Hilton Lacerda narra um Brasil reprimido, e ainda tão atual, clamando por liberdade em “Tatuagem”

Por Eduardo de Assumpção*

“Tatuagem” (Brasil, 2013) “Bem-vindos à Broadway dos pobres” assim Clécio, personagem de Irandhir Santos, saúda o público do Chão de Estrelas, casa de espetáculos burlescos, em Recife, também uma trupe teatral, que com um visual mambembe e folclórico evoca Dzi Croquettes e Secos e Molhados. O longa, de estreia de Hilton Lacerda, premiado com o Kikito, em Gramado, se passa em 1978.

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Vemos o sedutor mundo do Chão de Estrelas, mas também somos levados à vida do militar Arlindo, conhecido como Fininha, Jesuíta Barbosa, em começo de carreira. Seu personagem fica entre a repressão da ditadura e seu amor por Clécio. Quando a irmã de Paulete(Rodrigo García) manda o namorado Fininha ao clube entregar uma carta, esse soldado, de dezoito anos, conhece o artista Clécio.

Uma faísca imediatamente salta entre os dois, e em pouco tempo Clécio e Fininha se envolvem em um caso apaixonado. A direção de fotografia, de Ivo Lopes Araújo, transforma um cabaré no retrato de um país. As cenas solares, no pátio da casa, também dão o clima setentista.

Uma câmera inquieta, às vezes em Super 8, se move de um lado para o outro, captando a riqueza visual e as cores quentes dos lugares, numa direção que é um colírio para os olhos. Vivendo contra o sistema, o grupo liderado por Clécio é como um grito de liberdade que não oprime sua essência queer, apesar das represálias, vemos isso principalmente no afeminado e afrontoso personagem Paulete.

A trilha sonora, composta por DJ Dolores, destaca os momentos mais políticos do filme, como a ‘Polka do Cu’, não apenas uma catarse sonora e visual, mas também um forte comentário social. Clássicos da MPB pontuam a trama e @johhnyhooker , aparece interpretando ‘Volta’, em uma cena memorável. ‘Tatuagem’ é uma obra prima do cinema nacional, com momentos épicos, simbolismos e gritos de contracultura.

O longa é um marco por inovar e trazer tanta poesia e sensibilidade para a tela. Corajoso, o filme é quase carnavalesco, alegórico, uma odisseia imersiva audiovisual. É dessa maneira lúdica, que Hilton Lacerda narra um Brasil reprimido, e ainda tão atual, clamando por liberdade.

Disponível na Reserva @imovision

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com

Instagram: @cinematografiaqueer

Twitter: @eduardoirib