Os LGBT, o vôlei e uma copa da diversidade que reverbera respeito e convivência

Atire a primeira pedra quem nunca passou por algum tipo de constrangimento na Educação Física escolar por não ser o padrão. Muitos de nós tiveram que conviver com a escolha por último para o time, entrando nele só porque era obrigado pela aula. Talvez o campo do futebol tenha sido o mais cruel, talvez onde mais nos sentíamos uma peça fora do tabuleiro, um jogador que o pai gostaria que fôssemos, mas não éramos.

Tenho muito cuidado ao afirmar que somos muitos, mas não todos. É para esses muitos que o esporte amador surge como um espaço de pertencimento, terapia, exercício físico, amizade, fuga. Em um time onde todos passam pelas mesmas jogadas da vida, uns perdendo, outros ganhando, todos vivendo, é neste time que podemos abandonar a cara amarrada que recebíamos para ganhar sorrisos, amigos, confidentes, um grupo.

Mais uma vez muito cuidado ao afirmar que muitos somos os que, dentre os esportes mais populares, naturalmente nos damos melhor com o vôlei do que com o futebol – lembrando que existem LGBT em todos os esportes. Mas aqui eu quero resgatar essa ferida que a gente pode até ter curado, mas serve sempre para aprender e refletir.

A bichinha que no futebol era empurrada para o gol e saía correndo dele quando a bola vinha (eu) pode ser ela mesma dentro de quadra. Porque uma coisa que o esporte ensina a quem está interessado em aprender é que cada um é de um jeito, e isso é essencial para que o time, o grupo, o conjunto, funcione bem como a engrenagem que é.

Tenho muito cuidado ao afirmar que somos muitos, mas não todos. É para esses muitos que o esporte amador surge como um espaço de pertencimento, terapia, exercício físico, amizade, fuga.

No vôlei, alguns são melhores recepcionando o saque, outros voando na rede para atacar, outros sacando. É justamente nesta diversidade que se baseia a estratégia de jogo, o posicionamento dos jogadores, as substituições. É preciso inteligência para entender que a diferença é um encaixe de um ser humano no outro.

Cada um tem algo de melhor a oferecer, cabe ao inteligente, ao técnico, saber usar a potencialidade individual em favor do coletivo. Ao mesmo tempo, o mesmo técnico é obrigado a observar o outro time em busca de falhas, defeitos, buracos estratégicos. É um exercício também mental, psicológico, antropológico, filosófico e sociológico saber tirar proveito das potencialidades e dos defeitos humanos.

Essa é uma pequena reflexão que voltar a jogar vôlei me trouxe há quase três anos. Algo que eu já sabia, mas vi funcionar na prática dentro de quadra. Esse aprendizado, somado ao delicioso exercício físico, mental e social, é enriquecedor. Um grupo que precisa de você te demanda evolução, não somente a física e técnica, mas a humana para que haja equilíbrio em tanta diferença.

Depois de décadas (na minha época ainda existia vantagem e o saque queimava na rede), voltei a jogar para tirar a mente um pouco da profissão, quebrar o sistema de pensamento, tentar outra lógica, adicionar o novo, expandir. Nada melhor do que um grupo de pessoas para isso, onde é obrigatório conviver bem para não se dar mal. Atritos ocorrem em constâncias que dependem desse grupo, assim como as evoluções só nascem com ele.

Um grupo que precisa de você te demanda evolução, não somente a física e técnica, mas a humana para que haja equilíbrio em tanta diferença.

É no cuidado com o lidar, é na preocupação com o sistema a ser realizado em cada jogada, é passando por momentos bons e ruins juntos que crescemos, também. Dentro de quadra, olha só como dá para levar para a vida isso tudo, é preciso incentivar o que o outro tem de melhor, não deixar ninguém para baixo porque um é capaz de afundar o time todo, inclusive quem está no banco.

O esporte coletivo, seja qual for, é uma lição de vida em tempos onde não nos ouvimos mais, seja ao não nos vermos mais frente a frente, seja na intolerância à opinião diferente. Dentro de quadra somos diferentes, mas nos respeitamos por um objetivo em comum: que todos saiam, literalmente, ganhando.

Assim como eu, muitos, muitos e muitos pelo Brasil (e pelo mundo, né?) fazem o mesmo: entram para um time cheio de diversidade, pegam gosto e ficam. É para eles, eu, e quem sabe você, que desde o último sábado a Copa Vegas vem ocupando o CEU José Saramago, em Osasco, cidade que abriga time feminino de mesmo nome, um dos mais tradicionais do Brasil e referência para muitos destes, de nós, jogadores, as, xs.

Dentro de quadra é preciso incentivar o que o outro tem de melhor

Sete times estão participando e querendo o primeiro lugar. Os jogos são todos os sábados e começam às 8h45 com entrada gratuita e apoio nosso, Prefeitura de Osasco, Coletivo Mundo Mágico, Zartanpipas Estamparia, Universo Troféus, Scruff e autoteste HIV Detect.

Quem não puder ir pode acompanhar pelo nosso perfil no Instagram @ezatamag e no da @copavegas para ver que o que acontece em Vegas promete não ficar em Vegas, reverbera respeito, convivência e saúde mental e física para bem além de um jogo de sorte.