Liderança indígena jovem, Fêtxawewe Tapuya Guajajara cobra um movimento LGBT que realmente olhe para a realidade brasileira
A cartilha LGBT ensina que o movimento organizado começou em Stonewall, Nova York, há 51 anos. Mas basta uma pesquisa fora desta cartilha para descobrir que no Brasil já havia casos de homofobia e respostas a ele muito antes disso, no ano de 1614 – quando o missionário francês Yves d’Évreux (1577-1632), da Ordem dos Capuchinhos, ordenou a prisão, tortura e execução do índio Tibira, da tribo dos tupinambás.
O pretexto foi o de “purificar a terra do abominável pecado da sodomia”. Tibira morreu, mas protestando contra uma dominação que, mais de 400 anos depois, continua.
É justamente contra esta dominação branca-europeia-católica que não cabe, nem nunca coube, nas terras batizadas de Brasil que os indígenas LGBT de hoje em dia lutam. Uma das figuras mais proeminentes é o jovem Fêtxawewe Tapuya Guajajara, atualmente morando na aldeia Fulni-ô, ao lado do município de Águas Belas, em Pernambuco.
Responsável por iniciativas como o Santuário dos Pajés e graduando em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UNB), Fêtxawewe é ativista LGBT, ambiental e da causa indígena em um país que desmata suas florestas, ignora sua História antes de 22 de abril de 1500 e sustenta o título de campeão mundial de assassinatos de LGBT.
Se apenas estiver um único indígena vivo protegendo uma única mudinha de planta, a luta e história ancestral estará viva até esse último indígena partir e essa mudinha morrer.
É contra este cenário e inserido neste cenário que ele clama por um movimento LGBT realmente nacional, que deixe de lado tendências do Hemisfério Norte para olhar definitivamente para os brasileiros, brasileiras e brasileires. Uma construção que passa pelo fim do folclore em torno da figura das pessoas indígenas. Um bom exemplo é que “índio” não existe, indígena sim.
Na entrevista a seguir, Fêtxawewe revela as dificuldades de sofrer duplamente o preconceito, inclusive de quem também é vítima dele:
Você mora onde? Como é a realidade LGBT na sua cidade?
Atualmente estou morando na aldeia Fulni-ô que faço parte (fica ao lado do município de Águas Belas – PE). A realidade das pessoas e corpos LGBT+ aqui é bem complicada por parte da aceitação e da convivência com as outras pessoas dentro da comunidade. Acredito que tem muita coisa que pode ser mudada e melhorada ao assunto indígena LGBT+, principalmente aqui na comunidade. Pode ser criado um momento para explicar melhor o que seria uma pessoa LGBT e que não somos nenhum bicho-de-sete-cabeças. Entre outras ações, assuntos como por exemplo prevenção para as ISTs.
Tem uma visão que os indígenas são exatamente iguais àqueles dos livros de História ou que no dia do “índio” (19 de abril) é legal colocar cocar nas crianças e falar como se não existissem mais indígenas. Isso faz com que a gente se torne apenas história.
Quando você percebeu que a questão indígena LGBT precisava ser melhor discutida?
Quando procurei e não achei uma representatividade e até mesmo quando o movimento LGBT+ da cidade não representava/representa os LGBT+ indígenas que estão na cidade ou na aldeia. Com tudo isso eu comecei a ver a necessidade de debater sobre esse assunto e tudo que está em volta dele.
O que você diria para as pessoas que também estão buscando sua própria verdade e enfrentam desafios? Como manter viva a luta indígena em um país que parece querer apagar seu passado?
Bom, eu sempre falo que todo obstáculo que vem pela frente é sempre um teste para mostrar o quanto somos fortes e resistentes. Então assim sendo eu digo que é sempre bom ir no seu próprio tempo respeitando os seus limites e caminho. Se apenas estiver um único indígena vivo protegendo uma única mudinha de planta, a luta e história ancestral estará viva até esse último indígena partir e essa mudinha morrer. A nossa luta e resistência indígena está viva em cada nova vida indígena que nasce e em cada planta que brota, então mantemos nossa resistência e luta viva pela sobrevivência. Mesmo com tantos atos querendo por um fim nas nossas histórias e nas nossas vidas.
