Bettynna Beautty se inspira nas divas clássicas para lutar por uma sociedade com mais respeito e igualdade

Bettynna Beautty é uma diva clássica de 39 anos que mora em Florianópolis e usou a determinação característica de seu signo de Áries para hastear a bandeira da classe, da sofisticação e da atemporalidade na cena drag da Ilha da Magia. É carinhosamente conhecida como a tia das drags, sempre elegante, ou melhor, como diriam os clássicos, muito alinhada.

Ela emergiu na vida de seu criador, Rafael, quando ele teve pela primeira vez coragem de se montar. Aproveitou a movimentação do Carnaval e fez nascer sua diva que, hoje, é quem traz alegria para sua vida. Ela é a superação de padrões tanto do mundo drag dominado pelas mais novas quanto da vida de Rafael.

Na entrevista a seguir ele conta que “um dos maiores desafios para um gay, gordinho, que saiu do armário tarde é o preconceito das novinhas padrão”. Mas não se deixou abater, fez a make, caprichou na montação e hoje conquista os corações de todes na noite de Florianópolis, das mais novinhas Ariana Grande Team às mais experientes Rogéria/Jorge Lafond Team.

Como você tem enxergado a realidade dos LGBTs na sua cidade?

Aqui em Florianópolis os casos de intolerância são disfarçados. Não há casos de assassinatos diários ou agressões verbais ou físicas corriqueiras, mas os LGBTs de Florianópolis vivem um preconceito velado disfarçado de “Cidade Gay Friendly”. Não é nada disso não! Somos o Estado que deu mais voz ao Bolsonaro nas urnas em 2018!!! Mais de 70% da população de Santa Catarina votaram nesse monstro! E essa chancela carregaremos para sempre! Vivemos “tranquilos”, mas sempre com medo, pois as pessoas que se revelam contra um LGBT aqui são mais silenciosas e sorrateiras (entenda o bote da cobra como referência).

É difícil manter-se são e sereno diante de um governo genocida, mas isso me fortalece em busca da proteção de todos aqueles que eu conseguir atingir com minha fala, escrita ou imagem! Isso me mantém útil e me mantém ativa! Em prol da vida!

Como você acha que isso pode mudar?

É um trabalho bem de formiguinha mesmo! Pesado, longo e demorado e muito provavelmente, e tenho consciência disso, não colherei os frutos disso, mas a próxima geração quem sabe colha algo que se assemelhe a um pouco mais de respeito. Até existem muitas políticas públicas que visam proteger o LGBT, porém aqui a cultura machista, elitista, patriarcal, sexista e misógina faz com que não só os LGBTs, mas também mulheres sofram com isso. É um preconceito silencioso e muito dolorido. Você tem medo de ser você por medo dos outros! É um paradoxo! Seguimos militando e tentando mudar isso na cabeça de pais, professores, membros da sociedade, pensadores, artistas e porque não, líderes até religiosos, e todos os demais tipos de ativistas sociais que possam nos ajudar na desconstrução desse padrão de sociedade e construção de uma nova visão pluralizada, onde as pessoas não tenham medo de serem mortas por usar uma roupa com um arco-íris estampado ou duas mulheres andarem de mãos dadas.

Há quanto tempo você começou a perceber que precisava se transformar e ser quem você sentia que era?

A Bettynna chegou em um momento crucial da minha vida. Dos meus 39 anos de vida, 30 eu vivi como um Rafael que se esconderia dentro do armário… isso mesmo! 30 anos! Então há apenas 9 anos é que tive a coragem de dar meu grito de liberdade e me desvencilhar. Desses 9 anos 8 foram com a Bettynna… Cerca de 1 anos após sair do armário eu não em soltava, estava travado e tinha medo ainda. Então pensei: no Carnaval vou me montar e Fo… a sociedade! E assim o fiz no dia 18/02/2012! Os amigos me abraçavam como se ali vissem uma nova pessoa, um novo ser! Entendi que ali eles me abraçavam pelo meu renascimento. De lá para cá muita coisa mudou! A Bettynna realmente é um personagem e o Rafael dá vida a ela, porém a Bettynna enche a vida do Rafael de vida! É doido né? Mas é assim que eu vejo! É assim que acontece comigo! Esse processo de aflorar que você se refere, é contínuo e existirá sempre! Sempre aprendendo.

