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LÁ VEM ELA! 

Gabriela Pimentel ganhou força com a pandemia e transformou a vida do ator e professor Gabriel Borges 

Fotos: Simone Fransisco

A arte drag transformou não apenas o visual de Gabriel Borges, 33 anos, mas a vida toda com o surgimento de Gabriela Pimentel em 2012. Ator com 10 anos de carreira, precisou superar a angústia da pandemia e apostou forte em seu talento, se jogando nas redes sociais com o canal Balbúrdia do Borges do Instagram @borgesoficial. 

Humorista, dramaturgo e performer transformista, Gabriel é bacharel em Atuação Cênica (UNIRIO), Mestre em Literatura (UnB) e Bacharel/Licenciado em Letras (UnB). E mesmo com tanta bagagem perdeu o emprego de professor em um país que não valoriza a Educação porque acredita na Terra plana. 

Mas Gabriela estava lá para deixar tudo melhor para este pisciano. “Tem uma parada muito curiosa no meu mapa porque eu sou mega emocional, mas, ao mesmo tempo, no contexto do trabalho, tenho uma disciplina e um compromisso enormes. Uns elementos de terra marcantes ali”, conta à Ezatamag a seguir: 

É um misto de muita RESISTÊNCIA e LUTA por SER e EXISTIR com conquistas muito importantes

REALIDADE 

Digo que  em trânsito por Brasília (rs). Eu sou de Brasília, nasci aqui. Em 2013, me mudei pro Rio de Janeiro. Estive quase 7 anos por lá. Na verdade, no finalzinho de 2019, vim passar 1 mês aqui, aí vieram várias questões, a pandemia… Então, neste momento, eu  em Brasília, quarentenado com minha mãe e meu pai (já vacinados!) na casa deles. Mas, após receber as 2 doses da vacina, pretendo voltar pro Rio. Acredito que a realidade de nós, LGBTQIA+s, neste Brasil (dadas as reais diferenças de visibilidade e representatividade dentro da diversidade de existências da nossa comunidade), sendo o país que mais mata LGBTQIA+s no mundo por 12 anos consecutivos (o que é um horror! Um título, pra dizer o mínimo, vergonhoso!) é um misto de muita RESISTÊNCIA e LUTA por SER e EXISTIR com conquistas muito importantes (histórico, político e socialmente falando) até os dias de hoje. Nesse meu trânsito de mudança de cidade, confesso que quando fui pro Rio em 2013, nas vezes também que fui a São Paulo, senti uma liberdade maior de ser e uma diversidade maior de espaços LGBTQIA+ existindo em visibilidade e representatividade do que quando morava em Brasília. Eu, particularmente falando e isso tem a ver também com meu processo pessoal, percebia uma liberdade maior de ser como se é aqui em Brasília dentro da Universidade de Brasília (UNB), em lugares de encontro pela diversidade, como o Bar Beirute etc. Porém, a ocupação de novos espaços veio acontecendo com muita relevância, pensando no período do meus anos mais jovens pra cá, com toda certeza. Ano passado, 2020, por exemplo, por conta da pandemia, não houve a Parada do Orgulho na rua no DF, mas a ação do coletivo Brasília Orgulho de iluminar com as cores do arco-íris a sede do Congresso Nacional foi um ato histórico e importantíssimo. Foi a primeira vez que o Congresso recebeu esse tipo de projeção na data do orgulho internacional. Incrível realizar isso neste Brasil de desgoverno bolsonarista e genocida, pois é um símbolo marcante de avanço nesse espaço que ainda segue negando e resistindo aos direitos de cidadania à nossa comunidade.  

Em dezembro de 2020, em um processo de autocura, floresceu em mim a ideia de produzir conteúdo pra internet, já que era impossível estar presencialmente nos palcos dos teatros

