Projeto Cidade Queer levanta discussão de gênero e diversidade no urbanismo. Afinal, a cidade é de todes?
Muitas e diversas são as experiências das pessoas em suas cidades em todas as partes do mundo. Mas qual é a relação dos LGBT com os centros urbanos onde habitam? A cidade e suas vias de acesso são iguais para todes? A Arquitetura é feita de quem para quem? São algumas das perguntas que movem o projeto Cidade Queer, capitaneado por Gabriel Pedrotti no Rio de Janeiro.
A ideia surgiu de uma tese de doutorado em Urbanismo iniciada há dois anos e migrou para as redes sociais, onde o Cidade Queer divulga suas iniciativas, mas também serve como referência para outros conteúdos também construtivos. É uma rede de ideias, inquietude e discussão sobre o pertencimento – ou não – de todes às suas cidades. E o livro “Cidade Queer” está disponível em PDF clicando aqui.
É sabido que o se deslocar pela cidade, um direito básico do cidadão livre, implica em experiências de mobilidade diferente para cada gênero.
“A plataforma tem a vontade de agir como uma ferramenta de troca, de saberes e experiências, onde as pessoas podem conhecer iniciativas nacionais e internacionais dos debates já iniciados nesses assuntos e a partir dele, também divulgar suas experiências e iniciativas nesse sentido”, conta Gabriel na entrevista a seguir:
Como surgiu o projeto?
O Cidade Queer se materializou enquanto página do Instagram em meio a reflexões do mês do Orgulho LGBTQ, em junho de 2020. Representa o amadurecimento de uma ideia nascida em meio à caminhada de desenvolvimento da tese de doutorado em urbanismo, iniciada em 2018. Tem o intuito de aproveitar essa grande exposição e visibilidade que tem essa plataforma da rede social e lá reunir conteúdos relacionados a Espaço, Cidade e Sexualidades dissidentes, dentro de uma discussão de um fazer cidade com uma perspectiva de gênero, uma cidade não heteronormativa. A partir disso, a plataforma tem a vontade de agir como uma ferramenta de troca, de saberes e experiências, onde as pessoas podem conhecer iniciativas nacionais e internacionais dos debates já iniciados nesses assuntos e a partir dele, também divulgar suas experiências e iniciativas nesse sentido.
Por que é importante o diálogo entre urbanismo e gênero?
Sabemos que existem vários atravessamentos quando discutimos o fazer do urbanismo, e uma grande interseccionalidade é experiência de cidade a partir do gênero. A cidade é feita por e para aqueles dominantes, e por isso reflete um modelo de sociedade viriarcal, onde o cidadão ideal é representado pelo homem branco médio. Esse modelo já é ultrapassado desde que surgiu, mas infelizmente são muito difíceis mudanças significativas para aqueles que não se sentem contemplados por esse padrão. É sabido que o se deslocar pela cidade, um direito básico do cidadão livre, implica em experiências de mobilidade diferente para cada gênero. Um exemplo, a mulher vai ter um percurso específico pela cidade que inclui atividades relacionadas ao cuidado, e diferente do deslocamento casa-trabalho, pode colocar na conta a creche, o supermercado, a academia, etc. Coisas que podem não fazer parte da rotina do homem médio. Já a travesti, se ela tiver um.
A cidade é feita por e para aqueles dominantes, e por isso reflete um modelo de sociedade viriarcal, onde o cidadão ideal é representado pelo homem branco médio.
Quais questões podem ser discutidas com esta perspectiva?
