Especialistas defendem criação de rede de ambulatórios no SUS para pessoas trans no Brasil

No intuito de debater e promover os direitos para a população transexual e travesti no Sistema Único de Saúde (SUS), durante o Webinário Transcomunicação em Rede, especialistas convidados reafirmaram a necessidade de criação de uma câmara técnica vinculada ao controle social para articular uma rede de ambulatórios trans no Brasil. O evento ocorreu na quinta (21/10), sendo uma realização da Comissão Intersetorial de Políticas de Equidade (Cippe), do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

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A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, foi aprovada pelo CNS em 2008 e publicada pela Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. De lá até aqui, segundo os debatedores, muitas conquistas foram possíveis, mas ainda há muitos desafios a serem enfrentados diante de tanto estigma e violências que vêm aumentando nos últimos anos, em especial em contexto de pandemia.

Bianca Lopes, parceira da Regional Goiás da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apresentou a ideia de criação de uma rede fomentada pelo CNS para fortalecer os ambulatórios trans. Segundo ela, a falta de um mapeamento sociodemográfico da população brasileira no quesito de identidade de gênero e orientação sexual dificulta o desenvolvimento de ações direcionadas aos territórios.

“Apesar de termos 33 espaços com serviços [em saúde pública à população travesti e transexual] no Brasil, nós sabemos que ainda temos espaços que estão completamente descobertos [da Política LGBT]. Precisamos de implementação territorial”, disse.

Rafaela Damasceno também defendeu a criação de uma câmara técnica no CNS. “Temos o CNS que pode estar conosco.

Trazendo uma perspectiva histórica, a servidora do Ministério da Saúde, Kátia Souto, doutoranda em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e ex-conselheira nacional de Saúde e LGBT apresentou um panorama sobre o tema. Ela explicou que o Processo Transexualizador no SUS foi instituído em 2008, passando a permitir o acesso a procedimentos com hormonização, cirurgias de modificação corporal e genital, assim como acompanhamento multiprofissional. O programa foi redefinido e ampliado pela Portaria 2.803/2013.

“São tantos desafios. Avançamos, mas atualmente vivemos tantos retrocessos para as políticas LGBT, com inúmeras violências que têm força ainda maior para pessoas trans e travestis. O papel da participação social para construir as portarias e políticas é muito importante”, afirmou.

Com um olhar sobre a gestão dos espaços fundamentais para as travestis e transexuais, Luiz Fernando Marques, médico sanitarista com atuação em questões de gênero no Adolescentro e Ambulatório Trans da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), falou sobre a LGBTfobia institucionalizada no SUS. “O Ambulatório Trans tem uma sobrecarga. As pessoas são bem atendidas lá, mas não são em outros espaços [de Saúde]. Temos uma grande demanda que seria da Atenção Primária”. Segundo o médico, a transfobia em diversos espaços “costuma ser a regra”, infelizmente.

Rafaela Damasceno, secretária executiva do Instituto Nacional de Mulheres Redesignadas (Inamur), também defendeu a criação de uma câmara técnica no CNS. “Temos o CNS que pode estar conosco. O Conselho tem o poder de nos ajudar, juntar os coordenadores dos ambulatórios e hospitais credenciados e montar um plano de ação”, defendeu. Para ela, é necessário que se pesquise mais sobre “efeitos pós-operatórios” das pessoas que realizaram cirurgias transexualizadoras. “A maioria das meninas cirurgiadas não conseguem sequer atendimento para retorno”.

Theo Brandon, homem trans, negro, ativista, graduando em medicina pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb/Salvador), falou sobre as lacunas que percebe para a área das políticas de saúde LGBT. Dentre elas, a ausência de um sistema integrado que possa dar conta das demandas. “Há lugares em que não há filas [para tratamentos específicos à população trans] e, se existissem, seriam filas que durariam mais de dez anos. Precisamos dialogar sobre as demandas, mas infelizmente a gente não é escutado”. Uma de suas sugestões é que os Ambulatórios Trans contratem mais “consultores” trans e travestis para lidar com o acolhimento dos usuários e usuárias.