TRABALHO 

Passou pelo caos, pela parada, recomeço, agora acho que tá entrando nos trilhos, novos trilhos, eu diria, e com novas perspectivas. Quando vim do Rio pra Brasília em 2019, estava todo lascado, emocionalmente e financeiramente, encerrando ciclos, tinha acabado de ser demitido (sob o argumento de que “professores são descartáveis”) de uma instituição de ensino, onde trabalhei como professor de Língua Portuguesa e Teatro; e havia finalizado o último trabalho no coletivo cultural que trabalhei. 2020 foi marcado pela luta contra a depressão e a ansiedade. Houve um tempo que não consegui me expressar artisticamente porque, além da situação pessoal, a pandemia, o número de mortos, um vírus letal novo, as pessoas passando fome, uma ação governamental negligente. Por mais que se fizesse particularmente por quem precisava ainda mais, parecia que tudo era meio que insuficiente e desesperador. Não tinha como não sentir. Pirei, isso tudo, confesso, me derrubou. Em relação à maioria da população brasileira, estive em uma situação privilegiada na casa dos meus pais, trabalhando com aulas particulares e revisão de texto em home office. Até que, em dezembro de 2020, em um processo de autocura, floresceu em mim a ideia de produzir conteúdo pra internet, já que era impossível estar presencialmente nos palcos dos teatros. Lancei meu canal no Instagram @borgesoficial – chama-se Balbúrdia do Borges.  

Por mais que se fizesse particularmente por quem precisava ainda mais, parecia que tudo era meio que insuficiente e desesperador. Não tinha como não sentir. Pirei, isso tudo, confesso, me derrubou.

COMEÇO 

A arte drag surgiu de uma maneira inesperada e radiante. Foram 2 momentos em 2 contextos diferentes, porém, acho que o universo harmonizou. Eu estava no segundo ano da graduação em Artes Cênicas na Universidade de Brasília e cursava uma disciplina de encenação com a artista e professora Cyntia Carla, que faz arte drag com a Lilitt Luna. Em uma aula temática pra make Drag Queen, criei um novo rosto e ali percebi que havia uma força e uma presença que queriam se expressar. Nesse mesmo ano, um casal de amigos, Ana Freitas e Dyogo Rocha, estava se casando, me convidaram para apadrinhar e minha amiga perguntou se não queria ser a Drag Queen que faria seu evento, um chá de lingerie. Topei! Tava doido pra fazer a montação completa. Minha amiga e irmã, Adriana Fois, fez o corre comigo pra alugar coisas, conseguir os elementos. Produzimos! Nasceu minha Drag Queen, com muito orgulho, Gabriela Pimentel. 

No começo, toda a fragilidade e violência sofrida pelo Gabriel, ao longo da vida, tornavam-se grandes amarras pessoais e profissionais.

AUTOESTIMA 

No começo, toda a fragilidade e violência sofrida pelo Gabriel, ao longo da vida, tornavam-se grandes amarras pessoais e profissionais. Montar a Gabriela Pimentel aquecia o coração, era uma corpa valente, empoderada, uma presença de resistência e autoestima. Eu acredito que a arte acontece na relação potente com o público, então fui percebendo, através da minha trajetória, que a montação transformista trazia poder, autoestima, força e coragem pra mim e pro público também. E isso é MUITO IMPORTANTE! No meu canal, recebo muitas mensagens por DM, por exemplo, falando ou agradecendo pela contribuição na autoaceitação e/ou autoestima. A expressão artística transformista drag queen é política, está além do entretenimento, lida diretamente com a subjetividade das pessoas, bota em cheque a binariedade heteronormativa do cistema. Como diz minha mana drag maravilhosa Mackaylla Maria: “Drag é esse borrar das fronteiras”.  

Montar a Gabriela Pimentel aquecia o coração, era uma corpa valente, empoderada, uma presença de resistência e autoestima.

INSPIRAÇÃO 

Até pouco tempo, eu ficava tímido e com receio de afirmar que “inspirava” outras pessoas, sabe? Medo de soar prepotente, metido ou pedante. Mesmo sabendo e ouvindo de algumas pessoas isso. Muita terapia e estudo nesse processo do autoamor, né? (rs) Tem estrada aí. Hoje acho sim que inspiro mais gente com meu posicionamento, presença e arte. Isso é muito importante, é sobre REPRESENTATIVIDADE. Ah, se na minha infância e adolescência tivesse essa galera incrível em tantos locais e com visibilidade, teria sido diferente. Eu digo e repito e não canso de dizer que o ativismo, a militância do movimento LGBTQIA+ salvaram minha vida! Entre a possibilidade de não mais existir diante do sofrimento ou reconhecer minha existência e humanidade, a representatividade foi fundamental na minha escolha pela vida. Por isso tudo, eu tenho pensado sobre a responsabilidade que é fazer humor agora nesse tempo de luto do país, de negacionismo, de tragédia… é uma missão entrar na vida das pessoas pela tela do celular delas e fazê-las sorrir. Como diz nosso eterno e amado Paulo Gustavo: “Rir é um ato de resistência”. Eu penso o conteúdo, debato com minha mãe, Vera Adelaide, e com meu amigo, Luca Picorelli, que trabalham comigo na Balbúrdia do Borges. O que entra, o que não entra. Independente do número de pessoas que me seguem, sei que estou apresentando um conteúdo pra alguém.  

