Gera Gonçalves cria faunos que representam a resistência, a liberdade e a transgressão

O libriano de 44 anos Gera Gonçalves herdou a paixão do pai pelo desenho e hoje em dia quer, avisa de antemão, espalhar muitos viados pela cidade de São Paulo (SP). Ele cria faunos coloridos, lindos e exuberantes que representam a transgressão, a juventude e o convite à reflexão de não se julgar pelas diferenças.

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Figuras que, como classifica ele, representam a dubiedade da festa, da alegria, mas também das trevas, da solidão. São uma alegoria do universo gay masculino do qual ele faz parte. Um espaço que ele tem aprendido a ampliar, a deixar aberto também para novos corpos, novas ideias, novas histórias. Tudo inspirando diretamente a criação dele.

Eu chamo de faunos, mas, no final das contas, o que eu faço é espalhar viados pela cidade.

“A minha vida ficou mais rica e plural e isso se refletiu nos meus desenhos. Hoje minhas ilustrações estão muito mais voltadas para uma paleta de cores brasileiras, meus personagens são pardos, pretos, morenos, coloridos, pois a gente é isso, essa mistura deliciosa”, conta a seguir:

O desenho desde sempre foi uma paixão ou em algum momento ele despertou dentro de você?

Eu desenho desde de criança. Foi uma paixão que eu herdei do meu pai. De tanto vê-lo desenhando (ele gostava de nanquim), eu e meu irmão pegamos o gosto. Conforme fomos crescendo, tivemos influências diferentes e fomos desenvolvendo estilos distintos de ilustração. Esse é o canal do meu irmão no IG: @maremfragmentos. Com o tempo, os amigos em comum passaram a fazer encomendas e os nossos primeiros trabalhos foram em conjunto. Hoje, ele me dá uma força e vice-versa quando temos que pintar algo grande, como um muro ou painel.

“A minha vida ficou mais rica e plural e isso se refletiu nos meus desenhos.”

Como era essa produção lá no início e como você considera agora? Dá para classificar?

Minha produção no início era basicamente para mim. Tenho dezenas de sketchbooks, com centenas de desenhos. Conforme fui abrindo e os amigos pedindo, fui aumentando a produção, mas nunca consegui produzir o suficiente para montar um acervo, por exemplo, já que tudo o que eu produzo é por encomenda. Eu não vivo de arte, então faço tudo no meu tempo. Sou publicitário e trabalho com estratégia de conteúdo em uma agência.

“Minha produção no início era basicamente para mim.”

Por que faunos? Qual a mensagem deles?

Os faunos são uma alegoria do universo gay masculino. O ser dúbio em sua essência, que personifica a festa, a alegria, ao mesmo tempo em que flerta com as trevas e a solidão. Representam a liberdade, a juventude, a resistência, a transgressão. Vivendo pelas quebradas convidam à reflexão de não se julgar pelas diferenças. Os primeiros faunos surgiram de ilustrações do cotidiano que eu vivia com os meus amigos. Sair, beber, beijar, transar, as amizades, as relações, as decepções. Tudo isso eu trazia pro sketchbook no formato de desenhos, frases e pensamentos, que depois fui passando para a arte digital e para as telas. Eu chamo de faunos, mas, no final das contas, o que eu faço é espalhar viados pela cidade (como se em SP já não tivesse o suficiente kkk).

“Os faunos são uma alegoria do universo gay masculino.”

Como você acredita que seu trabalho evoluiu nesta caminhada?

Acho que meu trabalho evolui conforme eu mesmo evoluo. Antes eu vivia num certo gueto, casado, padrão heteronormativo, frequentava os mesmos lugares, convivia com as mesmas pessoas, sem muito espaço para as diferenças. Daí veio a vida, essa danada, e me deu um chacoalhão. Eu me separei, mudei para o centro de São Paulo, comecei a conhecer as quebradinhas do universo queer, abrir o círculo de amizades, passei a fazer trabalho social (aliás, se quiser seguir o projeto: @quentinhasdoarouche), a conviver com todo o tipo de pessoas. A minha vida ficou mais rica e plural e isso se refletiu nos meus desenhos. Hoje minhas ilustrações estão muito mais voltadas para uma paleta de cores brasileiras, meus personagens são pardos, pretos, morenos, coloridos, pois a gente é isso, essa mistura deliciosa.

Os primeiros faunos surgiram de ilustrações do cotidiano que eu vivia com os meus amigos. Sair, beber, beijar, transar, as amizades, as relações, as decepções.

Por que é preciso fazer arte no Brasil 2022? Qual o papel dela?

Para mim o papel da arte é provocar, mexer com você, pois é desta forma que ela tira a gente da inércia. É por meio da arte que saímos da nossa caixinha, imaginando o impossível sendo possível. E convenhamos, precisamos acreditar que é possível promover esta mudança, que dias melhores virão, pois vivemos um momento muito sombrio no Brasil. Mas isso está para acabar. Vai ter arte sim, vai ter LGBTQ+ dando close sim, vai ter liberdade para todo mundo ser o que quiser ser sim senhore!

“Acho que meu trabalho evolui conforme eu mesmo evoluo.”

Você consegue prever para onde caminha sua produção ou ela sempre te surpreende?

Não consigo prever e nem sei se quero. Já tenho um lado A que anda dentro da previsibilidade, não ia suportar ter este lado B também dentro desta caixinha. Tô que nem o Grupo Revelação, “deixando acontecer, naturalmente”… kkk. Se você pensar, eu comecei com rabisquinhos no meu sketchbook e hoje tenho quadros em apartamentos nos Jardins, fiz muros em casas do Pacaembu. Eu quero mais e espero que minha arte me surpreenda ainda mais.

É por meio da arte que saímos da nossa caixinha, imaginando o impossível sendo possível.

Agora me conta seu maior sonho!

Não sei se é o maior, mas sem dúvida ele é bem grande. Eu amo São Paulo, de verdade… Adoro a energia caótica do Centro e sou um frequentador do Minhocão fechado para os pedestres. Acho a coisa mais linda aquelas empenas maravilhosas, colorindo a cidade, tipo uma galeria gigante. Pois eu sempre sonhei em um dia ter um desenho meu ali. Mais do que fazer uma exposição, ou vender uma obra cara, meu sonho é um dia estar ali!

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