São algumas. Na página busco levantar as temáticas que estão sob guarda-chuva do Direito à Cidade, onde fica evidente o questionamento de quem produz a cidade e para quem é produzida. Busco dar visibilidade para outras iniciativas que questionam a produção de cidade sob a perspectiva de gênero, como coletivos de diversos países que pensam o papel e lugar da mulher na experiência de cidade, por exemplo. Mas também pode-se incluir aqui as diferentes territorialidades quando LGBT usam o espaço da cidade, como se conformam as áreas onde são aceitos a manifestarem sua sexualidade livremente? A Praia de Ipanema do Rio de Janeiro é tida como território gay. Mas é para todo mundo? Quem tem mais facilidade de trânsito nesses espaços? São alguns dos questionamentos…
Alguns dos lugares com abertura para LGBTs são muito elitizados e não refletem o amplo escopo de pessoas que fazem parte da sigla, porque simplesmente não conseguem acessar aqueles espaços.
Qual contribuição o projeto espera dar para o movimento LGBT?
A página tem um grande público de seguidores sob o perfil de estudantes de Arquitetura. Durante a faculdade, dificilmente vamos ver esse espaço de debate, e quando existente, nunca é levantado por parte do corpo docente, sempre muito enrijecido. Entre as contribuições está o fato de rechear a rede de bons exemplos, de gente que faz arquitetura e cidade, de gente que questiona tudo isso. Visibilidade e representatividade é sim importante, precisamos construir uma ideia de que é possível. É possível ser arquitete de sucesso, é possível buscar inspirações de outros tipos de cidades, é possível um desenho de espaço que leve em conta questões de gênero, é possível romper com esse padrão cansado e entediante. LGBTs podem ser o que quiserem ser, e isso inclui arquitetes e urbanistes proeminentes ocupando posições de destaque, e que estão aptos a desenhar, projetar, pensar e conceber cidades inclusivas.
Quais são os desafios que os LGBT ainda enfrentam para ocupar realmente o espaço urbano? Ainda somos marginais?
O acrônimo LGBT é enorme, e nele estão muitas identidades. Algumas mais outras menos, mas sim, ainda somos marginais se pensarmos que a sexualidade é em si dissidente da norma, em muitas situações estamos à margem de como a sociedade se organiza. Não é só porque houve conquistas de espaços, pois muitas delas aconteceram sob uma legitimação pelo consumo, que gera outras exclusões. A lista de desafios também é enorme, um deles é aquele da mobilidade, que o motorista pode não parar no ponto ou o motorista de aplicativo cancelando a corrida quando percebe que é LGBT. Mas também é o seu direito de ir e vir com segurança pela cidade. Significa exercer sua cidadania plenamente, sem medo de ser agredido por violência, tanto física e psicológica, participando da construção coletiva e democrática da cidade, e ocupando os lugares onde essa construção acontece. Para além da questão da mobilidade, está o acesso aos diferentes espaços urbanos. Alguns dos lugares com abertura para LGBTs são muito elitizados e não refletem o amplo escopo de pessoas que fazem parte da sigla, porque simplesmente não conseguem acessar aqueles espaços.
Mas também pode-se incluir aqui as diferentes territorialidades quando LGBT usam o espaço da cidade, como se conformam as áreas onde são aceitos a manifestarem sua sexualidade livremente?
O que você tem feito para manter a cabeça fresca na pandemia?
Cuidar do corpo e da mente é fundamental. Tenho procurado controlar o tempo que passo nas redes sociais, pra não abusar e não dar brecha pra ansiedade aparecer. Uma coisa importante é praticar a escuta e também o silêncio. Fazer refeições com calma, com intenção ao cozinhar, e desfrutando ao comer, sem ficar comendo na frente da TV. Mas no fim ando trabalhando bastante, é o que me mantém bastante ocupado.
Quais os projetos para o futuro quando tudo isso passar?
Buscar outras formas de mobilização. A internet e as redes sociais têm muitas vantagens, não tem como negar. Mas muito do movimento se faz no corpo a corpo, no tête-à-tête, e faz parte dos planos futuros do projeto tirar um pouco o projeto da internet, e fazer ele ganhar as ruas. É na rua que a cidade acontece.
Agora me conta seu maior sonho!
Uma mulher transexual negra para presidenta da nação!
Instagram @cidadequeer
www.cidadequeer.lanchonete.org