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FORÇA TRAVESTI

Maria da Maré une arte e militância em projetos que abrem caminhos para outras terem oportunidade e visibilidade

“Maria Eduarda, uso o nome artístico Maria da Maré, tenho 21 anos e como uma boa geminiana meu signo eu não revelo.” Esta é apenas uma pequena, bem pequena, definição de Madu. Professora, ativista, artista, gente. Muitas são as palavras que cabem neste enorme escopo humano em que ela se transformou quando teve coragem de buscar quem sentia ser por dentro.

É na cidade de Araraquara (SP) que ela coloca todo seu talento à disposição de um movimento de corpos fora de um padrão opressor que querem liberdade, igualdade e oportunidade. Ela segue na luta, “na fúria e na força travesti”, para alcançar seus objetivos e abrir caminhos para outras como ela.

“Quero ser para o mundo e para mim tudo que nos é renegado. Uma educação justa, arte-orientada, crítica. ProfessorArtista travesti na rede pública de ensino conquistando o que já era para ser nosso. Novas narrativas, novas linguagens, novos horizontes, tudo delas, para elas e por elas! Eu acredito nisso”, diz ela na entrevista a seguir:

Você mora onde? Existe muita intolerância contra os LGBT na sua cidade?

Nasci em Taubaté, interior da barriga da falsa grávida, sou prima da Hebe Camargo, mas ela me odiava. Atualmente moro em Araraquara, interior de São Paulo, sou estudante do 5° ano em Ciências Sociais na UNESP, sou professora em formação, atriz, dançarina e arte-educadora.

Quero ser para o mundo e para mim tudo que nos é renegado

Como isso pode mudar?

Araraquara, assim como o Brasil, não é tolerante muito menos respeitosa com pessoas LGBT+, se a gente não apanha o boicote institucional vem, principalmente para as artistas que trabalham com editais e dependem da boa vontade e respeito vindos “de cima”. Fora isso, o medo não sai do nosso vocabulário, mas também temos apoio como o Centro de Referência LGBTQIA+ gerido pela Assessoria LGBT da Prefeitura, assim temos oportunidade de nos defender e aprender a nos preservar!

Há quanto tempo você se tornou a Madu? Você acha que ela sempre esteve em você?

Em 2017 eu conheci outras amigas dissidentes, corpos que não estavam conformes o protocolo social, foi assim que entendi que Madu precisava entrar no palco agora, ela já estava cansada de esperar na coxia. Foi um processo bem natural para mim, não digo que não senti medo, mas minhas amigas trans e travestis me ensinaram a ter coragem.

Conheci outras amigas dissidentes, corpos que não estavam conformes o protocolo social, foi assim que entendi que Madu precisava entrar no palco agora, ela já estava cansada de esperar na coxia.

Como foi esse processo? Quais os maiores desafios que você enfrentou?

