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O VERDADEIRO BRASIL

No interior de Sergipe, professor usa a arte para não deixar morrer as culturas indígena e quilombola

É na realidade de um Brasil que tenta cada vez mais embranquecer e cristianizar sua população que o professor Wendel Salvador leva para o interior de Sergipe a luta pela valorização do que é o Brasil de verdade. O Brasil negro, quilombola, indígena, o Brasil das comunidades tradicionais que infelizmente enfrentam uma onda que quer varrê-las do mapa – e de seus territórios.

Em um país onde a Secretaria de Cultura do Governo Federal não se importa com essas culturas, e já anunciou que não quer agradá-las, que o trabalho cheio de cultura de Wendel se torna mais do que necessário. É luta, é a essência de um povo que precisa ser todos os dias lembrado de que somos miscigenados – e a memória é o caminho para preservar nossa identidade.

É na escola que se aprende a nossa memória

Após ser selecionado como professor da rede pública sergipana e designado para lecionar em Porto da Folha, Wendel se deparou com uma riqueza cultural que tem ficado, infelizmente, em segundo plano porque o branco, hétero e cristão faz questão de querer roubar para si o comando da nossa cultura. Insiste na ideia de que negros são minoria, o que todas as pesquisas oficiais provam não ser verdade.

Na entrevista a seguir, o professor e artista lembra ser necessário “os brasileiros respeitarem os povos indígenas e quilombolas pela sua importância na construção desse país e entender que as políticas públicas destinada a esses povos é reparação histórica e não privilégio”.

wENDEL: entender que as políticas públicas destinada a esses povos é reparação histórica e não privilégio

Com um trabalho que vem resgatando e reforçando essas culturas brasileiríssimas, ele faz um apelo para quem insiste em estereotipar essas comunidades, as verdadeiras tradicionais brasileiras. Wendel lembra que é preciso “parar de atrelar a identidade indígena ou quilombola a fenótipos, distintivos, atitude comum do racismo à brasileira”. Confira:

Como surgiu o trabalho com essas comunidades? Você já tinha algum contato com elas antes?

No ano de 2016, assumi como professor efetivo da rede estadual de educação de Sergipe e fui lotado para trabalhar num município do alto sertão, Porto da Folha, no Colégio Indígena Estadual Dom José Brandão de Castro (Aldeia Xokó) e Colégio Estadual Quilombola 27 de Maio (Quilombo Mocambo). Não conhecia nenhuma das comunidades, somente tinha lido um livro que abordava a história e cultura do povo Xokó, além de morar muito distante dessa região, jamais imaginei que viria a lecionar nessas escolas.

O racismo é uma violência que te desumaniza, é como uma doença, se instala em sua psique e de lá vai se alastrando.

O que você descobriu de mais fascinantes nelas?

Os hábitos culturais, a afirmação da identidade dos indígenas e quilombolas. O samba de coco e a paisagem natural da comunidade Mocambo, o toré e a pintura corporal indígena Xokó.

Arte brasileira, de fato

O que ainda precisa ser feito?

Os brasileiros respeitarem os povos indígenas e quilombolas pela sua importância na construção desse país e entender que as políticas públicas destinada a esses povos é reparação histórica e não privilégio. Parar de atrelar a identidade indígena ou quilombola a fenótipos, distintivos, atitude comum do racismo à brasileira.

Por que você acha importante levar arte para esses alunos? A arte transforma?

A arte nos humaniza, tira de nós a poeira do comum, o ser humano desde os primórdios usa a arte como meio de expressão e tem alcançado esse objetivo. A arte pode transformar o olhar, o pensamento, instigando para outras mudanças.

A arte nos humaniza, tira de nós a poeira do comum

Como você relaciona a arte com a realidade dessas comunidades?

Busco ligar os temas gerais estudados com a realidade local e valorizar as expressões culturais negras e indígenas. Contribuindo com a efetivação das leis 10.639 e 11.645 que tornaram obrigatório o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas públicas e privadas brasileiras.

Você ensina a eles ou eles ensinam a você? Deve ser uma experiência muito enriquecedora.

Uma frase de Paulo Freire responde essa pergunta “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. É uma experiência que irei levar durante toda a vida, das possibilidade e desafios de uma educação diferenciada, convivência com outras culturas, o exercício da alteridade, sem dúvida, um marco na minha trajetória profissional.

Arte surge como forma de preservar as culturas tradicionais

Qual a importância da arte e da educação para que a gente consiga construir uma sociedade mais justa, sem preconceitos?

Nenhum dos países elencados como melhores do mundo construiu sua história dissociado da educação e da arte, essa combinação possibilita que tenhamos cidadãos conscientes de que o respeito à diversidade é uma das bases para termos e sermos uma sociedade humanitária de fato.

Nenhum dos países elencados como melhores do mundo construiu sua história dissociado da educação e da arte.

Você percebe uma crescente busca dos negros pela sua identidade? Por que você acha que isso vem acontecendo?

Sim, o compartilhamento de informações através das redes sociais ajudou muito, vários youtubers e blogueiras/os negras/os abordam desde estética até a história do povo negro, o que é importante nesse processo de afirmação. Também reconheço essa atitude como fruto do trabalho do Movimento Negro que vem há anos fazendo campanhas para reconhecimento da negritude dos brasileiros e a partir daí a afirmação e posicionamento político acerca do que é ser negro no Brasil.

Escola se torna polo de preservação da memória tradicional brasileira

O que mais te incomoda como negro na sociedade em que vivemos?

O racismo é uma violência que te desumaniza, é como uma doença, se instala em sua psique e de lá vai se alastrando, você tem que estar sempre na defensiva; dos olhares em determinados ambientes, das expressões e piadinhas, do medo da polícia, é esgotante.

Para finalizar, um recado direto e reto para os preconceituosos:

Parafraseando Angela Davis, não basta não ser racista, não lgbtfóbico, não machista, é necessário ser antirracista, antilgbtfóbico, antimachista, antifascista.

Instagram @wendelsalvador

2 Comments
  1. Valfrido

    14/03/2020 06:05

    Muito importante termos profissionais da educação preocupado com a cultura e a arte dos indígenas e negros nas escolas públicas do Brasil!! Essa preocupação (LUTA) pode nos humanizar sim!! Parabéns Wendel pela iniciativa e coragem!! Precisamos de concepção como a sua para transformar o mundo!! Vamos a LUTA!!

  2. BrianJem

    25/03/2020 04:56

    Thanks pertaining to delivering like awesome info.

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