Atriz, escritora e performer Maria Lucas lança vaquinha para realizar o sonho das próteses de seios

Atriz, escritora, performer, influenciadora digital e mulher trans, a carioca Maria Lucas, de 33 anos, enfrentou muitas batalhas em sua vida, sendo a principal delas “ser” ou “tornar-se” mulher. Nascida e criada na Rocinha, iniciou o processo de transição quando ainda estava na faculdade, em 2017. No entanto, o sonho de Maria ainda está incompleto. E a carioca acaba de lançar uma vaquinha virtual para conseguir realizar uma mudança significativa, que vai dar ainda mais sentido à sua jornada: a cirurgia mamária ou implante de silicone. Clique aqui para acessar a vaquinha.

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“Sou uma travesti no país que mais mata mulheres trans em todo o mundo. As oportunidades de estudo e empregabilidade são escassas, ainda mais para uma artista independente, favelada e filha de migrantes nordestinos. Venho há algum tempo tentando juntar dinheiro para realizar o sonho da cirurgia mamária, mas se torna difícil, ainda mais vivendo no Rio de Janeiro que é uma cidade cara”, diz Maria Lucas.

Apesar de ser acompanhada há dois anos pelo projeto Corte Trans, da Fiocruz, que atende a população trans e travesti do Rio de Janeiro, realizando consultas e tratamentos diversos, incluindo hormonização, Maria explica que a fila do Sistema Único de Saúde pode demorar cerca de 10 anos para que cirurgias mamárias e/ou de redesignação genital cheguem a acontecer. E nem sempre elas acontecem.

“É ótimo pensar que temos o direito de lidar com nossas disforias realizando estes procedimentos de forma gratuita, mas é uma tristeza esperar tanto tempo sem nem saber se vamos conseguir. Ao mesmo tempo, a grande maioria dos espaços públicos de saúde não possuem preparação para lidar com nossos corpos”, relata a artista que, inúmeras vezes, já foi vítima de transfobia e assédio em hospitais.

Para Maria, isso está intimamente ligado ao fato de a expectativa de vida de travestis e mulheres trans no Brasil ser de 35 anos.

Sou uma travesti no país que mais mata mulheres trans em todo o mundo. As oportunidades de estudo e empregabilidade são escassas.

“Somos afastadas destes espaços que nos tratam de maneira desumana: é sobre procurar o atendimento com encaminhamento para a cirurgia genital e ser tratada no masculino ou olhada com olhares de deboche por todos apenas ao entrar na recepção de uma UPA ou Clínica da Família. Por outro lado, realizar estes procedimentos em clínicas particulares está muito além do que uma mulher trans pode alcançar com trabalhos informais, já que a formalidade está fechada para a grande maioria de nós. Uma prótese mamária, por exemplo, pode chegar a R$15 mil e a cirurgia genital, a R$45 mil”, revela.

Maria Lucas é a primeira pessoa trans a ganhar o concurso de textos ensaísticos da Revista Serrote, do Instituto Moreira Salles, tendo publicado “Próteses de Proteção”, em 2020. Também é autora do livro “Esse Sangue Não é de Menstruação, mas de Transfobia” (Ed. Urutau), lançado em 2021. No entanto, mesmo com suas crescentes conquistas na Literatura, no Teatro e nas artes, Maria Lucas ainda não tem condições financeiras de pagar a sua cirurgia sozinha.

“Realizo a hormonização há mais de dois anos e percebi variadas mudanças em meu corpo que me deixam em mais conformidade com o gênero com o qual me identifico. Sou uma mulher grande e sempre senti falta de possuir meus seios, lidando com esse incômodo de não possuí-los diariamente. Compreendo que não é pelo meu peito não ter crescido que isso me faz menos mulher, mas possuí-los me tornará, sem dúvida, mais empoderada e satisfeita com meu gênero e meu corpo”, explica a artista.

Maria: somos afastadas destes espaços que nos tratam de maneira desumana

A vaquinha para Maria conseguir o implante de silicone vai durar 60 dias, oferecendo recompensas diversas, tais como: entrada grátis em restaurantes, fotos exclusivas, ensaios fotográfico, quadros com fotos de artistas cariocas assim como cópias do livro de Maria. A ideia foi construída também como mote para o pensamento e o desenvolvimento de um futuro livro de ensaios da autora, que contará com um capítulo no qual ela explicitará as possíveis transformações corporais realizadas nos corpos de travestis e mulheres trans brasileiras.

Parte deste processo se dará com ensaios de fotos com a artista pós-operada, que servirão não somente para as recompensas, mas também para ilustrar o livro.

“Venho tratando minha vida em transição na maioria dos meus trabalhos autorais. O ensaio ‘Próteses de Proteção’ é um relato de violências sexuais e de assédios que sofri antes e durante a pandemia/quarentena. O livro ‘Esse Sangue Não é de Menstruação, mas de Transfobia’, publicado no Brasil, Portugal e Galícia pela editora Urutau, é uma auto-ficção sobre uma das expulsões que sofri de um dos lugares em que morei, situação muito recorrente na vivência de uma travesti no Brasil. Mas essas escritas são mais do que uma fala de enunciação pessoal, e sim um grito no qual ecoam muitas vozes do antes e do agora, pensando em explicitar tais vivências almejando um futuro melhor para vidas trans e travestis nesse país que vivemos”, conclui.

Ela

Maria Lucas é a primeira autora trans premiada pelo Instituto Moreira Salles em seu concurso de textos ensaísticos. Ganhou o prêmio em 2020 com o ensaio “Próteses de Proteção”, publicado pela Revista Serrote edição 35-36. Autora do livro “Esse Sangue Não é de Menstruação, mas de Transfobia”, lançado em 2021 no Brasil e na Europa pela editora Urutau.

Escreveu sobre a cena artística LGBTQIA+ carioca em seu projeto de dissertação de mestrado e em um texto introdutório para o livro de fotografias “Montação” (Ed. Revista Philos), de 2021. É escritora recorrente na revista “Questão de Crítica”, onde se dedica a textos sobre críticas teatrais.

Mais especificamente sobre vivência trans, escreveu um capítulo do livro “Esses Seres Vivemos”, publicado pelo MAM e resultado de sua bolsa de pesquisa como pesquisadora entre 2020 e 2021. Mestra em Teoria e Crítica de Artes pela Escola de Comunicação da UFRJ e graduada em Teatro pelo departamento de Letras da PUC-RJ, realizou intercâmbio acadêmico em História da Arte (UAM, Madri – Espanha) e em Cinema (UNAL – Bogotá, Colômbia). Maria Lucas investiga a sua vivência como mulher trans a partir de sua arte e, além de escritora, é atriz e performer.