Eu acredito que a arte acontece na relação potente com o público

SUPERAÇÃO 

Enfrentei e sigo enfrentando obstáculos. Em todas as esferas: na família, na escola, no trabalho, em instituição religiosa, numa fila, numa lanchonete, num consultório. Enfrentei em todos esses lugares, são várias histórias. É horroroso! LGBTQ+fobia é crime! É violência, provoca sofrimento e morte. Por isso que não dá pra normalizar celebridades compartilhando vídeo de líder religioso tratando homobitransfobia como opinião. Não dá mais pra uma comunicadora, como a filha do Silvio Santos, fazer em rede nacional um discurso debochado e agressivo, pedindo compreensão. Eu sempre fiquei sem entender o que é a outra pessoa “me aceitar”, é o quê?! Não me matar? Não me agredir? Fala-se tanto que nós LGBTQIA+s queremos privilégios, que privilégios, minha gente? A pessoa sentir culpa por EXISTIR é MUITO desumano. Isso porque  falando aqui da luta pelo mínimo, tipo: andar na rua sem medo, demonstrar e receber afeto, constituir uma família, casar (ou não, mas poder fazer essa escolha), ter filhos, ter uma certidão de nascimento com seu nome, dentre outras coisas. Eu, como bixa gorda afeminada, que vivi até agora como homem cis, mas tenho me identificado como não-binárie… como artista, transformista, já sofri o inferno, da violência verbal, passando pelo assédio moral até a violência física. Isso porque nem estou na linha de frente. Quando vejo as histórias de amigues LGBTQ+s que são pessoas pretas, travestis e transexuais, por exemplo, há muito mais violência e muito mais invisibilidade. Chega, não dá mais, são pessoas morrendo. 

Independente do número de pessoas que me seguem, sei que estou apresentando um conteúdo pra alguém.

EXEMPLO 

Tenho tanto pra dizer e queria falar e abraçar porque ainda é um caminho dolorido, não é fácil. Mas é libertador. Às pessoas LGBTQIA+ que estão começando a trilhar este caminho em busca de si, do autoamor, do autovalor, eu digo que seu amor, seu desejo e seu afeto são legítimos, que doentio é o preconceito e o preconceituoso. Vocês não estão fazendo coisa errada e nem sua forma de SER e EXISTIR são erradas. Nós vivemos ainda e infelizmente numa sociedade preconceituosa, que inferioriza a diversidade, mas você não está sozinha, sozinhe ou sozinho. As pessoas que são heterocis têm o privilégio de não precisar “sair do armário”, que, muitas vezes, é um momento constrangedor (é louco imaginar que, por vezes, você precisa justificar sua existência pros seus pais, pessoas que te geraram!) e difícil. Saiba que esse processo de saída do armário é pessoal e íntimo, não tem um tempo exato, pra cada pessoal é diferente. Ninguém tem o direito ou pode fazer isso por você. Só você sabe das circunstâncias que você está vivendo, não arrisque sua vida ou se sujeite à violência por pressão dos outros. Quando se sentir pronta, pronte ou pronto, voe, aí saia. É libertador. SEJA. Muitas vezes, sua rede de apoio pode não ser na família ou instituição religiosa, mas há instituições, amigues, outras pessoas LGBTQIA+ que vão poder te ajudar. Às famílias, acolham seus filhos e parentes LGBTQIA+. O mundo lá fora já é duro demais. 

Quando vejo as histórias de amigues LGBTQ+s que são pessoas pretas, travestis e transexuais, por exemplo, há muito mais violência e muito mais invisibilidade.

