Precisamos sim responder a fundamentalistas religiosos e gerar uma onda de razão em meio à cegueira

Há muito tempo nós ouvimos religiosos fundamentalistas distorcerem a Bíblia Sagrada para nos condenar. Há tanto tempo que eu realmente me cansei de ficar quieto, achando que são apenas pessoas psicologicamente perturbadas, sexualmente reprimidas e humanamente incompletas por dividir em vez de unir, conviver. Ontem foi meu limite na Linha Amarela do Metrô de São Paulo quando um deles entrou e disparou na minha cara uma relação entre homossexualidade e pedofilia.

Antes de ser criticado por falar mal de cristãos (cristãos?), gostaria de dizer que sou católico apostólico romano, crismado pelo Núncio Apostólico em uma cerimônia gigante e pomposa em um estádio de futebol. Lá estava eu, belííííísima de túnica branca esvoaçante com a imagem da pomba/Espírito Santo estampada recebendo o óleo ungido na testa. De franja descolorida porque a Camila Pitanga em Malhação lançou moda.

Eu rezo a Deus, acho Jesus Cristo muuuito bacana e tenho terço, imagem de santo e vela acesa em casa. Então eu não sou um caçador de cristãos, eu sou um deles. Mas eu me considero o cristão real, aquele que olha para Cristo e vê bondade, não condenação. O meu Deus me ama, não acha que eu sou pedófilo, não escreveu isso no livro mais vendido no mundo todo e nunca permitiu ninguém a falar em nome dele para me chamar de criminoso.

Pedofilia é crime, é horrível, totalmente condenável. Então realmente me incomoda quando, voltando de um cansativo dia de trabalho honesto, um falso profeta, quiçá anticristo, se ajoelha à minha frente no vagão do metrô com uma Bíblia na mão e começa a dar sua opinião sobre “o homossexualismo”. A opinião dele: os homossexuais levam as crianças para os banheiros para elas fazerem sexo oral neles.

O meu Deus me ama, não acha que eu sou pedófilo, não escreveu isso no livro mais vendido no mundo todo e nunca permitiu ninguém a falar em nome dele para me chamar de criminoso.

Você não deve ter entendido nada do que eu escrevi porque eu também não entendi o que ele falou. Ser homossexual, para ele, é ser pedófilo e receber sexo oral no banheiro feito por crianças. E ele, com a Bíblia na mão pregando uma distorcida palavra de Jesus Cristo, estava ali para combater esse crime. Eu poderia ter sentido apenas pena, ignorado. Mas chega. Está na hora definitiva de entrarmos sim nos debates mesmo que eles não sejam tão dialéticos, lógicos.

Eu em pé, ele ajoelhado com a Bíblia na mão e gritando sobre “o homossexualismo”. Ele olhou para mim e eu não resisti, coloquei a touca de mergulho e entrei no debate:

– Mas ser homossexual não significa ser pedófilo. A pedofilia não é orientação sexual e existem também heterossexuais pedófilos, infelizmente.

Ele não entendeu o que eu quis dizer porque não era o discurso que ele estivera ouvindo há anos, que formou essa opinião errada que ele tem e, infelizmente, sai espalhando por aí. Continuei:

– Eu sou homossexual e nunca fiquei com um menor de 18 anos, nem quando eu mesmo era menor de 18 anos.

Obviamente que a falta de argumentos em pessoas intelectualmente medíocres dispara o gatilho da agressão verbal:

– Você é da minha classe? Eu te conheço?

Respondi então, com calma, sem gritar como ele:

– Somos todos da mesma classe, somos todos humanos e filhos desse Deus de quem você está falando.

Ele ficou realmente bravo e me mandou, não pediu, me mandou não atrapalhar a pregação dele. Mas, respondi:

– A liberdade que você (infelizmente) tem de entrar aqui e me chamar de criminoso é mesma a que eu tenho para me defender. A sua verdade é indiscutível dentro da sua igreja, não aqui.

Eu poderia ter sentido apenas pena, ignorado. Mas chega. Está na hora definitiva de entrarmos sim nos debates mesmo que eles não sejam tão dialéticos, lógicos.

Não bastasse ele já estar irritado o bastante e ter se levantado nesse ínterim (achei até que seria fisicamente agredido, confesso), não bastasse todos em volta de nós dois no vagão concordando comigo (foi lindo), um rapaz se aproximou desse falso profeta e nocauteou qualquer argumento que ele ainda pudesse ter:

– Com licença, eu fui vítima de abuso sexual dentro da igreja, abusado por um pastor. Você está errado em dizer essas coisas.

Foi como uma bomba. Não só para ele, mas também para mim. É algo realmente muito difícil de se dizer, revelar que foi vítima de abuso quando criança. Mas de alguma maneira, acredito eu, a minha coragem de confrontar o pregador de araque motivou esse rapaz a também confrontá-lo – contando um fato da vida dele em alto e bom som, para todos ouvirem no vagão do metrô.

Eu fiquei pensando que se a gente realmente quer combater esse tipo de homofobia (além de todas as outras), precisamos sim ter coragem, precisamos sim “perder tempo com gente desse tipo” porque isso cria, como eu percebi, uma onda. É uma pedra jogada na água que irradia os movimentos, tirando todos de sua zona de conforto para participar desse movimento.

Com licença, eu fui vítima de abuso sexual dentro da igreja, abusado por um pastor. Você está errado em dizer essas coisas.

As pessoas em volta da discussão, o rapaz corajoso em dizer que sofreu abuso e a saída rápida do falso profeta na estação seguinte foi a resposta que eu tive por ter feito apenas uma pergunta no começo desse embate. Muitas e muitas vezes eu passei por outros pregadores como ele, principalmente no Centro da cidade. Ficam gritando palavras de um Deus odioso, vingativo, preconceituoso e em nada sublime.

Por muitas vezes eu pensei em responder às provocações deles, mas sempre achava que não seria muito produtivo. Ontem, protagonizando toda uma onda dentro do vagão, eu percebi que precisamos sim responder – porque há esperança de que as pessoas concordem com você, porque há esperança de que outras pessoas também queiram fazer o mesmo e não tenham coragem, mas se sentirão representadas por você.

Precisamos fazer isso porque há esperança. E não é um grupo nota zero em interpretação de textos sagrados que vai nos tirar essa esperança. Eu tenho fé, com razão.