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DO COMEÇO

Por Leona Rodrigues*

Chega a ser homérico tentar contar a história e vida de uma transexual/travesti quando pensamos em quando e como tudo começa. Você, leitor, dentro de sua conformidade e talvez de um desconhecimento destas vidas alheias à sua, não entenda o quanto dessas histórias precisa ser revelado, o tanto de desilusões e desafios que, assim como você, nós população transvestigênere enfrentamos todos os dias.

Mas por onde começar? Será que existe um antes e depois da vida de uma pessoa trans?

Aos 7 anos, mesmo que inconsciente, já me fazia todo esse questionamento. Sem obter respostas e, decidida a ser aquilo que eu era (ou imaginava ser), comecei a usar roupas e acessórios de minha mãe… a satisfação de uma criança que descobre que aquele mundo, dito feminino, faz parte e de certa forma é o seu próprio mundo, encorajou lá na frente, aos 24 anos, um menino, que já era menina, a contar a sua verdade e se olhar no espelho da vida pela primeira vez. Talvez o ato rebelde e inocente de se vestir, de encenar uma vida que não era sua, fosse o começo para a mulher que hoje escreve essa coluna.

Talvez o ato rebelde e inocente de se vestir, de encenar uma vida que não era sua, fosse o começo para a mulher que hoje escreve essa coluna

Quando, aos 23 anos, a melhor amiga que também tinha esse anseio e partilhava dessa visão, te convidou, te persuadiu a se “montar”, você já entendia e sentia que aquele era o seu momento, a sua hora de brilhar e partilhar de experiências que até para você eram novas. O primeiro vestido, comprado em uma loja de departamento, às 21h, brilhante, tomara que caia com brilho e bem justo ao corpo, juntamente com aquela sandália Anabela (sua favorita desde sempre), e as maquiagens que, a princípio eram exageradas, vibrantes, caracterizadas pelas cores que você sempre gostou e nunca pode usar, esses detalhes, tornaram a menina-mulher feliz, especial, aceita dentro do seu próprio mundo.

Você, leitor, dentro de sua conformidade e talvez de um desconhecimento destas vidas alheias à sua, não entenda o quanto dessas histórias precisa ser revelado.

Estamos falando de uma noite, de um momento e tempo que ainda podemos lembrar com alegria, com êxtase, e tenho a certeza de que provavelmente todos nos identificaremos, pois assim começou uma vida, assim a Leona nasceu. É possível nascer duas vezes? Sim! E nós somos a resposta para essa pergunta.

Algo místico, incrível e libertador acontece quando entendemos nossa identidade e abrimos nossos corações. Xiva, ou Ardhanaríshvara representa a união cósmica entre o princípio masculino e o feminino, segundo a tradição hinduísta. Há algo de divino, e talvez profano, em nossas existências. E isso é muito bom.

Diariamente muitas pessoas, meninos e meninas, de diversas idades, me procuram com questões que para muitos nunca terão sentido algum:

  • Sou uma menina trans, mas não tenho coragem de me assumir para minha família, o que eu faço?
  • Sou homem trans e não sei se minha namorada vai aceitar minha transição, será que eu desisto?
  • Tenho 43 anos e sou velha demais para fazer transição, mas não consigo mais viver assim, o que fazer?
Esses detalhes tornaram a menina-mulher feliz, especial, aceita dentro do seu próprio mundo

Por vezes, não consigo responder, dói meu coração de pensar que existem ainda pessoas dentro de uma vida, de uma situação, com a qual não se pode ser feliz. Mas sei também que uma frase, dita de forma corriqueira e que exprime muito significado, pode ajudar essas pessoas:

“O Tempo é o senhor da razão.”

Algo místico, incrível e libertador acontece quando entendemos nossa identidade e abrimos nossos corações.

Nós chamamos toda essa experiência, todo esse turbilhão de ideias, sensações e descobertas de TRANSIÇÃO, um caminho para seguir, sem rumo definido, mas com metas muito claras. Às vezes, ou quase sempre como no meu caso, muitos acontecimentos nos tiram do eixo, nos fazem duvidar dessa existência feminina ou masculina e, para quem não tem um ombro amigo, uma palavra de acalento, um afago da vida, a escuridão e a solidão chegam. Por isso faço um apelo, conheçam pessoas trans, estimulem nossas amizades, fortaleçam nossas vivências e nossos trabalhos. Acreditem, vidas trans REALMENTE importam.

*Leona Rodrigues é trans-ativista, professora, criadora do canal Leona T e do projeto #nossahistoriatrans

Redação

Redação Ezatamentchy

1 Comments
  1. Celso Junior

    08/09/2020 18:07

    Perfeita 💕

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