Por Breno Rosostolato*
Ao que tudo indica, os sinais evidentes da emancipação feminina estão aí, expostos, e dão as cartas nos dias de hoje. Mulheres independentes e autônomas, inseridas no mercado de trabalho, ocupando e desenvolvendo funções antes não imaginadas.
Mulheres que possuem responsabilidades que extrapolam os papéis definidos por uma sociedade machista e sexista. Mas, ao que tudo indica também, na mesma proporção da emancipação feminina, a resistência a esta liberdade, infelizmente, é ainda muito presente nas mentalidades de homens e de muitas mulheres. Um movimento invisível, mas real e destrutivo, desqualifica esta autonomia das mulheres, em que se defende o conservadorismo de funções estereotipadas de gênero, ou seja, posições sociais determinadas entre masculino e feminino, o backlash.
Exemplo deste retrocesso do backlash são os conceitos distorcidos ensinados em uma escola na cidade de Uberlândia, a Escola de Princesas. No curso, crianças entre 8 e 12 anos são ensinadas a se comportar e obedecer aos padrões de educação de um sistema patriarcal ocidental, que existe desde a época medieval. Arcaico e arbitrário, as meninas são apresentadas a conceitos preconceituosos, em que aprendem a se portar na mesa como princesas, usando vestimentas antigas, preocupação com maquiagem e adotando regras de etiqueta rígidas.
A precocidade imposta e uma cultura de ‘adultização’ de crianças se mistura a uma aculturação de meninas num papel de gênero discriminatório. Incentivadas por mães que reforçam a fantasia e a ilusão. Assistem mulheres se preparando para agradar maridos. Provavelmente, são estas mães que, assim como a dona da escola, vão contra a igualdade entre os gêneros e se opõem a estas mudanças.
Um movimento invisível, mas real e destrutivo, desqualifica esta autonomia das mulheres, em que se defende o conservadorismo de funções estereotipadas de gênero.
O curso para princesas pauta-se nos contos de fadas, em que meninas postulam o trono junto ao príncipe que virá salvá-las. Inclusive, contos de fadas são histórias que acentuam a submissão da mulher ao homem. Rapunzel, Cinderela, Branca de Neve e a Bela Adormecida: todos estes contos possuem como informação central a fragilidade da mulher e enaltece o poder do homem. A figura masculina é o detentor da integridade, generosidade e benevolência.
O cerne dos contos de fadas é que o homem é forte, dono do reino ou ocupa uma posição social privilegiada, além de que despertará a mocinha de seu sono profundo, salvando-a dos apuros; ou é aquele que a tira de uma situação de pobreza e, inclusive, lhe dá a vida depois de beijá-la. A mulher é fraca e indefesa, prostrada e cerceada. Julgada como miserável, enclausurada, impedida de viver alegremente, ameaçada por bruxas, madrastas más ou aprisionada numa torre, estas personagens são mulheres que só sairão da miséria e atingirão respeito se relacionando com este homem. Todas desejam e disputam o amor do príncipe como se aquilo fosse a própria salvação.
As candidatas a princesas da escola de Uberlândia aprendem a se adaptar às exigências da sociedade e, portanto, enquadrar-se em conceitos de beleza escravizadores, fantasias e idealizações. As meninas deveriam ser incentivadas a desenvolver suas próprias capacidades, potencialidades e talentos.
Em contraponto a este movimento reacionário por aqui, no Chile, outro movimento surge para ‘desaprincesar’ as meninas. O intuito do curso é desmistificar que as meninas desejem ser princesas e não viverem em busca de ideias efêmeras e distorcidas sobre o que deveria ser mulher.
O cerne dos contos de fadas é que o homem é forte, dono do reino ou ocupa uma posição social privilegiada, além de que despertará a mocinha de seu sono profundo, salvando-a dos apuros.
Meninas entre 9 e 15 anos são convidadas a refletir sobre os papéis de gênero, os valores impostos por uma sociedade patriarcal. O curso é oferecido pela Casa de Cultura da cidade de Iquique e proposto pela Oficina de Proteção dos Direitos da Infância (OPD) da cidade, apoiada pelo Serviço Nacional de Menores. A ideia é debater não somente as questões de essencialismo entre os gêneros, como também os padrões de beleza, além de promover atividades que permitam o empoderamento das meninas desde cedo.
Crianças não deveriam ser bombardeadas com concepções de conservadorismo, padrões de beleza e condutas rigorosas de comportamento. Atentar-se a esses costumes a tão tenra idade prejudica a infância. Além de anular a infância, antecipa etapas na vida que deveriam ser vivenciadas de acordo com o desenvolvimento psicossocial. As meninas devem ser incentivadas a descobrir seus potenciais e capacidades.
Buscar relacionamentos que se baseiam na igualdade e na reciprocidade, em que o afeto seja mútuo e sincero, sem exclusividades de homens ou mulheres. Neste sentido, a escola de princesas é um desserviço para uma sociedade que precisa mudar mentalidades e ressignificar as considerações entre homens e mulheres.
*Breno Rosostolato é psicoterapeuta, educador e terapeuta sexual, professor universitário e pesquisador sobre violência de gênero, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual e masculinidades. É um dos responsáveis pela LovePlan, empresa especializada em relacionamentos.