Universidade Federal de Santa Catarina é a primeira no Brasil a reservar cotas para pessoas trans

“Esta é uma conquista monumental, um símbolo de resistência e resultado de uma luta unificada e coletiva das pessoas trans e do movimento trans”, afirma Melina Martins, estudante de Antropologia na UFSC e membro fundador da Rede Trans UFSC. 15anos após o início das primeiras políticas de ações afirmativas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Conselho Universitário (CUn) aprovou, na última terça-feira, 8 de agosto, uma política institucional de ações afirmativas destinada a pessoas transexuais, travestis, transmasculinas, transgêneras e não-binárias.

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Essa política abrange desde o ensino básico até a pós-graduação e estabelece reservas de vagas em cursos de graduação, pós-graduação e concursos públicos, bem como prioridade de acesso a programas de assistência estudantil. Além disso, engloba medidas para combater a transfobia, campanhas educativas, programas e ajustes de infraestrutura. Importante notar que, embora outras universidades brasileiras possuam políticas de acesso para pessoas trans, nenhuma se equipara em abrangência à política aprovada na UFSC.

Esta política é fruto de gerações anteriores de estudantes e coletivos trans da UFSC.

A UFSC se torna a primeira universidade federal pública do Brasil a implementar uma política desse tipo. Outras universidades têm políticas para pessoas trans, mas estas são frequentemente limitadas ao ingresso e cotas, sem abordar a permanência ou enfrentar questões de violência e transfobia.

Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão, diretora de Ações Afirmativas e Equidade da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), resume: “Este é um momento histórico que marca uma nova postura institucional na luta contra as desigualdades de gênero. Este documento servirá de inspiração para outras universidades que queiram enfrentar a transfobia e avançar em suas políticas de ações afirmativas e direitos humanos”.

Iniciativa servirá de inspiração para outras universidades que queiram enfrentar a transfobia

“A aprovação desta política abrangente posicionará a UFSC como uma das principais universidades do Brasil comprometidas com a equidade, incluindo esta população de forma abrangente. Isso engloba a criação de políticas específicas de inclusão que envolvam toda a comunidade acadêmica e setores da UFSC. Somente assim, as ações concretas viabilizadas por esta política poderão combater efetivamente a transfobia e promover o bem-estar dessas pessoas, transformando a universidade em um local seguro e acolhedor”, destaca a diretora.

O trabalho de elaboração desta política voltada para pessoas trans teve início em 2021, sob a coordenação da então Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade (SAAD), liderada pela professora Francis Tourinho. Mais de 40 pessoas, incluindo estudantes, técnicos administrativos, professores e representantes das pró-reitorias de Permanência e Assuntos Estudantis (Prae), Pós-Graduação (PROPG), Graduação (Prograd) e do Colégio de Aplicação, contribuíram para esta tarefa.

As ações concretas viabilizadas por esta política poderão combater efetivamente a transfobia e promover o bem-estar dessas pessoas.

No entanto, Melina destaca que a política é resultado de várias mobilizações estudantis e coletivas ao longo dos anos. “Esta política é fruto de gerações anteriores de estudantes e coletivos trans da UFSC. Muitos antes de nós ingressaram nesta universidade sem cotas, sem políticas de permanência, e infelizmente não puderam continuar, evadindo-se e não retornando. Isso precisa ser reconhecido”, destaca.

Há Vagas

A partir de agora, 2% das vagas nos cursos de graduação, pós-graduação e em editais de transferência e retorno serão reservadas para pessoas trans. O termo “pessoas trans” abrange pessoas transexuais, travestis, transmasculinas, transgêneras, não-binárias e outras identidades emergentes, como definido na resolução normativa.

Nos concursos públicos para docentes e técnicos-administrativos, bem como nos processos seletivos para professores substitutos, 1% do total de vagas em cada categoria será destinado a esse grupo. Esse percentual será aplicado quando houver oito ou mais candidatos a serem contratados. Quando o número de vagas reservadas resultar em uma fração, esta será arredondada para cima.

Para concorrer às vagas reservadas na graduação, pós-graduação e concursos, será necessário autodeclarar-se pessoa trans durante a inscrição e posteriormente validar essa identificação por meio de um memorial descritivo. Esse memorial deve descrever o processo de transição de gênero e afirmação da identidade de gênero.

Para concorrer às vagas reservadas na graduação, pós-graduação e concursos, será necessário autodeclarar-se pessoa trans durante a inscrição.

Comissões de validação, compostas por pessoas trans de movimentos locais e/ou estudantes da Rede Trans UFSC, analisarão a documentação. Isso incluirá servidores técnico-administrativos ligados às políticas de ações afirmativas, representantes de organizações da sociedade civil que lutam contra a discriminação e/ou promovem os direitos da população trans, e servidores docentes ou técnico-administrativos com vínculo às questões relacionadas a essa população.

Permanência Qualificada

Além do ingresso, a política visa assegurar uma permanência qualificada, que engloba a criação de mecanismos que integrem as necessidades do grupo das pessoas trans, bem como garantir um ambiente acolhedor e respeitoso para as diferenças.

“Foi crucial entender no processo de construção desta política que a existência dessa população na universidade envolve questões de permanência. Essas questões são atravessadas pelo ocultamento, estigma e abjeção, resultando em violações ao princípio da dignidade humana, seja por meio da discriminação ou violência física e psicológica”, afirma Marilise.

A política também implementa a reserva mínima de 2% das vagas para pessoas trans em todas as modalidades de bolsas acadêmicas, editais de auxílio e programas de permanência da Prae.