Por Vitor di Castro*
Pode parecer uma coisa tão óbvia, mas, assim, eu faço questão de vir aqui e frisar que ninguém vira viado. Não importa o que aconteça, não importa o que você veja, não importa o que você viva, se você for viado, você é viado. Se você não for viado, você não vai ser viado, tá?
Porque tem muita gente da família brasileira que tem medo de que o filho vire viado. Então eu tô fazendo este texto para duas coisas: primeiro, para tranquilizar, e segundo, para puxar sua orelha. Eu vou te tranquilizar dizendo que, assim, amor, se o seu filho for hétero, pode esfregar Pabllo Vittar na cara dele que nada vai acontecer.
Por que que eu sei disso, né? Porque eu sou gay. E sou desde sempre. E eu sou gay, apesar de a minha vida inteira ter recebido um monte de coisas heterossexuais como referência.
Para você pensar junto comigo, assim ó: as princesas da Disney todas são meninas que ficam com homem. As novelas todas cheias de beijos heterossexuais. Aí você liga a TV para ver propaganda, são propagandas onde têm casais heterossexuais que têm dois filhos heterossexuais.
E eu sou gay, apesar de a minha vida inteira ter recebido um monte de coisas heterossexuais como referência.
Abre uma revista, casais heterossexuais. Celular, vai lá, a propaganda que passa antes do vídeo do YouTube, casais heterossexuais.
Eu cresci com todas as referências heterossexuais e não funcionou. Não virei heterossexual, isso não aconteceu comigo. Não adiantou de nada, porque, amor, quando você nasce viado você vai ser viado, entendeu?
Eu tô mostrando este lado para que você que está vendo isso saiba que o outro lado é igual. Se você é heterossexual, não importa o que aconteça, você vai continuar sendo heterossexual.
Meus pais me criaram dentro da igreja, me criaram cheio de referência de heterossexuais, os meus irmãos todos são heterossexuais. Eu tenho quatro irmãos, todos são heterossexuais, eu sou o único gay. Fomos criados da mesma maneira, com as mesmas referências, porque eu nasci gay e eles nasceram héteros?
O que é que pode fazer com que uma criança, novamente chamando as crianças para a conversa, que não estão nem aí para essa história, mas o que uma criança vai ver um casal gay se beijando, de repente dentro de uma história em quadrinho, e vai falar: não não não, ixi! Tão se beijando aqui ó! Acho que eu sou viado!
E assim, eu tô falando de um exemplo, uma coisinha. Quantos livros LGBTs têm dentro da Bienal? Quantos, comparados aos livros de história heterossexuais? Quantos personagens gays você vê na novela comparados aos personagens heterossexuais? Quantos compositores, quantos cantores, quantos artistas LGBTs nós temos comparados aos heterossexuais?
Porque eu vejo as pessoas falando: não, não, isso influencia crianças, isso influencia as pessoas a virarem homossexuais. Agora, olha aqui no meu olho, quantas pessoas você conhece que já viraram gay, viraram lésbicas, viraram trans porque viram alguma coisa na rua?
Quantas pessoas você conhece que viraram gays, que falavam: olha, eu tava muito bem na minha heterossexualidade, mas nossa, ouvi uma Pabllo Vittar virei a louca? Isso é lenda, folclore brasileiro. Acabamos de passar por agosto, mês do folclore.
Um outro folclore é o ex-hétero. Esse homem não existe, essa pessoa não existe na face da Terra. Te tranquilizei, agora vou puxar sua orelha. Qual é o problema se de repente uma pessoa olhar e falar: nossa, eu acho que eu sou gay igualzinho esse cara aí que tá na TV! Qual é o problema se uma criança olhar Pabllo Vittar e fala: mamãe, quero ser igual ela! Qual é o problema?
Vamos falar aqui, conversa de adulto. Não chama a criança para essa conversa, é com você, adulto, que eu quero falar. Qual é o problema se o seu filho for gay? Essas pessoas falam que elas não querem ver essas representações LGBTs porque elas têm medo que o filho vire isso aí.
Quantas pessoas você conhece que viraram gays, que falavam: olha, eu tava muito bem na minha heterossexualidade, mas nossa, ouvi uma Pabllo Vittar virei a louca?
E o filho não pode virar porque é errado, porque é pecado, porque não pode, porque é sujo. Toda vez que vai citar qualquer coisa que seja gay, já leva para o sexual.
Gente, assim ó, de verdade. A gente é gay 24 horas, eu não sou gay só no momento em que eu estou transando com meu marido. Eu sou gay o tempo inteiro. Então, não venha falar para mim sobre a homossexualidade como se se fosse uma perversão, como se fosse algo sujo, porque não é.
Ser sujo, ser baixo, ser sexual, não tem nada a ver com o fato de ser gay ou ser hétero, tem a ver com a pessoa. Quantos heterossexuais a gente conhece que vão para o carnaval, vão pra vários lugares e quando vai ver, tá fazendo putaria.
Ser gay parece um atentado ao pudor. Eu não posso ser gay, não posso falar, não posso me mostrar, não posso dar pinta. Entendeu? Porque as pessoas não vão aceitar. Aí, quando aparece alguém na TV, nossa, meu deus do céu!
Ele é um gay na TV! Nossa, tira o meu filho da frente, porque se ele souber que existe um gay, ele vai ser gay.
Vocês acham mesmo que a homossexualidade apesar de ser suja, de ser pecaminososa, você acha que ela é tão tentadora a ponto de uma pessoa heterossexual só ver uma cena homossexual e, de repente, começar a ser um homossexual?
Ele é um gay na TV! Nossa, tira o meu filho da frente, porque se ele souber que existe um gay, ele vai ser gay.
É isso? Você acha que é uma doença contagiosa? Se você respirar o mesmo ar que um gay, na hora você vira gay! Que história é essa? Pode usar qualquer desculpa, menos essa! Eu prefiro muito mais aquele ser escroto, babaca, que bate no peito para assumir que é homofóbico, assumir que queria que gays morressem, do que a pessoa que não assume isso e fica falando: não não não, eu só não quero que o meu filho veja.
Você não quer que o seu filho SEJA!
E você não quer isso porque você É SIM homofóbico.
* Vitor di Castro é ator e videomaker. Formado em Artes Cênicas com especialização em humor, encontrou nas redes sociais uma forma de expor seu trabalho humorístico, mas foi na união com a página “Quebrando o Tabu” que garantiu seu espaço como ativista político, defendendo causas importantes como direitos humanos e principalmente os direitos LGBTs. Instagram @vitordicastro www.youtube.com/debocheastral
Victor Jordão
01/10/2019 22:22
Ótimo texto, de grande reflexão para os otários homofóbicos.