Nesta semana, eu, Leona, a colunista favorita de vocês (rsrs) faço 35 anos e saio da estatística! 35 anos é a estimativa média de vida de uma pessoa trans/travesti no Brasil. Sim, não é brincadeira ou um dado fantasioso
Por Leona Rodrigues*
Só para constar: estes dados são fornecidos todos os anos pela ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Esse pode ser um dado novo e chocante para vocês, mas para nós, é a constatação de como a nossa vida pouco vale e de como é perene ainda o respeito para a população transvestigênere. A Antra emite boletins durante todo o ano sobre esse extermínio de nossas vidas e corpos e vou citar aqui o último para vocês terem a dimensão exata do problema que não é só nosso, é de vocês também:
O Brasil chega a 129 assassinatos de pessoas trans nos oito primeiros meses de 2020, com aumento de 70% em relação ao mesmo período do ano passado, e com mais assassinatos que em 2019 inteiro quando nesse último ano foram registrados 124 assassinatos. Os assassinatos de pessoas trans apresentam o quarto aumento consecutivo em 2020, muito pela falta de ações do Estado que segue ignorando esses índices e não implementou nenhuma medida de proteção junto à população LGBTI+, mesmo depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a LGBTIfobia como uma forma do crime de racismo. Até o dia 31/08/2020, todas as 129 pessoas assassinadas expressavam o gênero feminino, sejam travestis ou mulheres trans. Nos chamando atenção para recorrentes casos onde o ódio à identidade de gênero se faz presente, nos trazendo reflexões sobre o gênero como fator relacionado a essa violência, e um onda de assassinatos no Ceará aconteceu nos últimos dois meses analisados – Julho e agosto/2020. Notamos aumento em todos os cenários analisados, seja em períodos bimestrais ou semestral, comparado ao mesmo período de 2019. No primeiro bimestre o aumento foi de 90%, no segundo 48% e o terceiro apresentou aumento de 39% conforme publicado nos boletins anteriores. Chegando a 70% de aumento no número de casos em relação ao período de JUL e AGO/2019.
Outro dado interessante é o da distribuição desses casos e, pasmem, o Estado de São Paulo lidera:
ESTADOS COM MAIS CASOS Os cinco Estados com mais mortes de pessoas trans entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2020 são: SP com 19 casos, BA e MG com 16 cada, Ceará com 15 e RJ com 7 assassinatos. Esses mesmos Estados figuram entre os Estados que mais assassinam pessoas trans desde 2017, quando iniciamos este levantamento.
Ao confrontar estas estatísticas, percebemos o quanto somos realmente marginalizadas, esquecidas e o quanto a sociedade precisa melhorar. Na pandemia estamos todos muito vulneráveis, mas o aumento dessa taxa só mostra a realidade de nossas vidas.
Por vezes sinto-me privilegiada por chegar a essa idade, ter uma formação universitária, ter amigos e ser aceita e respeitada por minha família. Não podemos nunca deixar de lutar para que todes possam ter estes mesmos direitos e acesso a uma vida digna e justa.
O maior paradoxo destes dados é saber que, o Brasil também é recordista de procura por pornografia transexual. Como sempre, nossos corpos são sexualizados e submetidos e fetiches ao longo da história, e mesmo países ditos desenvolvidos, tornam a pornografia trans um mercado grande e lucrativo.
Repensando nesses 35 anos de existência, posso dizer que sou uma sobrevivente, sou a imagem e herança daquelas que lutaram e lutam desde o começo da civilização para fugir dessa estimativa e para mostrar que de fato #vidastransimportam.
*Leona Rodrigues é trans-ativista, professora, criadora do canal Leona T e do projeto #nossahistoriatrans