Para um artista, o isolamento é tirar o ar que ele respira. É o mesmo que não ter plateia para o aplauso.

Quais os maiores desafios que você enfrentou? Como superar os obstáculos que podem surgir nessa busca?

Um dos maiores desafios para um gay, gordinho, que saiu do armário tarde é o preconceito das novinhas padrão!  Ainda mais fazendo uma drag que começou “senhorinha”, looks clássicos e referências a artistas como Silvetty Montilla, Nany People, Hebe Camargo, Rogéria, Jorge Lafond… e tantos outros artistas que não são da cena atual. No início as drags não gostavam de mim! Me viam como se fosse algo que não estava estabelecido ao padrões de beleza delas ou que elas mesmas sucumbiam e tentavam a todo custo seguir e perpetuar. Aí eu penso: o que seria da cena drag se todo mundo gostasse de apenas uma drag? Seria horrível! Tantas artistas espalhadas pelo País e a cada dia que passa me surpreendo com essa diversidade que não acaba!!! Mas eu era o novo! O diferente! A única! A primeira! Isso causa um pouco de inveja nas pessoas e um pouco de despeito por não terem pensando como pensei. A partir daí comecei a ser contratada para alguns eventos e não pagava para entrar nas principais festas e casas noturnas da cidade. Sempre reconhecida… recebendo o carinho das pessoas que viam em mim as referências de outrora que eu trazia. Se identificavam, gostavam por eu ser diferente. Pronto! Conquistei meu público e com isso as próprias pessoas, e até algumas drags locais, tiveram que ceder e realmente reconhecer que nada mais faço do que um trabalho como o delas de uma maneira diferente! A minha maneira! A maneira que eu criei! A minha drag, a minha história, a minha personagem, a minha arte! Agora me chamam de tia, titia… e eu adoro tudo isso! Essa desconstrução… é um processo orgânico, mas o resultado é sempre satisfatório.

Não me tornei uma drag clássica com o tempo, nasci assim! Então os clássicos não morrem e são eles que sempre datam alicerce para qualquer tipo de arte. Clássico é a base!

Você acha que bons exemplos podem inspirar outras pessoas a serem mais felizes?

Não só acho! Tenho certeza de que bons exemplo só inspiram! Acredito no poder da palavra e do pensamento e se pensamos, querendo e falamos que queremos ser felizes, acreditando nisso, não há dúvida que se você crer e se empenhar, terá mais chances de obter êxito do que outra pessoa! E isso te faz especial, pois munida dessa positividade você contaminará todas as pessoas que se motivaram também! Veja na política. Antes do Bolsonaro tínhamos uma população que não conhecíamos, que eram os eleitores que se sentiam representadas nas falas daquele homem! Hoje temos outra visão de sociedade de como maus exemplos também nos fazem ver quem é quem no “baba” (como diz Tia Má). Ódio vai sempre gerar mais ódio! Porém o amor sempre vencerá com mais amor! É sofrido, mas o que podemos fazer é lutar pelos menos favorecidos e levar ao máximo o nosso amor e paz a todos aqueles que não compreendem que todas as vidas importam! Deixem-nos em paz, felizes e respeitem nossa diversidade! Não é preciso aceitar, mas tem obrigação, por lei inclusive, de me respeitar! Então respeite!!!

É um preconceito silencioso e muito dolorido. Você tem medo de ser você por medo dos outros!

Como tem sido esse período de isolamento para você? O que você tem feito para manter a saúde mental?

Não tem sido fácil. Como Rafael, trabalho em home office, o que já se torna bem complicado, pois trabalho e viajo a trabalho. Agora para um artista, o isolamento é tirar o ar que ele respira. É o mesmo que não ter plateia para o aplauso. Então busco me integrar da maneira digital, com lives, stories, as pessoas me mandam direct e assim vamos levando. Aprimoro algumas técnicas de maquiagem, leituras sobre o tema drag e as temáticas que envolvem os LGBTs. É difícil manter a saúde mental com tantas mortes e o governo falando em CNPJ na UTI. É difícil manter-se são e sereno diante de um governo genocida, mas isso me fortalece em busca da proteção de todos aqueles que eu conseguir atingir com minha fala, escrita ou imagem! Isso me mantém útil e me mantém ativa! Em prol da vida!

