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O TABU DO CU

Cheio de tabus e restrições, o cu merece todo o respeito

Por Breno Rosostolato*

Vamos a algumas particularidades. Aqui vai um mapeamento. O reto recebe este nome por ser quase retilíneo. Este segmento do intestino grosso termina ao perfurar o diafragma da pelve, músculos, levantadores do ânus, passando a se chamar de canal anal. O canal anal apesar de curto – três centímetros de comprimento – é importante por apresentar algumas formações essenciais para o funcionamento intestinal, no caso, os esfíncteres anais.

O esfíncter anal interno é o mais profundo, e resulta de um espessamento de fibras musculares lisas circulares, sendo consequentemente involuntário. O esfíncter anal externo é constituído por fibras musculares estriadas que se dispõem circularmente em torno do esfíncter anal interno, sendo este voluntário. Ambos os esfíncteres devem relaxar antes que a defecação possa ocorrer.

Esta é a anatomia da região do corpo que é mais mal falada. Uma pena, porque o poder que este lugar possui é fascinante. Cheio de tabus e restrições, o cu merece todo o respeito. Zona erógena e que possui inúmeras inervações excitáveis necessárias para o controle da evacuação. O prazer é pessoal, íntimo e intransferível. Cada um possui liberdade para vivenciá-lo. Autonomia e coragem para admitir isso são outras questões.

Libertem o cu. Ele é um órgão sexual, sim, e deve ter seus louros. Diga-se de passagem, qualquer outra parte do nosso corpo pode ser excitável e utilizada na prática sexual.

O ânus é execrado e as pessoas deveriam ter mais respeito com um órgão do sistema digestivo, assim como a boca o é. Sujo ele é tanto quanto o pênis ou a vagina, se não bem higienizados, portanto o argumento de que ali não se pode obter prazer chega a ser ingênuo. É, sim, uma região erógena, e olha que nem vou recorrer a Freud, que já afirmava que um dos prazeres iniciais advém da fase anal durante a infância.

Libertem o cu. Ele é um órgão sexual, sim, e deve ter seus louros. Diga-se de passagem, qualquer outra parte do nosso corpo pode ser excitável e utilizada na prática sexual. Liberdade ao corpo, permissões e autonomia são imprescindíveis para nos autorizar ao prazer. As normas heteronormativas tentam calar o cu e não vão conseguir. São os controles sociais ao corpo que Michel Foucault já denunciava.

E ainda tem mais. A prática do sexo anal é histórica, e a fama do cu é antiga. Era natural na Mesopotâmia, inclusive fazia parte dos cultos religiosos dos assírios. Na Antiguidade, registros demonstram que alguns casais usavam o sexo anal como método anticoncepcional. Na Roma Antiga, na noite de núpcias os homens se abstinham de tirar a virgindade da noiva em consideração à sua timidez, entretanto, praticavam sexo anal com ela.

Na Grécia, a prática do sexo anal era comum e não existia a concepção de pecado

Grécia

Na Grécia, a prática do sexo anal era comum e não existia a concepção de pecado, logo, não era uma relação recriminada. Entre dois homens, o formato passivo/ativo dependia da experiência de um e de outro. O Cristianismo e a Santa Inquisição, mais tarde, se encarregaram de criminalizar o ato. Considerado como condenação divina e classificada como ‘sodomia perfeita’ (cópula anal homossexual com ejaculação interna). Daí que desde então, a prática anal foi severamente recriminada e passível de punição para seus adeptos.

Outro argumento que demoniza o ânus e desqualifica o sexo anal é que esta relação seria ‘antinatural’ porque não gera a reprodução da espécie humana. O problema em concordar com esta afirmação é considerar que qualquer relação sexual só possa acontecer, então, com propósitos de reprodução, e nós sabemos que o sexo é muito gostoso para se resumir a isso. E não só pelo prazer. O ser humano necessita ser mais do que isso.

