Queremos falar por nós mesmas, queremos o nosso local de fala por direito e vamos lutar sempre por isso

Por Michelly Longo*

O “cistema” sempre traça planos e armadilhas pra tentar invisibilizar a luta e existência trans/travesti. Costumo dizer que: eu não preciso ser aceita, apenas respeitada. Chega a ser amargo e longo demais o caminho da tão aclamada vitória, e sim, às vezes dá vontade de desistir, afinal, somos todos seres humanos e sabemos bem o que são as dores e as glórias de sermos quem somos.

Não dá pra entender como uma performer ou expressão artística (drag queen) seja tão solicitada e apontada como mulher trans/travesti e debater sobre questões de gênero como se tivesse o mínimo de vivência.

Não podemos aceitar que alguém nos represente, somos múltiplas

Não estou aqui desmerecendo o trabalho das artistas maravilhosas que vivem da sua arte, até porque qualquer pessoa pode ser uma drag, porém, para ser travesti/mulher trans é necessário se enxergar como, sentir, respirar como… é preciso parar de colocar pessoas para falarem por nós, como se nós precisássemos de porta-voz, como se nós mesmas não soubéssemos da nossa própria existência.

É inadmissível que alguém ainda aceite o local de fala que não lhe cabe, não adianta dizer que é visibilidade ou que estou aqui criando estereótipos de gênero, é como se eu enquanto cozinheira falasse em nome de um médico, sem nem ao menos ter estudado e vivido um dia da medicina.

Não é fácil vermos carnavalizar vivências, histórias, corpos, enquanto a maioria de nós chora e sangra em pleno Dia de Finados.

É preciso parar de colocar pessoas para falarem por nós, como se nós precisássemos de porta-voz, como se nós mesmas não soubéssemos da nossa própria existência.

Não adianta a mídia fazer comentários transfóbicos e depois ir pedir desculpas na frente de uma drag queen, não é certo, não é justo, e só “reafirma” que travestis são pessoas que ao dia se vestem com roupas masculinas e à noite se montam com roupas femininas, usam maquiagem, peruca e assessórios de acordo com a performance que formos atuar.

Não podemos aceitar que alguém nos represente, somos múltiplas, somos inteligentes, as nossas duras verdades não podem ser ditas superficialmente, é necessário alguém que as tenha vivido pra expressar com emoção.

É inadmissível que alguém ainda aceite o local de fala que não lhe cabe.

Não à cultura da invisibilidade trans/travesti, queremos falar por nós mesmas, queremos o nosso local de fala por direito e vamos lutar sempre por isso. Sei que muitas pessoas irão discordar, mas a intenção é essa mesmo… Trazer a reflexão.

*Michelly Longo é ativista trans negra, baiana, cozinheira de profissão, casada e cheia de boas experiências para compartilhar.