É sofrido, mas o que podemos fazer é lutar pelos menos favorecidos e levar ao máximo o nosso amor e paz a todos aqueles que não compreendem que todas as vidas importam!

De onde vem essa levada mais clássica que você usa nos seus looks? Os clássicos nunca morrem?

O interesse em ter essa levada mais clássica nos figurinos, maquiagens e cabelos veio do processo de criação da Bettynna. Eu (Rafael) olhava as outras drags e sempre vi algo um pouco meio que parecidas umas com as outras, com poucos detalhes que as diferenciassem. Então pensei: já tenho 31 anos, elas têm 20…19…algumas até menores, vou ser a titia dessas drags! E assim foi! Falta isso… nunca me coloquei como referência, mas creio que levo essa cultura da drag de alta costura, brilho, paetês, pedrarias, joias, fazendo com que elas também possam usar looks assim, bem como eu possa usar uma mini saia mais provocante, enfim. Sou a prova que os clássicos não morrem! Digo que nasci velha! Velha no sentido de clássico! Não me tornei uma drag clássica com o tempo, nasci assim! Então os clássicos não morrem e são eles que sempre datam alicerce para qualquer tipo de arte. Clássico é a base!

O respeito é a base te tudo o que conhecemos.

Ainda temos muito a fazer para conquistar uma sociedade mais tolerante?

Estamos a anos luz de uma sociedade tolerante, principalmente pelo retrocesso que vemos progredir vertiginosamente com a política que está aí! A título de exemplo, eu estou perplexa com o discurso de Regina Duarte em uma entrevista sobre a ditadura e todas as mortes que ocorreram, tortura, censura … e por aí vai. Agora te pergunto: como uma mulher que sofreu com tudo isso, fez Malu Mulher na TV e tantas outras personagens incríveis, faz pouco da morte das pessoas e dos sentimentos dos seus? Como isso acontece com uma pessoa dessas em 2020???? Então Hélio, eu penso que no processo de uma sociedade mais tolerante o que vejo é que damos 3 passos à frente, depois 2 passos para trás, em seguida 1 passo à frente… e segue assim… leva-se 10, 20 anos para termos resultados efetivos de 2, 4, é lento, doloroso e mortal!  Intolerância mata mais que qualquer praga e digo, não só a intolerância LGBT, globalizo esse termo, a intolerância, para as religiões, etnias de matriz africana, intolerância contra mulher, índios, enfim. Eu falo o seguinte e me orgulho dessa fala:

Se não apenas hoje, mas desde o início de todo o processo democrático de nossa sociedade ele fosse alicerçado no respeito verdadeiro entre as pessoas, com as pessoas e para as pessoas, jamais teríamos esse governo que aí está, jamais veríamos LGBTs morrendo, jamais teríamos um racismo tão latente e vivo em pleno 2020! O respeito é a base te tudo o que conhecemos.

Seguimos fortes. Seguimos emanando amor e close certo brilhando muito e iluminando a todos com esse brilho. Luz será sempre luz!

Qual seu sonho?

Que a luta, a vontade de querer, as vidas que foram ceifadas, não tenham sido em vão para que tenhamos uma sociedade humana de RESPEITO! Se o mundo parar e ver que o que falta é apenas respeitar tudo que está a sua volta, ele entenderá que o que faz de errado é desrespeito e conseguirá se corrigir. Porém, se continuarmos agindo desrespeitosamente para com todos e a nossa casa, o prognóstico é desolador, mas eu acredito que Deus fez o ser humano completo e complexo, cheio de defeitos, mas com muitas e mais virtudes. Penso que essa equação de mais virtudes que defeitos tenderá a nos favorecer. Seguimos fortes. Seguimos emanando amor e close certo brilhando muito e iluminando a todos com esse brilho. Luz será sempre luz!

Instagram @bettynnabeautty