Linn da Quebrada sai da casa do BBB para se tornar a nova cara que o Brasil precisa consumir e refletir
Pessoas LGBT+ torcerem ou não por Linn da Quebrada segue a dinâmica da casa mais vigiada do Brasil, e ela foi eliminada ontem porque nem todes estão a todo o momento em todos os lugares da grande Casa Grande que (ainda) é o Brasil. Um País que é Jessilane, Natália, Lina (e até Scooby), mas se enxerga como Arthur e Gustavo.
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Como todo bom produto de televisão, o BBB é feito para ser consumido. Serve-se na casa do jogo e na Casa Grande Brasil todos os tipos de prato, mas cada pessoa escolhe qual deles vai querer consumir. Se você não está em todos os cantos casa, fica mais difícil saber qual deles escolher.
Se pelo menos sabe que nesta casa os cômodos assistem a cenas de ódio, preconceito, fofoca, falsidade, manipulação e uso descarado de privilégios brancos, cis, héteros e masculinos, aí fica ao seu bel prazer escolher consumir uma receita bem indigesta, passada, do passado, estragada. Você toma um antiácido e segue com sua acidez mental.
E muita gente LGBT+ não torceu por Lina porque ignora muitos dos ingredientes dos outros pratos-participantes. Acha linda a união dos homens héteros, “os caras”, “os meninos”. União de homens para conquistar coisas a gente já viu bastante – e olha no que deu. Ri das piadas criadas a partir da masculinidade padrão. Acha que “não é tudo isso” quando um héteros chama o outro de viado em tom jocoso.
É esta falta de consciência de classe que mata, literalmente, todos os dias, literalmente.
Muitos LGBT+ não estão em todos os cômodos desta Casa Brasil para assistir a irradiação desta perpetuação masculina, cis, héteros. São assassinatos com requintes de crueldade, estupros, violências físicas e psicológicas e tantos outros problemas que quem está na chamada linha de frente sabe de cor e salteado.
É esta falta de consciência de classe que mata, literalmente, todos os dias, literalmente. É se deixar enganar por uma falsa sensação de privilégio, acreditar que quem vai te ajudar não será um dos seus. É quem vive “da caridade de quem me detesta”, como diria Cazuza, que também dizia: “Brasil, mostra a tua cara!”. Mostrou, agora sabemos melhor as feições da total falta de empatia.
Lina no BBB foi um fato histórico para todas as pessoas LGBT+, cientes disso ou não. Todas. Foi a pedra que caiu na água e causou ondas, muitas, que chegaram para molhar pés secos de conhecimento sobre nossa comunidade. Tudo feito com conhecimento, argumento e amor (e até paciência demais).
O efeito dessas ondas chegam sim ao gay branco, cis, sentado em seus privilégios porque esta água é uma só. O que acontece na beira da lagoa chega sim para quem se acha uma ilha, para quem se sente um farol.
“Mas não é sobre causas, é um jogo!”, muita gente disse. Será mesmo? Porque também são as causas que causam identificação, fazem a gente escolher o nosso prato neste banquete anacrônico chamado mundo. Serve-se superação, empoderamento, reparação histórica, saúde mental, respeito. Mas este prato é negado por pelo menos 77,6% de quem está à mesa.
Lina no BBB foi um fato histórico para todas as pessoas LGBT+, cientes disso ou não. Todas.
Não se pode cobrar esta torcida. Não se pode cobrar consciência de classe. Não se pode cobrar que as pessoas não aproveitem seus privilégios. Não se pode cobrar que uma pessoa LGBT+ se sinta mais parecida com os machos-alfa do que com quem passa, todos os dias, por situações de preconceito social, de racismo, de machismo. Não se pode cobrar, mas a fatura chega de um jeito ou de outro.
A eliminação de Lina e não de qualquer homem branco, cis e hétero é uma fotografia triste e desgastada do Brasil. Lina saiu da Casa do BBB para mostrar justamente que nossa fotografia ainda é antiga, com a Casa Grande de fundo. Está na hora de fazer uma novo foto.