Quais iniciativas você tem desenvolvido como liderança para isso mudar?
Enquanto liderança jovem estou criando esse diálogo e mostrando que estamos mais vivos que antes e que a juventude está vindo, ocupando os lugares onde não se via indígenas e reocupando os nossos espaços que nos foram tirando, seja por meio de ações diretas, textos, lives em redes sociais, palestras etc.
LGBTs indígenas enfrentam um duplo preconceito?
Até mais que um duplo, vejo como um grande conjunto de preconceitos que vem desse olhar colonizador que ainda quer ver o corpo indígena, mente e desejo como algo que não pode interagir com a diversidade e sim viver nesse padrão binário e colonizador de sexualidade. Então sim, o indígena sofre por ser LGBT, ser mulher, ser nordestino, se tem o tom da pele mais escura ou mais clara.
Ainda existe uma visão folclórica dos povos indígenas? Como mudar isso?
Sim, ainda se tem uma grande visão folclorizada dos povos indígenas sobre as nossas tradições e línguas, vem muito dessa visão enraizada do indígena de 1500 que estava pelado e era selvagem. Hoje em dia se tem uma visão que os indígenas são exatamente iguais àqueles dos livros de História ou que no dia do “índio” (19 de abril) é legal colocar cocar nas crianças e falar como se não existissem mais indígenas. Isso faz com que a gente se torne apenas história. Acredito que pode ser mudado dando espaços a nós indígenas falamos sobre nossas próprias vivências por nós mesmos, e não terceiros. Indo aos locais onde isso acontece, mostrando que somos pessoas “normais” e que não estamos apenas nos livros como uma lenda ou selvagens sanguinários.
A nossa luta e resistência indígena está viva em cada nova vida indígena que nasce e em cada planta que brota, então mantemos nossa resistência e luta viva pela sobrevivência. Mesmo com tantos atos querendo por um fim nas nossas histórias e nas nossas vidas.
O Brasil tem uma dívida com os indígenas?
Com certeza essa poderia ser apenas uma pergunta retórica, mas sim, o Brasil tem uma grande dívida histórica com os indígenas que não pode se pagar com dinheiro ou bens materiais. Mas um bom começo seria respeitando os nossos direitos, demarcando nossas terras e deixando a gente viver e não mais lutar pela sobrevivência.
E o movimento LGBT, construído com bases norte-americanas e europeias, tem dado conta das questões dos indígenas LGBT? Como mudar este cenário?
Não tem dando conta até porque não somos incluídos nas pautas e debates. Quando se tem, nós indígenas LGBT somos apagados desse movimento friamente, eu sinceramente não me sinto nem um pouco contemplado com muitas coisas do movimento, até porque não chega até a gente nas aldeias e nas margens aonde fomos colocados. Parece que as pessoas que estão a frente não sabem do primeiro caso documentado de homofobia, que foi feito contra um indígena do povo tupinambá nas praias maranhenses. Ele foi colocado em um canhão e explodido, o seu nome é Tibira, esse é um fato que o movimento não reconhece. Acredito que isso pode ser mudado se começarem a ouvir os indígenas que são LGBT para começarem a entender como podemos ajudar e quais são nossas pautas e reivindicações.
Ainda se tem uma grande visão folclorizada dos povos indígenas sobre as nossas tradições e línguas, vem muito dessa visão enraizada do indígena de 1500 que estava pelado e era selvagem.
Agora me conta seu maior sonho!
O meu sonho é um dia poder viver em um ambiente que posso me respeitar como eu sou enquanto indígena, que eu consiga viver e ser livre, que eu possa amar quem eu quiser sem ter medo e mostrar como o amor é lindo com as suas várias formas de amar.
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