Ricky Mastro lança primeiro longa e dispara: O problema de chemsex é uma epidemia na nossa comunidade

Quem acompanha o Cinema LGBT brasileiro com certeza já ouviu falar ou já assistiu a alguma produção do diretor Ricky Mastro. Um dos mais presentes e produtivos nomes do cinema colorido do Brasil nestes últimos 15 anos, agora ele se lança em mais um desafio e encara a responsabilidade de colocar seu primeiro longa-metragem nas telas: “7 Minutos”.

Longe de fazer um filme fácil, o taurino Ricky aborda a questão do chemsex dentro da comunidade LGBT. Chemsex é aquele sexo feito com muita química, ou seja, com drogas envolvidas. Um tema que é próximo de muitos gays, e no caso do diretor é íntimo e pessoal. Ricky conta à Ezatamag na entrevista a seguir que “7 Minutos” surgiu justamente quando ele perdeu alguns amigos para essa prática.

7 MINUTES TEASER – BRASIL from Ricky Mastro on Vimeo.

“No ‘7 Minutos’ decidi falar sobre GHB e cocaína porque o assunto já tinha virado uma epidemia na minha roda de conhecidos quando perdi no final de 2018 seis amigos em seis semanas”, revela. A tristeza da perda se tornou combustível para um filme que não se furta de mostrar realidades, mesmo que elas não sejam nenhum conto de fadas. O longa é baseado num fato acontecido no Brasil: o aparente suicídio de um casal de amigos do diretor, cujos corpos foram encontrados com sinais de enforcamento em um quarto de hotel.

O filme tem sido muito bem recebido por público e crítica. Você fica tranquilo ou aumenta a responsabilidade de fazer um trabalho cada vez melhor na sua carreira?

Eu sempre penso que quero poder ter mais recursos para o próximo trabalho. Esse filme foi feito com muita garra tanto minha quanto do Léon, produtor do “7 Minutos”. Sempre quero poder fazer um próximo filme com mais meios, cenas mais elaboradas, equipamento melhor e com menos profissionais fazendo diferentes funções. Por exemplo, nesse filme o Léon foi produtor, direção de produção, um dos montadores e até figurante. No próximo, se tudo der certo, ele vai ser co-roteirista e durante as filmagens o meu assistente.

Eu achava que trabalhava muito e me dedicava aos meus curtas, agora eu vejo que faço de uma maneira muito mais intensa. O meu olhar mudou muito.

É seu primeiro longa. Teve muita diferença na hora de fazer além de mais trabalho do que em curtas e médios? Como foi a decisão de encarar um longa?

A diferença é enorme, em todos os sentidos. Planejamento, responsabilidade, pressão e até equilíbrio emocional. Mas, eu amo fazer cinema e quero fazer isso até o último dia da minha vida. Eu estava já escrevendo um outro que se chama “Os Invisíveis”, que conta a história de um grupo de jovens que nasceram com HIV e dividem um apartamento em Santa Cecília, em São Paulo. Aí rolou essa oportunidade de rodar o “7 Minutos.” Escrevi o filme em um ano e comecei os preparativos em outubro de 2017. As filmagens ocorreram em março de 2018 e, pasme, terminei o filme apenas no final de 2019.

O que mudou no diretor Ricky Mastro desde o começo da carreira até “7 Minutos”? O olhar ainda é o mesmo?

Cara, eu acho que eu aprendi fazendo e estudando. Eu achava que trabalhava muito e me dedicava aos meus curtas, agora eu vejo que faço de uma maneira muito mais intensa. O meu olhar mudou muito, foi influenciado pelas minhas experiências, pelos meus amores, frustrações e pelas pessoas que passaram na minha vida.

Kevin e Maxime: mortos pelo chemsex

Fazer um filme com temas fortes é um dos papeis do cineasta? Trazer discussões, cutucar feridas? 

Eu acho que todo cinema é político. Eu decidi desde cedo fazer cinema LGBTQIA+, mas note o meu corpo LGBQTIA+ não é o suficiente para eu simplesmente contar as nossas histórias. Tenho que estudar, dialogar com as pessoas e viver a vida. Nunca escolho o tema, escolho a história e o tema é consequência da história que eu quero contar. Por exemplo, no “7 Minutos” decidi falar sobre GHB e cocaína porque o assunto já tinha virado uma epidemia na minha roda de conhecidos quando perdi no final de 2018 seis amigos em seis semanas.

Como surgiu o enredo de “7 Minutos”?

O problema de chemsex é uma epidemia na nossa comunidade. O maior índice de mortes em nossa comunidade hoje em dia ocorre em decorrência de mortes do abuso de cocaína e GHB. Eu tive um amigo que morreu em um quarto de um hotel em 2014 junto com o namorado. A história do filme mexeu muito comigo porque os pais deles estavam perdidos. De certa maneira eles não conseguiam começar o luto porque eles não conseguiam entender como e por que isso aconteceu. Foi apenas meses mais tarde quando acharam um diário dele que eles aceitaram, a partir de uma narrativa que eles construíram porque o filho morreu. Verdade ou não, construir essa narrativa foi essencial para que eles possam começar a viver.

Jean (Antoine Herbez) é o pai de Maxime e quer saber o que houve com o filho

Em quais dessas feridas você quer tocar com o filme? 

Não sei se são feridas, mas queria falar sobre esse universo da noite, mostrar um pedaço da minha comunidade sem estereótipos ou cacoetes. No filme mostro que a droga é um sintoma que atinge várias gays no mundo inteiro e que às vezes é muito complicado falar porque a nossa sociedade tem muito preconceito; e a droga quando vai para a pista de dança vira quase um evento lúdico que por muitas vezes tem como resultado a morte.

Em quais plataformas dá para assistir? 

O filme no Brasil vai estar disponível durante o Festival For Rainbow que neste ano será online e gratuito através da plataforma YouYube. Para mais informações: https://www.forrainbow.com.br/

Agora o mais importante: qual seu sonho?

Meu sonho é continuar a fazer filmes e contar as histórias da minha comunidade e poder viver até o final da minha vida um grande amor. Pode parecer piegas, mas acho que fazer filme e amar é o que me move.

No filme mostro que a droga é um sintoma que atinge várias gays no mundo inteiro e que às vezes é muito complicado falar porque a nossa sociedade tem muito preconceito.

Sinopse:

O filme se passa em Toulouse e conta a história de Jean, um policial de 55 anos que encontra em um quarto de hotel seu filho, Maxime, e seu namorado, Kevin, enforcados. A autópsia mostra que Maxime foi vítima de uma overdose de GHB 7 minutos depois de Kevin. Na vigília organizada pelos amigos de seu filho, Jean conhece Fabien, promoter do club Bisou. Procurando encontrar mais informações a respeito da morte de Maxime, Jean começa a frequentar as noitadas da boite e rapidamente é adotado pelos Bisouers. Fabien se interessa por Jean que mistura o sentimento de seu luto à vontade de descobrir o universo de seu filho.

Ficha técnica:

7 Minutos (7 Minutes) 2020, França/Itália, 76 min. Dir/Rot: Ricky Mastro. Elenco: Antoine Herbez, Clément Naline, Valentin Malguy, Paul Arvenne, Cedrick Spinassou, Robin Larroque,: Valérie Prudent, Yohan Levy, Sylvain Jouret.