Cuecas absorventes, representatividade e mudança social
Por Klaus Antônio Miranda*
Olá, queridos leitores. Volto aqui como quem não quer nada depois desse hiato pandêmico para falar de um assunto que adooro. Menstruação masculina. Infelizmente, pontuando uma série de críticas na esperança de que possamos refletir juntes e melhorar.
No dia 24/06, a Panty’s lançou uma cueca absorvente. Produto que estava sendo pedido há anos por muitas pessoas trans que menstruam. Eu mesmo já devo ter mencionado a necessidade de sua criação antes em algum artigo. Meu namorade, uma pessoa gênero fluído retinta, sugeriu essa pauta há quase um ano e ofereceu uma parceria, e foi ignoradu pela mesma.
Já podemos pontuar que a campanha que se propunha a trazer representatividade para corpos que menstruam, não trouxe uma pessoa não binária para a campanha.
Dizem as ruas que uma das exigências para ser selecionado como modelo, e não apenas dessa campanha publicitária, era possuir uma cicatriz de mastectomia. Procedimento que ainda não é acessível para a maioria de nós. Nem a hormonização segura é acessível para a massas. Esse boato parece ser confirmado quando apenas um dos modelos divergia do “padrão”.
Ressalto que meu objetivo aqui não é criticar os modelos. Isso não é nada mais do que um processo biológico, e não tem nada a ver com gênero. Mas sim critico a necessidade das marcas e da mídia de higienizar nossas identidades e visibilizar apenas corpos trans que sejam passáveis, o mais próximo possível do ideal cis.
Me pergunto, será que tinha alguma pessoa trans não binária no time de desenvolvimento desse produto?
Estamos em um período histórico muito neoliberal, onde uma de suas características é o esvaziamento de lutas coletivas em prol do interesse do capital, e sabemos que os índices de desemprego são altíssimos na comunidade Trans. Chamar três homens trans muito passáveis e que em sua maioria não menstruam para estrelar a campanha, me parece mais um ilustrativo para esse fato. Por que as marcas só buscam esse perfil? Isso não contribui diretamente para a invisibilizar outras transmasculinidades?
Estamos em um período histórico muito neoliberal, onde uma de suas características é o esvaziamento de lutas coletivas em prol do interesse do capital.
O valor da cueca menstrual está um pouco acima da média de preços dos produtos da loja, sugerindo que nós teríamos condições de pagar mais caro por uma alternativa sustentável, enquanto a maior parte das pessoas trans não consegue acessar o mercado formal de trabalho devido ao estigma.
Para a massiva maioria, esse produto é absolutamente inacessível. E além de tudo, não vem acompanhado de nenhuma ação afirmativa, como por exemplo, a doação de cuecas menstruais para pessoas trans em situação de rua, o que em tese, garantiria o mínimo de segurança menstrual para as mesmas. Será que somos nós que estamos em débito com a empresa?
E novamente pergunto: será que tem quantas pessoas trans na Panty’s? Será que alguma delas ocupa um cargo de liderança? Em que espaços somos vistos como pessoas bem sucedidas? Em quais espaço temos voz?
A cueca menstrual surge então como uma alternativa para a minoria privilegiada e provavelmente burguesa, e não chega na realidade de nós, pessoas trans. Temos que parar de nos contentar com tão pouco. Representatividade no mês do orgulho nunca foi o suficiente. Precisamos de mudança social. Ocupar espaços além somente do close.
Klaus é homem trans não binário e bissexual e multitalentoso: escritor, grafiteiro, artista visual, tatuador e ilustrador, publica seus trabalhos artísticos no Instagram @kaus.total