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VENCIMENTOS

Ruth Venceremos fala sobre como superou desafios e hoje tem força para ajudar outras artistas em tempos de pandemia

A leonina Ruth Venceremos é uma drag queen, produtora cultural e ativista de Brasília que adora um bom paetê em seus looks para brilhar ainda mais. Mas mais do que isso, ela quer que todas suas manas brilhem junto, por isso fundou com outras manas o Distrito Drag, uma rede que deixa todas mais fortes e atuantes e garante apoio para quem mais precisa neste momento delicado de pandemia do Coronavírus.

Foi pensando nas artistas drag que estão sem trabalho por causa do cancelamento de festas e eventos em todo o Brasil, e no mundo, que o Distrito lançou uma campanha criando um fundo de apoio para quem não tem show para fazer e não está recebendo cachê, mas não deixou de ter contas para pagar.

Ganhadora do Prêmios FAC – Cultura e Cidadania 2018 na categoria Cultura LGBTI e do Prêmio de Direitos Humanos do DF 2019, ambos concedidos pelo Governo do Distrito Federal, ela agora entrou de cabeça nessa rede do bem. Ruth mostra hoje sensibilidade e força frente a um momento de grande dificuldade, algo que ela sabe bem como é e conta na entrevista abaixo:

Existe muita intolerância em Brasília?

Eu sou pernambucana, mas resido em Brasília há 5 anos. Ainda existe muita intolerância sim, é só lembrar o caso mais recente de repercussão nacional onde um motorista de aplicativo expulsou duas mulheres trans simplesmente por serem quem elas são. Ou seja, existe muito preconceito e discriminação ainda contra a comunidade LGBTI+ e contra a população negra. Negar-nos o direito a viver como bem entendemos é nos expropriar do direito humano à vida.

Debater diversidade sexual e de gênero desde a infância é um imperativo (Foto: André Gagliardo)

Como você acha que isso pode mudar?

Acredito que estamos num movimento crescente, mas tímido de mudanças. Como resultado da luta do Movimento LGTBI+ temos obtido algumas conquistas pontuais, mas bastante simbólicas que levam a sociedade a refletir e se reeducar, entre elas, a criminalização da LGBTfobia. Embora uma histórica conquista, mas ela por si só não resolve a marginalização e discriminação histórica da comunidade LGBTI+, principalmente por conta do sistema de encarceramento em massa da população pobre e negra. Por isso acredito na educação e na cultura como bases estruturantes e fundamentais na luta contra o patriarcardo e a LGBTfobia, e isso passa, sem sombra de dúvida, por políticas públicas, incluindo escolas livres para debater questões de gênero, educação sexual e tantos outros temas importantes para a formação dos nossos estudantes. Debater diversidade sexual e de gênero desde a infância é um imperativo para que possamos educar nossas crianças no respeito às diversas formas de viver e de amar.

Negar-nos o direito a viver como bem entendemos é nos expropriar do direito humano à vida.

Há quanto tempo você começou a perceber que gostava de make e de usá-la para se transformar?

Make bem marcada, picumã armado, um batom cheguei e roupa bafônica sempre foram coisas do universo da beleza e da moda que me chamavam a atenção desde que eu era criança, no entanto, dado o machismo na sociedade e apesar de brincar com as amiguinhas, não ousei fazer arte e me transformar. Na adolescência, encantada com divas que apareciam na TV, me arrisquei pela primeira vez a me montar para uma peça de teatro na escola. Foi uma experiência incrível e libertadora onde pude ver o potencial humanizador da arte.  Mas foi só depois dos 30 anos de idade que a vida me oportunizou o meu reencontro com a arte transformista que pulsava dentro de mim desde muito cedo. E aqui estou: bonita, ativista e drag queen.

Só depois dos 30 anos de idade que a vida me oportunizou o meu reencontro com a arte transformista (Foto: Bruno Cavalcanti)

Conta um pouco mais sobre esse seu processo. Quais os maiores desafios que você enfrentou?

