Por Breno Rosostolato*
Que falar sobre sexo ainda é um tabu, isso é verdade. O corpo também sofre consequências destas restrições, pois é negligenciado por muitas pessoas, que desconhecem desde características próprias deste corpo, como a multiplicidade com a qual pode se manifestar. Muitos não conhecem o corpo a ponto de não se tocar, quase que numa rejeição velada a ele. Seja homem ou mulher, o mistério do corpo se traduz através de questionamentos e dúvidas que incomodam muito.
Questões que borbulham desde tamanho, crescimento, pode isso, pode aquilo, ponto G, toca aqui, mas não pode tocar lá. Tudo paira no limbo da ignorância.
Muitos não conhecem o corpo a ponto de não se tocar, quase que numa rejeição velada a ele.
Existe uma grande parcela de mulheres que desconhece a própria região genital. Em tempos em que a liberdade sexual e a autonomia feminina estão em ascensão, é admirável que muitas mulheres encarem a vagina como uma região menos importante do que outras partes do corpo dela.
Repressão
Reflexo de uma sexualidade reprimida, do cerceamento ao prazer, desejos recriminados e corpos abjetos, a repressão sexual é um paradigma que aos poucos vem se dissolvendo na sociedade, mas que ainda sacrifica a vagina, características, potencialidades e estética. Enigma para algumas mulheres, um abismo para grande maioria dos homens.
O ciclo menstrual, por exemplo, era considerado uma substância suja, assim como as fezes e urina. Esta era a compreensão dos homens Baruya, uma sociedade primitiva da Nova Guiné. O sangue menstrual remetia a um misto de nojo, repulsa e, sobretudo, medo. Achavam que neste período a mulher se enfraquecia e ficava doente.
Reflexo de uma sexualidade reprimida, do cerceamento ao prazer, desejos recriminados e corpos abjetos, a repressão sexual é um paradigma que aos poucos vem se dissolvendo na sociedade.
O homem que tivesse contato com ela ficaria igualmente enfermo e teria sua virilidade enfraquecida. Por isso, a mulher menstruada era isolada numa casa especial do vilarejo e proibida de preparar com as mãos o alimento do marido e da família, afinal, ela estaria impura.
Escoamento
O escoamento do sangue menstrual era visto como ameaça e algo que causava uma série de doenças. Não se podiam ter relações sexuais nesta época. Acreditava-se que isto poderia prejudicar a colheita, as plantações e o cultivo. As mulheres impedidas de andar muito e espalhar o líquido amaldiçoado. A prática sexual só poderia acontecer se o homem ficasse por cima. Os líquidos que se formavam na vagina da mulher não poderiam tocar o ventre dos homens e sexo oral, então, fora de cogitação. Os mesmos líquidos eram tidos como maléficos e endemoniados.
Fato é que o período menstrual ainda é tratado como um assunto sujo. Pensando nisso e para exorcizar os tabus um número crescente de defensoras, empreendedoras e legisladoras americanas estão falando publicamente sobre menstruação e sem nenhum pudor. Reivindicam que o assunto esteja na pauta das discussões públicas. Exigem que o governo leve em consideração a menstruação quando estiverem projetando instalações, desenvolvendo orçamentos, abastecendo escolas ou criando programas de combate à pobreza.
Grace Meng, democrata de Nova York, é um dos principais nomes na luta pela ampliação da discussão e implementação de leis que visam contemplar as mulheres em relação a higiene adequada no momento da menstruação em locais públicos. Já a vereadora Julissa Ferreras-Copeland lançou um projeto piloto para instalar máquinas de distribuição gratuita de tampões nos banheiros femininos da Escola Superior de Artes e Negócios em Corona, no Queens, com o objetivo de que a iniciativa chegue a todas as escolas de ensino médio e secundário da cidade.
Espalhados
Iniciativas como estas se entendem para outros estados dos Estados Unidos. No estado de Ohio, a vereadora Elizabeth Brown quer os banheiros de escolas estejam equipados com produtos de higiene para as alunas, evitando assim que elas precisem ir à enfermaria porque estão menstruadas.
O debate toma grandes proporções e mobiliza a sociedade. Mais de 55 mil pessoas assinaram uma petição on-line iniciada pela revista ‘Cosmopolitan’, para acabar ou diminuir com os impostos de produtos sanitários. Mesmo exemplo aconteceu no Canadá que conseguiu a isenção em 2015.
A campanha ‘Liberem os tampões’, organizada por Nancy Kramer, consegue a cada dia novos adeptos. A propósito, só citei mulheres até aqui na coluna. Os homens cis permanecem alheios a este pertinente debate. Fico imaginando se eles também menstruassem como seria?
*Breno Rosostolato é psicoterapeuta, educador e terapeuta sexual, professor universitário e pesquisador sobre violência de gênero, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual e masculinidades. É um dos responsáveis pela LovePlan, empresa especializada em relacionamentos.