“Mães Paralelas” é uma teia sentimental que Almodóvar maneja com facilidade através de diálogos marcantes

“Mães Paralelas” (Madres Paralelas, Espanha, 2021)

Por Eduardo de Assumpção*

As mães são personagens constantes na obra de Pedro Almodóvar. Em “De Salto Alto” (1991), Marisa Paredes e Victoria Abril são mãe e filha em conflito. “Em Tudo sobre minha mãe” (1999), Cecilia Roth enfrenta a dor da perda de um filho. Em “Volver” (2006), Carmen Maura, retorna dos mortos para acompanhar suas filhas, e em “Dor e Glória” (2019), o cineasta homenageia sua própria mãe, figura recorrente em seus primeiros filmes, através da personagem de Julieta Serrano.

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No filme mais feminino do diretor espanhol em anos, Penélope Cruz interpreta Janis, uma fotógrafa que busca desenterrar os fósseis de seus antepassados mortos durante a Guerra Civil. Para isso ela conta com a ajuda do antropólogo Arturo (Israel Elejalde), o único homem relevante no elenco, com quem terá uma tórrida noite de desejo.

A narrativa almodovariana nos leva direto ao hospital, onde Janis prestes a dar à luz conhece Ana, Milena Smit, indicada ao Goya por “No Matarás” (2020), uma ingênua adolescente grávida, que entrelaça seu destino com a protagonista criando um poderoso elo. A cena do parto paralelo pode ser considerada umas das mais icônicas da recente obra do diretor.

A fotografia de José Luis Alcaine, que trabalha com o diretor desde “Mulheres a beira de um ataque de nervos” (1988), é inconfundível. Há um cuidado extremo no uso das cores e dos elementos e objetos cênicos. O onipresente vermelho aparece nos figurinos, adereços e utensílios, enquanto as ruas de Madri são exaltadas em diversas sequências.

A tão comentada camiseta WE SHOULD ALL BE FEMINISTS, da Dior

Também há bastante planos que enaltecem comidas, principalmente as espanholas. Alberto Iglesias novamente é o responsável pela trilha, que nesse caso tem um papel fundamental no clima de thriller que acompanha o filme. Rossy de Palma, colaboradora constante de Almodóvar, ilumina a tela com sua presença. Ela interpreta Elena, a editora da revista para a qual Janis trabalha, e que também tem um vínculo da infância. Muito diferente de “Julieta” (2016), a atriz aqui aparece como uma mulher empoderada, elegante e dona de si.

Já Aitana Sánchez Gijón, trabalhando pela primeira vez com o diretor, é Teresa, a mãe de Ana, uma atriz frustrada que assim como em “De Salto Alto”, mantém uma relação conturbada e distante com a filha. Teresa é uma mulher fina e cheia de nuances, que deixou Ana aos cuidados do pai, que também acabou se tornando ausente, como a maioria das figuras paternas na obra do diretor espanhol.

Com um enredo extremamente feminino, a maternidade é o foco principal do longa. O título já sugere que há uma troca de bebês, o que é revelado logo no início do filme e levará Janis pela procura da verdade e momentos tensos e desesperadores juntos da pequena Cecília, que brilha e traz ternura ao filme. Sempre há uma luz, e ela está em Ana.

Há cenas muito características do diretor, como legumes sendo cortados, uma transexual, Daniela Santiago, a Veneno da série, sendo fotografada pela protagonista, e a tão comentada camiseta WE SHOULD ALL BE FEMINISTS, da Dior, e isso resplandece na tela. Mas é no drama e nos diálogos almodovarianos que habita uma crítica social e um posicionamento político.

A lista de grifes que aparecem no filme é extensa. De Dior, Louis Vuitton, Prada, Giorgio Armani, Pertegaz, Miu Miu, Palomo Espanha e Missoni até outras mais acessíveis como Levis e Zara. Todo o vestuário das “chicas” ou mães Almodóvar é especial.

“Madres Paralelas” é uma teia sentimental que o gênio do cinema maneja com facilidade, através de diálogos marcantes, uma leve comédia e situações ampliadas pelo sentido artístico. Sob tais parâmetros, Penélope Cruz oferece uma caracterização cheia de matizes e convenientemente emocionante na pele de uma personagem que traz múltiplas mudanças emocionais. Da mesma maneira, Milena Smit também reluz, neste que é apenas seu segundo longa.

Os laços de sangue e a flexibilidade do conceito de “família” são essenciais no filme, assim como o roteiro apuradíssimo escrito por Almodóvar, que funciona pela própria personalidade do cineasta e por sua habilidade narrativa. Sempre há algo de muito pessoal em seus filmes e isso é o que os torna tão fascinantes.

A obra gira em torno do universo do próprio cineasta. É fácil encontrar referências a outros filmes, nomes e personagens em cenas de “Madres Paralelas”. As famosas tramas inusitadas são muito bem construídas, pelo roteiro, e o longa traz frescor e criatividade ao narrar uma história densa e fazer uma analogia entre maternidade e a denúncia aos horrores do franquismo e da guerra civil espanhola.

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com

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Twitter: @eduardoirib