Estamos num momento social em que o corpo pede para ser de fato reconhecido e o ânus reivindica sua importância. Os filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari já se referiam a esta concepção na obra ‘O anti-édipo’, de 1972. Nós não transamos apenas com pênis, vaginas ou ânus, mas transamos com nossos corpos e gêneros, portanto, é simplista a prática sexual a partes específicas do corpo. Somos todos erógenos da cabeça aos pés.

Vai tomar

Quanto ao cu, vai tomar no cu. O tomar não é beber, mas apropriar-se, tomar para si. Apoderar-se. O cu vai tomá-lo para si o que é dele, o prazer, a vontade, as sensações e o desejo.

O anti-édipo, de 1972: transamos com nossos corpos e gêneros

São Javier Sáez e Sejo Carrascosa, autores do livro ‘Por el culo – políticas anales’, nos conduzem a uma reflexão a respeito do cu e todos os preconceitos que o cercam. Reflexão que considero muito pertinente:

‘[…] ver o que o cu põe em jogo. Ver por que o sexo anal provoca tanto desprezo, tanto medo, tanta fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo, tanto ódio. E, sobretudo, revelar que essa vigilância de nossos traseiros não é uniforme: depende se o cu penetrado é branco ou negro, se é de uma mulher ou de um homem ou de um/a trans, se nesse ato se é ativo ou passivo, se é um cu penetrado por um vibrador, um pênis ou um punho, se o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado, se é penetrado com camisinha ou não, se é um cu rico ou pobre, se é católico ou muçulmano. É nessas variáveis onde veremos desdobrar-se a polícia do cu, e também é aí onde se articula a política do cu; é nessa rede onde o poder se exerce, e onde se constroem o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo’.

Estamos num momento social em que o corpo pede para ser de fato reconhecido e o ânus reivindica sua importância.

De fato, uma política do cu se faz necessária, até para exorcizar equívocos sexuais. Ter prazer no ânus não possui nada de homossexual. Orientação sexual não é definida por órgãos e/ou genitais. Para aqueles homens que possuem tanto medo do prazer anal, arrisque-se.

Desde um anilingus, receber aquela lambidinha básica ou até mesmo um ‘pegging’, quando a mulher usando um ‘strap-on dildo’ (cinta com um pênis artificial) penetra o companheiro, você não sabe o que está perdendo. Ok, ok. Está envergonhado, né? Faça você mesmo. Toque-se. Apalpe-se, esfregue-se. Cutuque aquilo que está latente. Atice as pregas do preconceito. Um prêmio para quem adivinhar: o que o cu disse para a heteronormatividade?

*Breno Rosostolato é psicoterapeuta, educador e terapeuta sexual, professor universitário e pesquisador sobre violência de gênero, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual e masculinidades. É um dos responsáveis pela LovePlan, empresa especializada em relacionamentos.

Redação

Redação Ezatamentchy

2 Comments
  1. Maurício Pinheiro

    28/09/2023 09:20

    Maneirissima essa matéria, pela primeira vez eu tenho contato com uma abordagem tão interessante e objetiva e livre de preconceitos.Tudo que li a respeito até então são textos escritos por médicos condenando as práticas sexuais que envolvem o nosso ânus ou melhor nosso delicioso cuzinho. Ainda bem que nunca me deixei influenciar por essa retórica tão conservadora. Há anos venho incluindo o cu, seja o meu próprio ou de eventual parceiro na minha prática sexual, sempre com muita prazer, sem nenhuma consequência dessas divulgadas por aí. Os orgasmos conseguidos com penetração anal são muito ampliados. No entanto isso requer abilidade e principalmente respeito com o parceiro. Tudo que envolve o ânus tem que ser feito com muito carinho e cuidado, seguindo essa regra tenho certeza de que qualquer pessoa poderá obter um grande prazer e é um exercício de grande interação com o parceiro.

  2. L Gomes

    02/10/2023 08:21

    O tabu cuzal caga nossa consciência de culpa merdal rsrs

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