NOVO MUNDO 

Apesar de tudo, eu tenho fé na humanidade. Essa pandemia evidenciou mais ainda as diferenças e os abismos sociais. Espero que tenha havido aprendizado, que as palavras EMPATIA e SOLIDARIEDADE ganhem mais força. Eu  fazendo uma oficina com a drag Mackaylla Maria e o Centro Cultural da Diversidade de São Paulo e a turma sempre tem debatido sobre as novas possibilidades de construção a partir da ruína. Acho que as pessoas LGBTQIA+ são fundamentais pra esse novo mundo pós-pandemia e vão evidenciar a diversidade de formas de existir, ser e de se relacionar. Que estejamos nos mais diferentes espaços, que o universo ao redor de cada indivíduo possa ver nele a oportunidade de desconstrução. Pode até parecer meio utópica minha fala, mas o fato de que a quantidade de pessoas trans eleitas nas eleições municipais de 2020 é quatro vezes maior do que foi em 2016, ah, isso traz sim uma esperança ao coração.  

Saiba que esse processo de saída do armário é pessoal e íntimo, não tem um tempo exato, pra cada pessoal é diferente.

FUTURO  

Eu, como bom pisciano, crio expectativas muito facilmente (rs). Tenho meditado frequentemente com a galera do Zen e isso tem me ajudado a exercitar o AQUI e o AGORA. É mais de um leão por dia (rs) porque a ansiedade vai longe. Não  conseguindo pensar em longo prazo não, mas gostaria de ter renda mensal suficiente com a produção de conteúdo do meu canal. Meus pais estão vacinados e eu já tomei a primeira dose. Assim que tudo se ajeitar (ou não kkkkkkk porque nunca tudo se ajeita mesmo), quero voltar pro Rio e, assim que possível, voltar aos palcos também. Pro meu canal, a Balbúrdia do Borges, têm vários projetos se encaminhando aí pra novos quadros, personagens e parcerias. 

SONHO 

Meu maior sonho pessoal é viver bem, integralmente, do meu trabalho como ARTISTA e me comunicar com o maior número de pessoas possível, produzindo nas diversas linguagens: televisão, cinema, teatro, streaming e internet. Além da atuação cênica, gostaria de apresentar um programa de entrevistas. Meu maior sonho pro Brasil, no momento, é vacinação e comida na mesa pra todes, impeachment do presidente e respeito à diversidade. 

Meu maior sonho pro Brasil, no momento, é vacinação e comida na mesa pra todes, impeachment do presidente e respeito à diversidade.

Peças:  

“Cinderela” (direção de Luisa Thiré e texto de José Wilker) 

“O Inferno (adaptação da obra de Dante Alighieri e direção de Felícia Johansson) 

“Noite da Comédia Improvisada” 

“O Rio e Grande Elenco” 

Cinema: 

“Não se Esqueça de Fechar a Janela” (Fabiano Cafure) 

“O Que Você tem de Mais Forte?” (Fabiano Cafure) 

4 Comments
  1. Vera Adelaide

    10/06/2021 23:53

    Amei sua entrevista!! Continue firme e forte na sua caminhada. Sucesso sempre🌟🌟🌟🌟vamos na luta, jamais desistir dos nossos sonhos❤️🌟🌟🌟

  2. Gabriel Borges

    11/06/2021 00:34

    Meu coração está radiante e agradecido pela linda matéria! Agradeço ao Hélio pelo convite e à Ezatamag e ao Ezatamentchy pelo espaço afetivo. Gratidão gigantesca! Abreijos

    • Renata Cerqueira

      12/06/2021 03:07

      Amei a matéria, muito bem escrita. As fotos são maravilhosas e tudo que você disse foi libertador é necessário. Irá ajudar muitas pessoas que passam por dificuldades que você já passou e passa. Brilhe, você é uma Estela .

  3. Jéssica Figueiredo

    11/06/2021 22:26

    Me considero com sorte em conhecer e ter o Gabriel por perto. E após ler tudo isso, tão bem retirado dele e ele respondendo de forma tão sensível, empática e cuidadosa, eu reafirmo: que pessoa espetacular!
    Meu coração aperta e minha inquietação com essa sociedade falida em questão a humanidade, grita e me corrói o peito. Mas espero que essa reportagem linda alcance o máximo de gente possível. Principalmente os que estão nesse processo em que o interior pede, o que o mundo exterior tenta calar. Que tenham força e que possamos ser uma sociedade que entenda seu lugar, e que esse lugar nunca é ou vai ser o de “entender”, “aceitar”, “permitir”….!!!! Quem essas pessoas pensam que são?! Eu não sei. Só sei que espero que VCS saibam quem são e onde querem estar. Isso importa!
    Gabriel, você é necessário!!! ♥️

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