Noite após Noite (Night after Night, EUA, 1932)

A ancestralidade LGBTQIA+ no Cinema

Por Eduardo de Assumpção*

Retratado de forma caricata para gerar a aceitação das grandes plateias, o homossexual quase sempre foi motivo de piada no cinema mainstream. Com uma necessidade gigante de se expressar, dialogar com o público e subverter a heteronormatividade dominante, o olhar queer passa a aparecer na sétima arte de maneira autêntica, e causando uma identificação imediata com seu público alvo.

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Ainda que a expressão LGBT só tenha surgido muitas décadas depois, é possível afirmar que o cinema flerta com a homossexualidade desde seus primórdios,, ainda que de forma velada.  Em 1898, no começo de tudo Thomas Edison já sugeria sutilmente o tema em seu filme The Gay Brothers, onde dois amigos dançam juntos uma valsa. O oficialmente considerado o primeiro filme gay, viria anos seguintes, da Alemanha, em 1919, Diferente dos Outros.

Para celebrar o Mês do Orgulho LGBTQIA+, o Cinematografia Queer mergulhou no baú mágico do cinema para trazer as primeiras produções que abordaram o tema, um grande tabu na época, de forma mais natural, ainda que em subtexto, e menos ofensiva.

Vingarne (Suécia, 1916)

Dirigido por Mauritz Stiller,o filme é baseado no romance Mikaël, de Herman Bang, escrito em 1902. Um dos primeiros filmes com temática gay, também é notável por seu uso de uma narrativa não linear e por mostrar a maior parte da história através de flashbacks. A obra possui duas narrativas e uma quebra da quarta parede. Na segunda narrativa, o escultor Claude Zoret idealiza uma escultura, intitulada As Asas. Ele conhece um jovem pintor, Eugène Mikael, e acredita que ele encarna perfeitamente a imagem de ‘Ícaro’. Zoret se aproxima de Mikael, praticamente o adotando, e o faz o modelo para sua escultura.

Diferente dos Outros(Anders als die Andern, Alemanha, 1919)

Diferente dos Outros é um filme mudo alemão do género drama, realizado e escrito por Richard Oswald e Magnus Hirschfeld e protagonizado por Conrad Veidt e Reinhold Schünzel. Estreou na Alemanha em 28 de maio, de 1919. Trata-se, oficialmente, do primeiro filme sobre homossexualidade da história do cinema.

Asas (Wings, EUA, 1927)

Asas é um longa mudo ambientado durante a Primeira Guerra Mundial, estrelado por Clara Bow, Charles Rogers e Richard Arlen. A obra ganhou o primeiro Oscar de Melhor Filme. Aclamado por suas proezas técnicas e realismo após o lançamento, o filme se tornou o padrão de referência para os futuros filmes de aviação, principalmente por causa de suas sequências realistas de combate aéreo. Asas foi um dos primeiros filmes amplamente divulgados a mostrar nudez e um beijo gay.

Marrocos (Morocco, EUA, 1930)

Marrocos, dirigido por Josef von Sternberg, e, estrelado por Gary Cooper, Marlene Dietrich e Adolphe Menjou é baseado no romance Amy Jolly, de Benno Vigny, e adaptado por Jules Furthman. O filme é sobre uma cantora de cabaré e um Legionário que se apaixonam durante a Guerra do Rif, cuja relação é complicada por ele ser mulherengo e por um homem rico também estar apaixonado por ela. O longa é famoso por uma cena em que Dietrich canta uma música vestida com um fraque masculino e beija outra mulher. Um escândalo para a época!

Noite após Noite (Night after Night, EUA, 1932)

O filme é estrelado por George Raft, Constance Cummings e Mae West em seu primeiro papel no cinema. Dirigido por Archie Mayo, foi adaptado para a tela por Vincent Lawrence e Kathryn Scola, baseado na história da revista Cosmopolitan Single Night, de Louis Bromfield, com West autorizada a contribuir com suas falas.  No filme uma mulher acorda se sentindo alegre e aventureira após passar a noite com outra senhora.

