A busca por status e aparência: por que nos submetemos a isto?
Por Rafael Ferreira*
Quando eu entro em um aplicativo de relacionamentos entre homens é isso que eu vejo: um baita açougue com as carnes expostas. Não tem rosto. Só corpo. E às vezes nem tem carne, só uma tela preta mesmo. Tem o sigiloso, o casado que trai a esposa, o que precisa evidenciar na legenda que é machão e não curte afeminados, o que coloca quantos centímetros tem, e a pergunta que fica é: por que nos submetemos a isto?
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A campanha Setembro Amarelo traz uma atenção especial à saúde mental, e por muito tempo os enfoques de diversas pesquisas voltadas à homens gays e bissexuais apontavam que os principais fatores do agravamento de problemas psicológicos giravam em torno da rejeição familiar, intimidação e religião, mas um estudo¹ publicado em 2020 no Jornal da Personalidade e Psicologia Social notou que fatores como status, sexo, competição e a exclusão da diversidade neste meio também são causadores de ansiedade e depressão.
Quantas vezes não vemos a adoração pelo corpo malhado, pelo pênis grande, a hiperssexualização de corpos pretos, o preconceito com homens que vivem com HIV, o etarismo, a xenofobia, e isto porque é do interesse do capitalismo com suas grandes indústrias de beleza ter como ideal absoluto algo inalcançável, um corpo inatingível que sempre vai precisar de alguns “reparos”, gerando uma frustração especialmente em homens gays e bissexuais, que são educados a cobiçar e sentir atração somente por um tipo de corpo.
Não tem rosto. Só corpo. E às vezes nem tem carne, só uma tela preta mesmo
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Os efeitos que uma cultura como esta pode causar se torna ainda mais agudo quando falamos de homens pretos, que além desta pressão corporal, enfrentam o racismo sexual. Em uma matéria² do site them, o jornalista Naveen Kumar enfatiza que o corpo ideal para homens pretos gays e bissexuais deixa de ser somente pela pressão estética, mas também de raça.
Como já é evidente, dentro da comunidade gay e bissexual existem interseccionalidades, com aparências e vivências que tornam possíveis diversas formas de opressão, dominação e discriminação. O resultado disto são taxas desproporcionalmente altas de problemas psicológicos se comparadas à população geral.
Em julho de 2020, foi publicado no periódico Trends in Psychology um estudo³ brasileiro com 1.123 homens que se relacionam com homens. Na dinâmica da pesquisa, os homens se dividiram primeiro em dois grupos: “masculinos” e “afeminados” (com base nos estereótipos de gênero). Em seguida, em três subgrupos: os que desejavam ser mais “femininos”, os que desejavam ser menos “femininos” e os que estavam felizes do jeito que eram.
Os resultados apontam como gênero e sexualidade são tão interligados. Uma sociedade sexista que valoriza o “masculino” e subalterna o “feminino” causa um sentimento de rejeição em homens que se relacionam com homens, justamente por este ser considerado um “papel feminino”, além dos estereótipos ligados ao comportamento.
Os efeitos que uma cultura como esta pode causar se torna ainda mais agudo quando falamos de homens pretos, que além desta pressão corporal, enfrentam o racismo sexual.
Nesta lógica, consequentemente temos a homofobia internalizada, graças a opressões estruturais que historicamente estão ligadas às relações de poder. O estudo brasileiro concluiu que atitudes negativas com relação à feminilidade podem causar vergonha, ódio a si mesmo, hostilidade para com os outros e taxas maiores de homofobia internalizada – que, por sua vez, pode causar problemas de saúde mental como ansiedade, depressão e baixa autoestima.
Em uma sociedade movida à aparência e status, é necessário que a saúde mental seja pauta na comunidade gay e bissexual. Portanto, entre as possíveis soluções para menores taxas de problemas psicológicos está o debate sobre o assunto – é preciso discutir a forma como reforçamos esse sistema de opressão, afinal, nós o alimentamos conforme seguimos o que é imposto. Comece se perguntando: quantas pessoas gordas sigo nas redes sociais? Quantos amigos pretos eu tenho? Com quantas pessoas com deficiência já me relacionei?
Já passou da hora de sair desse açougue e ficar dando biscoito para o dotadão do aplicativo. Procure entender como a pressões sociais te atingem e a forma como você pode desconstruir seu preconceito internalizado e começar a construir novas concepções.
*Rafael Ferreira é criador de conteúdo, técnico em Publicidade, estudante de Rádio e TV pela UNIVAP e co-criador do projeto “Senta e Escuta”. Atualmente produz e apresenta programas na TV Univap.
¹ Pachankis, J. E., Clark, K. A., Burton, C. L., Hughto, J. M. W., Bränström, R., & Keene, D. E. (2020). Sex, status, competition, and exclusion: Intraminority stress from within the gay community and gay and bisexual men’s mental health. Journal of Personality and Social Psychology, 119(3), 713–740. https://doi.org/10.1037/pspp0000282
² Kumar, Naveen. For Queer Men of Color, Pressure to Have a Perfect Body Is About Race Too – them, 2019. Disponível em: <them.us/story/queer-poc-body-image>. Acesso em: 10/09/2021.
³ Ramos, M.d.M., Costa, A.B. & Cerqueira-Santos, E. Effeminacy and anti-effeminacy: interactions with internalized homophobia, outness, and masculinity. Trends in Psychol. 28, 337-352 (2020). https://doi.org/10.1007/s43076-020-00025-3
Ilustração: Tom of Finland, The Leather Brotherhood