim do ano passado, quando fui à Casa Florescer entrevistar as meninas para a matéria que eu fiz aqui na Ezatamag. Sempre adoro encontrar com ela, então já soltei um grito quando a vi lá, abrigada pelo Alberto, que cuida delas sempre com muito carinho.

Uma despretensiosa ida a uma unidade de uma grande rede de supermercados aqui em São Paulo e uma surpresa de encher o coração: minha amiga Sabrina trabalhando no caixa.

Voltando ao último sábado, passei no supermercado ali na Bela Vista e fui passar minhas modestas compras pelo caixa. Um estava com uma pessoa passando suas compras, eu passei ao próximo e ouvi uma voz chamando, perguntando, brincando: “tá perdido?”.

Era a Sabrina, uniformizada, compenetrada, eficiente, profissional, com um sorriso largo para me receber no caixa que ela ocupava. Com traços diferentes do que a cultura ocidental considera femininos, visível, exposta, presente, ocupando um espaço que é dela e foi conquistado por competência – e muita resiliência.

Eu não resisti e já atravessei o balcão para dar um abraço nela porque eu fiquei muito, muito feliz com a surpresa. Estava estampada no rosto dela uma satisfação de quem está tranquila, feliz, mais certa das coisas.

Obviamente que eu fiz um show no caixa, enquanto Sabrina tentava segurar a animação para ser profissional. Maravilhosa. Eficiente. Simpática. Promissora. De encher o coração em um sábado à noite na chuvosa, grande e espinhosa cidade de São Paulo.

Com traços diferentes do que a cultura ocidental considera femininos, visível, exposta, presente, ocupando um espaço que é dela e foi conquistado por competência – e muita resiliência.

Briguei de leve com ela por ela não ter mais aparecido no vôlei, mas ela prometeu que agora, com uma rotina mais previsível, vai conseguir voltar pelo menos uma vez na semana. Tomara que jogando no meu time, porque ela realmente arrasa dentro de quadra.

Eu saí muito feliz por muitos motivos. Por vê-la bem, por ver a abertura do supermercado para contratar pessoas trans – sabendo que, profissionalmente, NÃO HÁ DIFERENÇA entre cis e trans – e por confirmar que a gente vai devagar, mas não para no caminho da evolução para uma sociedade preocupada com o que realmente importa em uma pessoa: o caráter, e o da Sabrina é dos melhores.

Ironicamente, cheguei ao prédio do meu amigo e fui recebido por um porteiro heterossexual muito, muito, muito mal educado. Em um clima de “ele vai me bater a qualquer hora e eu não entendi a razão”, pedi para ele interfonar para o meu amigo “no 123 ou 126, não lembro, desculpe”. “É 124!!!!!”, ele respondeu como quem deixou a paciência para trás há muito tempo e nunca na vida encontrou a educação.

Só me restou rir de uma sociedade onde uma trans maravilhosa em seu trabalho ainda tem tanta dificuldade em consegui-lo, mas um porteiro hétero pode ser grosso e nada profissional quando bem entender e estará empregado.

Eu queria mesmo é que todos os profissionais do mundo fossem como a Sabrina.