Quando eu olho para trás me pergunto se não demorei muito tempo para assumir a arte transformista/drag como oxigênio na minha vida. Aí respondo: a vida se encarrega de organizar nossas demandas, aflições e projetos, de maneira que quando se concretizam parecem muito espontâneos. E foi assim que aconteceu quando eu saí montada no carnaval de Brasília em 2016, num bloco chamado Virgens da Asa Norte, e naquela troça carnavalesca pude perceber mais uma vez o potencial  da  drag queen  como ferramenta pedagógica de comunicação, arte e militância social. A partir dali decidi com outra amiga a fazer uma oficina de iniciação drag queen com Mary Gambiarra e Dita Maldita, duas drags com forte inserção na cena cultural LGBTI da cidade.  Dois desafios se fizeram presentes nesse percurso, o primeiro foi para que as pessoas em geral pudessem entender que o que fazemos é arte, mas não qualquer tipo de arte. Uma arte capaz de emocionar, mas também de transformar pessoas e reinventar o mundo. E o outro desafio foi fazer com que as manas que já estavam no rolê entendessem que não vim fazer arte drag queen para promover disputas ou competição, vim para me somar, por acreditar na construção coletiva da arte e de seu papel para nossa comunidade LGBTI.

Como você conseguiu superar os obstáculos? Como a arte ajudou?

A principal forma de superação dos obstáculos é ter presente que não estamos sozinhas. Há muitas pessoas que, assim como nós, romperam os armários que nos privavam de viver e amar. Por isso é importante quando pensarmos em dificuldades olharmos para as histórias de ícones como Madame Satã, Miss Biá, Vera Verão, Silvetty Montilla, Marcia Pantera e tantas outras que ousaram em seu tempo histórico a quebrar paradigmas a partir da arte transformista. Olho tudo isso e tiro lições e a cada dificuldade que aparece encaro como um momento de aprendizado para qualificar a minha atuação como drag queen.

Como surgiu a ideia de um fundo de apoio aos artistas LGBT?

Nós temos um coletivo de artistas transformista aqui em Brasília chamado Distrito Drag, que visa organizar as drag queens para potencializar a cena cultural LGBTI+ e também realizar ações voltadas para benefício da própria comunidade. Dois projetos são a força do nosso coletivo, o calendário drag queen e o bloco das montadas. Dada a referência que criamos em Brasília, decidimos ajudar aquelas manas estão passando perrengues nesse período de pandemia do Coronavírus, onde a agenda cultural e os trampos foram cancelados, mas os boletos não.  As pessoas podem ajudar pelo link da vaquinha (clique AQUI) e contribuir com qualquer valor, pois mais que o valor, o importante é participar dessa corrente de solidariedade e ajudar nossas manas artistas que precisam de nós nesse momento delicado.

Decidimos ajudar aquelas manas estão passando perrengues nesse período de pandemia (Foto: André Gagliado

Ainda temos muito a fazer para conquistar uma sociedade mais tolerante? O que podemos fazer?

Sim. Esse é um longo caminho e é preciso que possamos dar passos mais firmes em direção a isso e certamente o que fazemos hoje será fruto a ser colhido pelas gerações que estão por vir. Já pensou, que babado e que incrível sabermos que somos agentes da mudança, que não nos limitamos a pensar só no presente, mas também nas LGBTI+ que ainda nem nasceram. Por isso é urgente seguirmos combatendo o patriarcado, o racismo e a LGBTfobia e colocando novos tijolos na construção de um mundo melhor onde não haja exploração, preconceito e dominação.

As pessoas podem ajudar pelo link da vaquinha e contribuir com qualquer valor, pois mais que o valor, o importante é participar dessa corrente de solidariedade e ajudar nossas manas artistas.

Qual seu sonho?

Gosto de sonhar grande para que eu possa diariamente me alimentar dele enquanto aos poucos, entre uma montação e outra, vou realizando. Portanto, sonho com um mundo novo onde todes sejam livres para sonhar e fazer realidade seus sonhos. Onde nossa existência não seja vista como castigo, crime ou doença. Pois o mais importante é não se dobrar às barreiras que querem nos limitar o direito ao amor e à vida. E como já dizia Fernando Pessoa, “o amor é o mais importante, o sexo um acidente, pode ser igual, pode ser diferente”.

Instagram @ruthvenceremos

1 Comments
  1. Alessandra

    06/04/2020 14:16

    Linda D+!!!!

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