Valéria Barcellos se reinventa após dificuldades, ganha prêmio no Cinema e deixa claro que está apenas começando a caminhada
Valéria Barcellos é uma multiartista que arrasa como cantora, atriz, DJ, performer, artista plástica e artista audiovisual. E tem mais: é detentora da maior honraria dada a mulheres no Estado do Rio Grande do Sul, o troféu “Mulher Cidadã”, e aos 42 anos acaba de ser premiada por um papel importantíssimo no Cinema.
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Foi interpretando a personagem Bia no filme “Possa Poder”, de Victor Di Marco e Márcio Picoli, que ela foi premiada na categoria Curtas da Assembleia Legislativa dentro do tradicionalíssimo e super importante Festival de Cinema de Gramado – realizado na cidade gaúcha com ecos mundiais.
Só lembrando que, como escritora, essa diva também foi agraciada pelo Prêmio Nosso Orgulho 2021 com o livro “Transradioativa”. Tem mais! Vencedora do Festival Brasil de Cinema Internacional como Melhor Atriz Coadjuvante (2018) e 1º lugar no Festival da Canção Francesa (2012).
O que ela quer? É bem simples. “Poder sonhar com trivialidades. No momento eu sonho em viver, continuar viva, não ser suicidada, assassinada, acusada, não ser vítima de preconceito. Quero poder sonhar com coisas do dia-a-dia, poder sonhar com coisas que todo mundo sonha. Esse sim é o meu maior sonho no momento”, revela na entrevista a seguir:
Primeiro me conta seu signo e sua idade porque eu amo signos!
Também adoro signos. São a melhor justificativa para todas as inconsequências que a gente faz na vida. Eu como boa sagitariana sei do que estou falando.
Mas poder de poder fazer as coisas, você pode. As pessoas dizem que não, mas você pode.
Como tem ficado seu trabalho nestes tempos de pós pandemia?
Foi um momento de reconstrução, eu tive que aprender muitas coisas. Quando a pandemia começou, eu tinha recém saído do câncer. Foi uma quarentena que virou oitentena e tudo que está acontecendo até agora. Então eu já estava meio reclusa, usando máscara por causa da quimioterapia e tudo mais. Não senti muita diferença no modus operandi da vida. Mas me reergui, me reinventei, fui fazer outras coisas: palestrei, escrevi bastante, tive que me reconstruir, me reconectar com alguma coisa. Sou uma exceção e sei disso, não estou romantizando a pandemia, mas foi bom poder me reconectar, me reconstruir.
Como foi a trajetória até o prêmio? Qual a mensagem dele para outras meninas trans?
Esse filme é muito lindo. Fala sobre as relações das outras pessoas com o corpo de pessoas que são invisibilizadas pela sociedade, mas visíveis aos mesmos olhos dessa sociedade. Os personagens têm características diferentes. Minha personagem, a Bia, está atrás de uma recolocação profissional, tem ainda duas personagens PCD. Tem uma mensagem muito bonita de poder, e eu digo de poder não de empoderamento, porque eu acho essa palavra meio gasta. Mas poder de poder fazer as coisas, você pode. As pessoas dizem que não, mas você pode. A mensagem que a minha personagem passa para as pessoas é que se você é capacitado, você pode. Não de uma maneira muito Poliana, muito bonitinha, muito enfeitada. Mas você pode porque você tem direito. O poder para que você possa poder fazer as coisas, poder porque você tem direito, paga impostos… Acho que a mensagem principal é esta, colocar na cabeça de pessoas trans, estou falando do meu caso, de que a gente pode sim, de que a gente tem direito sim e que a gente vai fazer isso.
Você acha que inspira mais gente sendo uma artista livre? Qual a responsabilidade nisso?
A arte dá para as pessoas um poder de liberdade de escolha. É uma mensagem subliminar que chega para as pessoas. Por exemplo, ninguém nunca vai esquecer que assistiu uma artista trans no palco. Espero que essa estranheza vire uma curiosidade do bem, se é que pode existir isso. Mas que vire uma vontade de obter informações e que, a partir disso, as pessoas passem a nos procurar não em nome do fetiche, mas com os olhos de entender essa pessoa. Eu não sei se inspiro, mas quero que as pessoas se sintam tocadas pelo meu trabalho, espero que assim seja. Temos muita responsabilidade, temos o poder de fazer as pessoas pensarem, questionar. A gente vai pro palco, para as plataformas artísticas, com o objetivo de colocar muita dúvida na cabeça das pessoas. Não são as respostas, são as perguntas.
O que você mais gosta no retorno que recebe?
Gosto de entender que o meu trabalho está chegando nas pessoas. Porque a gente vive em um mundo muito recluso. A internet, apesar de ser um campo gigantesco de possibilidades, ainda é um lugar meio recluso, tem um modelo de pessoa, que chega em tal pessoa com uma cor, um gênero, uma sexualidade. É tudo muito direcionado. Quando eu percebo que consigo chegar a outros lugares que não são aquela bolha em que vivo, meu entorno, minha cidade, fico pensando: que bom, a internet finalmente está entendendo o seu papel real, que é o de chegar e levar uma mensagem de respeito ao maior número de pessoas.
Eu gosto de não entender as coisas. Porque o meu não entender me faz procurar o querer entender.
Qual a importância de celebrar a cultura da nossa comunidade?
Essa importância vem do embasamento das nossas próprias questões. Quando se tem cultura geral, embasamento de questionamentos, se pode responder com mais veemência, com mais atitude, mais base, mais verdade. Eu penso que a cultura tem esse papel primordial de nos dar ferramentas para que a gente possa se defender de forma embasada, legalmente, com bons argumentos, de toda a sociedade cisgênera que nos acusa.
Quais artistes mais te inspiram?
Muitas, muitos! No momento tenho procurado o povo da Literatura para me embasar. Gosto muito do trabalho da Atena Beauvoir, Amara Moira, gosto muito desse povo que escreve e deixa a gente com dúvida. Eu gosto de não entender as coisas. Porque o meu não entender me faz procurar o querer entender. Tenho visto pouca coisa de televisão, não tenho televisão, tenho consumido mais internet e a mídia escrita. São essas pessoas que têm me inspirado ultimamente. Tem uma pessoa que tem me inspirado muito no LinkedIn, olha que coisa doida, que é a Lia Manzano, e Noah Scheffel também. E o Math também, ele está desconstruindo muitas coisas, inclusive dos meus próprios conceitos. Tô adorando isso. Além obviamente da Liniker, da minha amiga Lina.
Qual é seu maior sonho?
Poder sonhar com trivialidades. No momento eu sonho em viver, continuar viva, não ser suicidada, assassinada, acusada, não ser vítima de preconceito. Quero poder sonhar com coisas do dia-a-dia, poder sonhar com coisas que todo mundo sonha. Esse sim é o meu maior sonho no momento.