Antes de me entender e compreender a travestilidade enquanto vida e posicionamento político, a arte drag invadiu minha narrativa e se fez presente enquanto motora de novas artes e possibilidades de expressão. Catarina DeBosheé (@catadebochada) é uma personagem drag queen que criei no quarto da minha única irmã, também artista e LGBT+, Ana Cláudia, em que eu podia, escondida de meus pais, criar looks e maquiagens – roubadas da minha irmã, desculpa maninha – e ver uma figura feminina – ou quase isso. A dublagem, a performance, a dança, todas elas se mostraram para mim enquanto uma POSSIBILIDADE! Antes da Catarina eu não tinha confiança nenhuma em exercer nada artístico com meu corpo. Hoje em dia eu interpreto a relação com minha drag como o momento em que transformei, literalmente, todas as minhas inseguranças em potências. Em 2017, participei do primeiro concurso de performance de drag queens de Araraquara – Drag QueenDom, 1° Prêmio Divine. O concurso foi um bafo para muitas drags da cidade que estavam iniciando e experimentando o corpo artístico. Dublei “And I Am Telling You”, interpretada por Jennifer Hudson no filme “Dreamgirls”, foi libertador, eu já havia performado essa cena em outros rolês em Araraquara. Ganhei o concurso, performei em duas Paradas LGBT+ da cidade e consegui levar meu trabalho a outros espaços. Há um ano, Catarina adormeceu depois de muitas brigas com a Madu. Demorei certo tempo para entender que elas não deveriam ser inimigas nem disputar holofotes, elas poderiam coexistir. Sinto que pra Catarina, a Madu era uma nova pessoa no comando, não mais “um garoto medroso”. Assim como toda PokéMona, a gente evolui, por isso eu, Maria da Maré, estou nos bastidores ajeitandotudo para a reestreia: Catarina DeBosheé – a estrela nunca morre, ALOKA! Posso ser travesti performer e fazer drag queen ao mesmo tempo, uma não exclui a outra, elas se fortalecem! Força é uma coisa que a coletiva Casixtranha (@casixtranha) me ensinou. O Vogue e a Cultura Ballroom parecem ser sanguíneos entre as bichas artistas. Em algum momento da vida de uma LGBT+ eu acredito que a cena do Vogue vai tocar uma parte dessa história e mostrar um mundo de possibilidades que exigem força, habilidades, sensibilidade e muita coragem, coisas que todes nós precisamos para sobreviver. Nós, Ixtranhas começamos nos juntando em praças de Araraquara, no final de 2017, para (tentar) dançar as categorias de Vogue e com o passar do tempo uma família foi surgindo. Igual todas as outras, viu?! As gatas batem boca, tretam, jogam shade, dão ekê, mas se adoram! Juntas crescemos, individual e coletivamente, criando uma nova cena artística em Araraquara e região.

O medo não sai do nosso vocabulário

Você de alguma maneira consegue fazer esses três projetos dialogarem? Como?

Graças a Vita Pereira (@vitapereiraa) pudemos estar presentes nas festas e um filme produzidos por ela. A festa TR4V4D4 (@tr4v4d4) financiou a produção de um experimento documental chamado Morada das Ixtranhas (@moradadasixtranhas) que narra a história artística (veja no destaque) de luta e resistência da coletiva Casixtranha. O doc foi gravado durante dois anos e lançado em 2019, foi incrível ter participado de um filme produzido apenas por travestis, mulheres, pessoas negras. Um grito audiovisual de resistência anticolonial e antiepistemicida.

Você sempre gostou de fotografia? Como começou o trabalho como @travandrogina?

A partir desse contato com o universo audiovisual eu decidi afunilar meu olhar para fotografia e foi então que comecei o projeto TravAndrógina (@travandrogina) com |sub|objetivo de clicar sinceridades sob um olhar transfeminino. Investi no espaço da fotografia a força necessária para fazer presente uma narrativa trans sobre corpos sub-representados. Ainda estou em construção. Todos esses projetos |de vida| nunca andaram só, sempre bem acompanhados de pessoas e situações que moldaram quem eu sou e ainda quero ser. Todas emaranham-se numa rede de afeto e criação e posso ativá-las juntas, afinal, “isso não é tecnologia, é feitiçaria!”.

Meu sonho não é só meu, é também das minhas, das que correm comigo, me sustentam e eu sustento elas.

Qual seu sonho?

Meu sonho não é só meu, é também das minhas, das que correm comigo, me sustentam e eu sustento elas. Quero ser para o mundo e para mim, tudo que nos é renegado. Uma educação justa, arte-orientada, crítica. ProfessorArtista travesti na rede pública de ensino conquistando o que já era para ser nosso. Novas narrativas, novas linguagens, novos horizontes, tudo delas, para elas e por elas! Eu acredito nisso. Na fúria e na força travesti.

Instagram @madutravesti

1 Comments
  1. Luminotan

    01/04/2020 20:37

    Não tenho palavras pra descrever o quanto admiro a Madu! Parabéns aos envolvidos na matéria.

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