Sobre a importância de se masturbar
Por Breno Rosostolato*
A última notícia vinda dos Estados Unidos é um tanto curiosa. Uma estrutura parecida com uma cabine telefônica foi instalada em Nova York para as pessoas ‘aliviarem a tensão’ e se masturbarem na rua, ali mesmo, longe de olhares curiosos e com toda a privacidade necessária.
A empresa londrina de brinquedos eróticos Hot Octopuss instalou essa cabine durante um dia, em plena 5ª Avenida, para fazer propaganda de sua marca e alertar as pessoas que é preciso fazer uma pausa de pelo menos 15 minutos durante o dia para relaxar. A ideia foi provocar a reflexão sobre a importância da masturbação na vida das pessoas.
Desde muito tempo, mas muito tempo mesmo, a masturbação é uma prática comum entre os homens. Pinturas encontradas no arquipélago de Malta, com mais de 6 mil anos, retratavam as pessoas em posições sexuais solitárias. No Egito Antigo, atribuiu-se à manipulação dos órgãos genitais do deus Atum a criação do mundo, e na beira do Rio Nilo os faraós costumavam se masturbar como homenagem e agradecimento à criação dos deuses. Já os sumérios acreditavam que a prática fortalecia a população e, portanto, comum, assim como para os gregos que encaravam a masturbação natural como o sexo. Para aliviar tensões e frustrações sexuais.
Interrupção do coito
Combatido pela lei religiosa judaica, o ‘coitus interruptus’ era considerado um mal e que fazia os homens improdutivos, uma vez que deveriam se multiplicar, portanto, não admitido como técnica contraceptiva. Passível de ser punida até com a morte, a masturbação fora batizada de onanismo, termo que deriva de Onan, um personagem da Bíblia.
Pelos antigos costumes dos judeus, se uma mulher casasse com um homem casava com a família toda, logo, isso permite que outros tivessem controle sobre ela, afinal, tinha sido comprada e paga. Se caso o marido não tivesse filhos com ela e morresse, o irmão mais novo deveria tomar a cunhada como esposa e ter um filho com ela, como sendo legítimo do irmão mais velho.
Pois bem. Onan, Filho de Judá, teve de casar com a viúva do irmão, uma mulher chamada Tamar. Para evitar este conflito, Onan praticava o coito interrompido com Tamar, evitando que a mulher engravidasse, gerando a ira de Deus, que assim o mata.
Uma doença
Não foi por menos que a masturbação foi considerada uma doença que causava ataques epilépticos, loucura, impotência, idiotice e que levaria à danação divina. Há quem acreditasse que a prática causava o crescimento de pelos nas palmas das mãos. A ideia pecaminosa da masturbação ainda persiste. Gera culpa e medo. Tabu entre adolescentes e para os pais que ficam apavorados quando flagram os filhos se manipulando.
Foi na Idade Média que as punições à masturbação foram mais severas e condenavam o ‘herege’ à fogueira. No século 17, estudos indicavam os malefícios da masturbação, e obras surgiram denunciando os problemas de quem a desempenhava. Um destes livros foi ‘Masturbação, o Pecado da Autoflagelação e Suas Terríveis Consequências em Ambos os Sexos’, do médico Balthazar Bekker.
Em 1760, Samuel Tissot publica ‘O Onanismo – Dissertação Sobre as Doenças Produzidas pela Masturbação’ e assim, além da culpa religiosa, a masturbação é enquadrada de vez na censura científica. Até mesmo o filósofo Jean-Jacques Rousseau descreveu a masturbação como sendo uma ‘estupro mental’ e um ato ‘inatural’.
Antimasturbação
Este movimento ‘antimasturbatório’ e o surgimento dos ‘guardiões da castidade’ surgem na Idade das Luzes, era em que valores defendidos pela burguesia buscavam o controle, impondo regras e padrões de conduta. Era a decência elevada ao patamar de virtude e, assim, a família tradicional se doutrinava. Pais educavam os filhos, com a rigidez habitual, para que não tivessem contato – ou coibissem ao máximo – com o prazer solitário.
Era recomendado que os jovens se deitassem de lado, nunca de costas. Aplicação de gelo ou água muito fria nos genitais, salgada ou com sal, para quem fosse surpreendido manipulando os genitais. Para dormir, os meninos deveriam vestir camisas compridas até os pés e munidas com um cordão que deveria ser amarrado ao pênis. Para os rebeldes, cauterização da porção prostática do canal da uretra. Para as meninas, queimar o clitóris com ferro quente era uma opção ou, a mais eficaz, ‘clitoridectomia’, a amputação. Todos estes métodos com respaldo médico e científico.
Era recomendado que os jovens se deitassem de lado, nunca de costas. Aplicação de gelo ou água muito fria nos genitais, salgada ou com sal, para quem fosse surpreendido manipulando os genitais.
Felizmente, no século 20 poucos médicos deram créditos às fábulas terroristas que envolviam a masturbação. Sob forte influência de Freud, a prática sexual foi compreendida. Haja visto que em casos de mulheres diagnosticadas com histeria a estimulação genital era largamente praticada por médicos como forma de tratamento. Acreditava-se que as oscilações de humor eram causadas pela insatisfação sexual e que o orgasmo seria uma crise histérica.
Facilitar a masturbação
Surgem inúmeros aparelhos para realizar esta estimulação genital e facilitar o trabalho dos médicos. Eram vibradores elétricos e máquinas hidroterápicas vendidas por catálogos das lojas de departamentos. Sementes lançadas para as indústrias de brinquedos masturbatórios.
Para Freud, a masturbação deveria ser encarada como algo normal e praticada na infância. O amadurecimento sexual envolvia o abandono da masturbação em detrimento do sexo a dois. Já para o professor Jean-René Verdier, a masturbação possuía uma tripla função. Fisiológica, compensatória e lúdica. O crescimento da sexologia corrobora para que a masturbação seja algo positivo, e passa a ser desejável pelos jovens.
Sob forte influência de Freud, a prática sexual foi compreendida. Haja visto que em casos de mulheres diagnosticadas com histeria a estimulação genital era largamente praticada por médicos como forma de tratamento.
A sexóloga e feminista Shere Hite afirmava que a masturbação possuía aspectos favoráveis, facilitando os orgasmos e que poderia ser fonte inesgotável de prazer. Shere acreditava que as mulheres deveriam ter o direito de se masturbar sem culpa e repressões e, assim, estabelecendo uma relação íntima com o próprio corpo. Uma atividade que deveria fazer parte da vida de qualquer mulher. E não só aos homens.
Não apenas concordo com Shere, como considero a masturbação importante para o reconhecimento do corpo. Um corpo oprimido e que, constantemente, é impedido de desfrutar suas potencialidades e prazeres. A masturbação faz parte da educação sexual de crianças, adolescentes e jovens e deve ser um tema abordado pelos pais, de maneira espontânea e tranquila. De fato, a ideia da cabine de masturbação é inusitada, mas muito bem vinda. Você usaria? Eu não vou esperar ir até Nova York.
*Breno Rosostolato é psicoterapeuta, educador e terapeuta sexual, professor universitário e pesquisador sobre violência de gênero, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual e masculinidades. É um dos responsáveis pela LovePlan, empresa especializada em relacionamentos.