Queen Christina(EUA, 1933)

Queen Christina é um filme biográfico, dirigido por Rouben Mamoulian. É estrelado pela atriz sueca Greta Garbo e John Gilbert em seu quarto e último filme juntos. O longa retrata a vida da rainha Christina da Suécia, que assumiu o trono aos seis anos de idade ,em 1632, e se tornou uma líder poderosa e influente. Além de lidar com as exigências de governar a Suécia durante a Guerra dos Trinta Anos, espera-se que Cristina se case com uma figura real adequada e gere um herdeiro. Quando ela se apaixona por um enviado espanhol visitante, com quem ela está proibida de se casar porque ele é católico romano, ela deve escolher entre o amor e seu dever real.

Lot in Sodom (EUA, 1933)

Lot in Sodom é um curta-metragem mudo, de 1933, baseado no conto bíblico da cidade de Sodoma e Gomorra. Foi dirigido por James Sibley Watson e Melville Webber. O filme utiliza técnicas experimentais, imagens de vanguarda e fortes alusões à sexualidade, especialmente à homossexualidade. Sodoma é um lugar de pecado. Um anjo aparece ali e é recebido por Ló. O povo de Sodoma quer fazer sexo com ele. Ló se recusa; então o anjo lhe diz para fugir da cidade com sua esposa e filha.

Tarzan and his Mate (EUA, 1934)

O filme adquiriu um status cult, em grande parte devido a Maureen O’Sullivan vestindo um dos trajes mais reveladores da tela até então – um top e uma tanga que deixava suas coxas e quadris expostos. A cena que causou mais comoção, a sequência do “ballet subaquático”, estava disponível em três versões diferentes que foram editadas pela MGM para atender aos padrões de mercados específicos. Em outra cena, um vislumbre dos pelos pubianos de O’Sullivan é brevemente aparente sob sua tanga. Enquanto isso, a anatomia de Johnny Weissmuller, era exibida a exaustão garantindo um tom homoerótico à obra.

A Noiva de Frankenstein(Bride of Frankenstein, EUA, 1935)

Estudiosos do cinema moderno notaram a possível leitura queer do filme. O diretor James Whale era abertamente gay, e alguns dos atores do elenco, incluindo Ernest Thesiger e Colin Clive, eram gays ou bissexuais. Pesquisadores perceberam um subtexto gay impregnado no filme, especialmente uma sensibilidade camp particularmente incorporada no personagem de Pretórios e seu relacionamento com Henry.

Rebecca – A Mulher Inesquecível(Rebecca, EUA, 1940)

No primeiro filme de Alfred Hitchcock, em Hollywood, a assustadora Sra. Danvers (Judith Anderson) de Manderley e a fantasmagórica, mas sempre presente, Rebecca, representam com afinco a homossexualidade feminina. A segunda Sra. DeWinter (Joan Fontaine) foi atormentada por lembranças constantes da primeira esposa recentemente falecida de seu novo marido e sua interação é fria e intimidadora com Danvers. A governanta leva a Sra. DeWinter ao redor da sala, revelando sua obsessão persistente por Rebecca.

O Proscrito(The Outlaw, EUA, 1943)

O Proscrito é um dos filmes mais controversos da história de Hollywood. O filme ficou engavetado por dois anos até que Howard Hughes conseguisse o aval do Código de Censura, que se recusava a liberá-lo pelo seu erotismo. Todo o barulho concentra-se em Jane Russell, descoberta por Hughes, Apesar dos excessos, o que sobressai é o relacionamento entre Billy the Kid e Doc Holliday. A certa altura, inclusive, o roteiro mostra a pouca importância de Rio, a personagem de Jane, a despeito de seu busto: é quando os dois amigos discutem qual deveria ser o prêmio de um jogo de cartas, se um cavalo ou Rio e decidem-se pelo cavalo.

Fireworks (EUA, 1947)

É um filme experimental homoerótico, de Kenneth Anger, filmado na casa de seus pais, em Beverly Hills, no decorrer de uma semana, quando eles estavam fora. O filme traz o próprio Kenneth Anger no elenco, que faz questão de explorar temas como a homossexualidade e o sadomasoquismo. Este foi um de seus primeiros trabalhos. Kenneth Anger descreve o filme como  “Um sonhador insatisfeito acorda, sai pela noite à procura de uma ‘luz’ e é pego em flagrante. Um sonho dentro de outro sonho, então ele volta para a cama menos vazio do que antes.”  Isso tudo ilustrado por marinheiros e fisiculturistas.

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com

Instagram: @cinematografiaqueer

Twitter: @eduardoirib