Projeto Vizcaya remixa Maysa e traz humanidade para a música em tempos de perfeita felicidade tóxica
Você precisa de um convite para ouvir Maysa porque é uma cantora para poucos. Não no sentido elitista, ridículo, incabível, mas sim porque Maysa não é fácil, não te entrega nada pronto e só pode ser totalmente compreendida por quem já viu de perto que a vida é um jogo de luz e sombra. Então aceite agora mesmo o “Convite para Remixar Maysa” (ouça aqui) lançado neste mês pelo projeto Vizcaya comemorando os 85 anos da cantora.
Mais um braço do versátil DJ George Mendez, de Las Bibas From Vizcaya, o projeto recebeu convite oficial para fazer a releitura de seis super sucessos da mais marcante diva da música brasileira. “Tarde Triste”, “Ouça”, “Bom Dia Tristeza”, “Franqueza”, “Meu Mundo Caiu” e “Resposta” são as escolhidas, resumindo em seus títulos um pouco da visceralidade da arte de Maysa.
E Vizcaya sabe disso: “Maysa escrevia suas músicas com a alma sangrando e interpretava com o coração na mão banhado em álcool. Autora, uma voz de timbre único e uma pessoa de temperamento e personalidade muito fortes. Sem medo, sem papas na língua, que jogou um casamento milionário e um quase título de nobreza na sociedade paulistana para cima, para viver seu sonho da música, viver seu ofício de cantora e intérprete”.
“Convite para Remixar Maysa” chega trazendo elementos eletrônicos atuais a algo que é eterno porque é humano, o também. Porque a vida é feliz e também triste, dia e noite, é decepção e conquista, nascer e morrer, dúvida e também certeza. Ouvir as letras e a voz agressivamente melancólica de Maysa em tempos de perfeição tóxica nas redes sociais é um remédio contra a opressão trazida por este mundo perfeito.
Maysa escrevia suas músicas com a alma sangrando e interpretava com o coração na mão banhado em álcool.
Maysa era uma enorme celebridade brasileira, fez sucesso nos Estados Unidos, pioneira na TV japonesa e aplaudida de pé em Paris cantando em francês – uma honra sentida até então apenas pela gigante Piaf. Mas Maysa era humana, tinha seus limites, não conseguia lidar muito bem com uma fama que, como sua arte, não era só feita de flores.
Maysa sentiu o gosto amargo da perseguição de uma imprensa que precisava agradar a sociedade do meio do século 20. Uma estrutura que contava com a esposa obediente que espera o marido chegar do trabalho, não tem perspectivas profissionais e só trabalha se for em casa. Nunca foi a onda de Maysa – que em seu casamento quatrocentão paulista achou uma brecha: conseguiu continuar cantando, mas revertendo sua renda para a caridade.
Quem era Maysa? Ninguém na época conseguiu decifrar os hipnotizantes olhos dela, que quando lemos sua biografia e tudo o que dela ficou sabemos: Maysa não era nada além de uma mulher que queria ser ela mesma, sem fazer mal a ninguém (mesmo que tenha jogado, ainda bem que fora de mira, uma garrafa em Elis Regina).
Maysa já era a liberdade que explodiria na segunda metade da década de 1960. Maysa era Woodstock em um país que dançava ao som de orquestra, não tinha como ser entendida. Mas olhando agora através do tempo é possível perceber que ela era apenas tantas mulheres que vemos hoje em dia: decidida, independente, criativa, capaz, liberta.
Vizcaya tem o feeling certo para saber que o humano não tem data, música boa não envelhece e lições estão em todas as décadas. Basta remixá-las.