O fim oficial da famigerada cura gay no Brasil e como foi ter passado por essa terapia

É em meio a uma das mais graves crises sanitárias da História da humanidade que o Supremo Tribunal federal (STF) precisou gastar seu tempo neste mês para decidir o que todos nós sabemos: não existe uma cura para a homossexualidade. E nem nunca existirá uma cura para algo que nunca foi, não é e nem nunca será uma doença, mas sim amor.

Uma questão que se arrastava por anos e anos com liminares judiciais, protestos e denúncias (quem não se lembra da famosa psicóloga cristã Marisa?) ganhou palavra final. Seguindo o que já dizia o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o STF decidiu que a famigerada e inventada cura gay não existe e nem pode existir.

Profissionais psi têm todo o direito de terem suas crenças, religiões e ideologias, mas elas não podem interferir no tratamento psicológico das pessoas. São os profissionais que não entendem isso que pediram que a cura gay, intitulada de terapia de reversão sexual, fosse liberada.

Decisão da ministra agora é palavra final

Entenda:

O Supremo determinou o arquivamento da ação popular movida por um grupo de psicólogos que pedia a liberação da prática de terapias de reversão sexual em todo o Brasil. Dessa forma, a corte garante a aplicação da resolução nº 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe o oferecimento de qualquer tipo de prática terapêutica que considere a homossexualidade como um “desvio”.

A decisão, assinada ainda em dezembro de 2019 pela ministra Cármem Lúcia, foi publicada no dia 20. A partir de agora, a resolução do CFP, que proíbe a prática desde 1999, é validada de forma integral.

Primeira pessoa

Lá pelos idos de 2009, 2010, esta questão ganhou um vulto tão grande que dominou a mídia. Eu era repórter na extinta Revista Junior, e lá fui eu me submeter a essa terapia que prometia fazer um gay virar hétero. Obviamente eu já sabia a resposta, fui pelo Jornalismo – e pela oportunidade de fazer uma das matérias mais legais da minha vida.

Eu entrei em contato com um grupo aqui de São Paulo que oferecia a tal cura gay. Meu primeiro encontro foi em Alphaville, em uma sala sóbria, sem cartaz nenhum, sem identificação alguma. Lá, fui recebido por um psicólogo/pastor e seu pupilo, já me adiantando que a tal terapia tinha um forte, senão total, cunho religioso. No primeiro encontro eles me perguntaram sobre minha vida, queriam saber quem eu era e de onde vinha, natural.

Tirando a parte de que eu sabia que não seria curado e que eu amo ser gay, contei a verdade com relação à família e tudo mais para não ser pego em contradição – a matéria em primeiro lugar. Então eu, em nome do Jornalismo e em nome de todo mundo que se perguntava se essa terapia existia porque sofre por ser LGBT, eu inventei que não gostava de ser homossexual, que queria reprimir esse desejo louco por um boy maravilhoso ui que delícia sou louca!!!

Lá, fui recebido por um psicólogo/pastor e seu pupilo, já me adiantando que a tal terapia tinha um forte, senão total, cunho religioso.

Foi mais desgastante manter esse falso desejo de cura do que ouvir as orientações do psicólogo/pastor e seu pupilo. Porque eu sempre fui gay e eu nunca me envergonhei disso, eu nunca procuraria uma terapia desse tipo. Bicha sim, com orgulho.

Mas em nome do Jornalismo mantive o personagem e ouvi que a tal terapia consistia em passos, um programa a ser seguido. Eu vou poupar você das coisas estapafúrdias que esses passos ditavam, mas eu resumo assim: controle seu desejo pela pessoa do mesmo sexo, case com uma pessoa do sexo oposto e tenha filhos – sempre sob a égide da igreja.

A igreja em questão era a Sara Nossa Terra, e foi na sede deles na Rua Augusta, uma das mais diversas da já diversa São Paulo, que eu tive o segundo encontro dessa nefasta terapia. De novo o psicólogo/pastor e seu pupilo me questionaram. Eu mantive a pose de bicha que quer ser hétero (sorry, Santa Cher, foi necessário).

Ambos admitiram que a tal terapia para virar hétero não havia extinguido neles o desejo por homens, mas que eles tinham aprendido a se “controlar”.

Não apenas mantive como os convenci e usei métodos de entrevista para saber também deles. Os dois eram “ex-gays” (risos, risos, risos) e todos os dias, segundo eles mesmos me contaram, todos os dias tinham que controlar seu desejo por outro homem. Ou seja, ambos admitiram que a tal terapia para virar hétero não havia extinguido neles o desejo por homens, mas que eles tinham aprendido a se “controlar”.

Resumindo: eles prometiam uma cura que, mesmo quando dava certo, não dava certo. Eu não consegui ir a mais nenhum dos encontros porque realmente começou a me fazer muito mal ouvir as coisas que eu ouvi, mesmo vindo de duas bichas enrustidas em nome de um Jesus que só condena, diferente do que eu aprendi.

Quando o tal pastor não se aguentou e deu em cima de mim, descaradamente, eu percebi que já tinha minha matéria. Certeza de que não há o que ser curado eu já tinha, continuo tendo. Quem precisa de terapia nessa história mesmo?