“Gordura”, um problema ou um estereótipo?

Por Caroline Silva*

Há um ano li um livro muito interessante intitulado “What is wrong with fat?” (O que está errado com a gordura?). Na época, estava cursando a disciplina Sociologia da Desigualdade no curso de Ciência Política na Bélgica e confesso que nunca tinha estudado ou pensado nesse assunto como um problema político. O livro é uma grande contribuição para se pensar como a sociedade de uma maneira geral tem se comportado diante da temática da “gordura”, ou de como a sociedade como um todo enxerga as pessoas “gordas”, além de ser útil para pessoas que atuam na esfera pública, como políticos ou militantes, bem como acadêmicos e aqueles que lutam contra o preconceito no ambiente público e privado.

A autora do deste livro, Abigail C. Saguy, argumenta e se concentra em analisar as relações de poder moldadas por esquemas culturais ou da possibilidade de grupos subordinados “aumentarem seu controle criando novos significados culturais”. Apesar de o livro trazer uma abordagem interessantíssima sobre olhar a “gordura” como um fator de desigualdade social, ela também nos mostra como o assunto em torno da “gordura” é muitas vezes errôneo e acaba virando verdade absoluta na nossa sociedade, criando estereótipos do tipo: “ser gordo” é ser feio, ser “gordo” não é saudável ou que ser “gordo” é ser preguiçoso, entre outros mitos.

A autora faz uma grande contribuição para os estudos de Sociologia sobre a “gordura” e nos mostra como existe um enquadramento disseminado na sociedade que nos leva a um modo de pensar específico, e consequentemente influencia nossas ações. Sugiro a leitura deste livro como uma experiência enriquecedora e esclarecedora a respeito do tema e que nos permitirá elevar esse debate para um próximo nível.

Livro esclarece os estereótipos sobre a gordura

Talvez você que está lendo este artigo não esteja acima do peso ou não se sinta alvo deste debate, contudo, existe um número significativo de pessoas no mundo que sofrem preconceito por causa do peso, e é a essas pessoas que gostaria de dar voz ao dividir com você, leitor, o que aprendi com a leitura do livro “What is wrong with fat?”.

Inicialmente, o que posso afirmar é que após a leitura deste livro, nunca mais veremos a palavra “gordura” igual, pois há cada vez mais espaço para se pensar sobre esse conceito. Aprendi que o conceito em torno da “gordura” gera diferentes significados que são construídos e impostos à sociedade por diferentes atores, principalmente pela mídia, bem como por várias organizações de saúde, como por exemplo, gordura como algo imoral, gordura como um problema médico e gordura como uma questão de saúde pública. Em oposição, positivamente falando, o livro também defende a saúde em todos os tamanhos, a beleza da pessoa “gorda” e fala dos direitos dessas pessoas. E foi só depois de conhecer esses diferentes quadros de “gordura” propostos pela autora que consegui perceber as diversas maneiras pelas quais a sociedade cria uma imagem a respeito das pessoas com excesso de peso, e como eu, na condição de Cientista Política, poderia contribuir para o movimento ao pensar em reformas políticas nessa seara.

Em primeiro lugar, a “gordura” é geralmente enquadrada como uma consequência de escolhas individuais pobres, sendo vista assim como um problema moral. Além disso, ao longo de várias décadas, o enquadramento da obesidade transformou-se de um problema médico pessoal em uma crise de saúde pública. Por outro lado, e em segundo lugar, existem quadros que combatem a imagem negativa da “gordura” e afirmam que ela pode ser bela e saudável.

É preciso cada vez mais desafiar a compreensão convencional sobre a “gordura” como um problema moral e médico e chamar a atenção para as consequências debilitantes do estigma baseado no peso.

No entanto, é preciso reconhecer que a estrutura construída, ou o argumento dominante na sociedade contemporânea, é de que “a gordura não é bonita e não é saudável”. Um dos argumentos mais curiosos a respeito disso é o de que a “gordura” é promovida como um problema de saúde pública, sendo até equiparada a uma epidemia, contudo, as pessoas esquecem que epidemia é de origem viral, ou seja, é irracional enquadrar a gordura nesse argumento, todavia, são esses argumentos fracos e sem embasamento que legitimam o discurso de alguns atores, e pior, a sociedade engole sem contestar.

Outra questão em torno desse tema, são as políticas discriminatórias, como colocar custos extras para seguro de saúde, às taxas sobre negligência infantil com base em seu peso, ou cobrar duas passagens nos assentos dos aviões, ou até mesmo ir a um hospital público se consultar, mas não há roupas ou aparelhos que comportem todos os tamanhos. Além disso, a maioria das pessoas com excesso de peso adoece devido à timidez e ao constrangimento que sentem devido ao tamanho do corpo que as impede de procurar assistência médica.

Portanto, o mais interessante é que este livro permite examinar não apenas que tipo de imagem é criada em torno da “gordura” em virtude de um enquadramento específico na sociedade, mas também quais consequências sociais ela produz. Acho que muitos, assim como eu, nunca tinha pensado no tamanho do corpo como um eixo de desigualdade e que o seu peso da permissão, diariamente, para o assédio, o ridículo e o direito para alguns de monitorar publicamente a forma do corpo dos outros, ou seja, estamos inseridos numa cultura psicologicamente danosa de autovigilância que produz um estilo de vida ansioso nas pessoas “gordas”.

Abigail argumenta e se concentra em analisar as relações de poder

É preciso cada vez mais desafiar a compreensão convencional sobre a “gordura” como um problema moral e médico e chamar a atenção para as consequências debilitantes do estigma baseado no peso. Além disso, as discussões públicas sobre a “crise da obesidade” fazem mais mal do que bem, levando a bullying, diagnósticos equivocados e discriminação. O que precisamos levar em conta, no entanto, são as consequências cada vez mais negativas de categorizar as pessoas, “particularmente mulheres”, como “gordas”.

Fica evidente que o envolvimento de organizações, ativistas, médicos, a mídia e a sociedade como um todo, é importante, pois é por meio da ação de todos esses atores, que será possível se alcançar mudanças com relação a esse tema. Dessa forma, ignoramos as evidências crescentes que indicam que a obesidade não é prejudicial nem a principal causa do aumento dos custos com a saúde, que não é para a maioria das pessoas um sinal de gula ou falta de autocontrole; e que é a fonte de discriminação entrincheirada e culturalmente sancionada.

Estamos inseridos numa cultura psicologicamente danosa de autovigilância que produz um estilo de vida ansioso nas pessoas “gordas”.

Interessante pensar que, apesar deste livro ter sido publicado em 2013, fico feliz em ver uma sociedade se movimentando em reação a esses preconceitos, e um grupo de pessoas “gordas” conquistando espaços, respeito e mostrando que os padrões de beleza podem e devem ser mudados, e que há beleza sim em todos, não importando qual o seu peso na balança, e é sobre esse movimento tão bacana que falaremos no próximo artigo, o movimento plus size.

*Caroline Silva é escritora e cientista política especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em Ciência Política pela Universidade Livre de Bruxelas (ULB), Bélgica.