André Almada intensifica diálogo com as pautas sociais e propõe resgate da memória LGBT em nova função na Câmara de Comércio
Os últimos 13 meses de distanciamento social e demais medidas restritivas têm mudado a visão de vida do empresário André Almada. Responsável por uma das casas noturnas de maior sucesso do Brasil, a The Week (SP e RJ), ele tem buscado mais a discussão de pautas além das que já faziam parte de sua vida e se prepara para assumir a diretoria de Cultura da Câmara de Comércio LGBT do Brasil.
Dentre os planos da nova empreitada na Câmara além de fomentar iniciativas que incrementem a geração de negócios, empregos e renda com a cultura da diversidade, está o resgate da memória de pessoas que foram importantes dentro da comunidade LGBT. “Muitos desta nova geração desconhecem quem foram as pessoas que fizeram e marcaram história dentro deste universo no passado e que contribuíram direta ou indiretamente para que avançássemos rumo às conquistas do presente”, explica.
André diz em entrevista à Ezatamag que neste momento está ainda mais atento às diferentes posições ideológicas e de pensamento das pessoas, tem se solidarizado com outros grupos minorizados da sociedade e participado ativamente de algumas discussões relacionadas a esses temas.
“A pandemia tem sido um grande aprendizado e mais que um doutorado, um PhD de vida em todos os sentidos. Tanto pessoal quanto profissionalmente, me deparando com situações que antes eram praticamente inimagináveis ou até mesmo invisíveis aos nossos olhos. E ter que lidar com elas, faz parte desse processo de aprendizagem.”
Como têm sido estes 13 meses de pandemia e distanciamento para quem trabalha com a noite?
No que diz respeito ao meu trabalho com a The Week, estamos fechados há 13 meses e sem nenhuma perspectiva de retomada até o momento. Fizemos algumas lives no começo, a live foi uma forma criativa de manter vivo o lado afetivo com o clube e seus colaboradores. Mesmo com a possibilidade de flexibilizar a abertura do espaço, seja em formato de bar ou restaurante, é praticamente impossível manter toda essa infraestrutura com a limitação de público, ou seja, a conta não fecha. Tive que demitir pessoas, foi uma das fases mais críticas e mais duras para mim. Eram funcionários que estavam conosco há muitos anos, 10, 15 anos, é praticamente a nossa família ali. Infelizmente não foi só eu. O Brasil está praticamente à deriva, em uma crise política e econômica sem tamanho e o setor de eventos foi o mais afetado porque é impossível falar de eventos sem aglomeração.
E quando se fala em eventos muita gente acha que é apenas DJ, barman. Mas existe toda uma equipe muito maior do que isso que trabalha durante toda a semana.
Sem dúvida. A The Week é um espaço de eventos, existe um departamento de eventos, existe uma comunidade trabalhando ali dentro. Muitos profissionais estão durante o dia trabalhando, pessoal da equipe técnica, financeiro, limpeza, administrativo, manutenção. Eram muitas famílias, tanto aqui quanto no Rio de Janeiro. Mas foi muito traumático tudo, tive que desligar quase todos meus colaboradores. No fim do ano passado no Rio de Janeiro até houve uma tentativa de retomada, por meio do decreto vigente na época, porém não adianta você abrir a casa e adotar todos os protocolos quando as pessoas não estão dispostas a respeitá-los. Fica difícil. Não depende só do empresário que está ali tentando, de alguma forma, retomar o seu trabalho, suas atividades, a empregabilidade de pessoas que muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade, que não têm o que comer, que estão dependendo de ajuda de amigos e familiares.
Comparado ao mundo que estamos vivendo, eu estou em uma posição privilegiada, sem dúvida.
É uma preocupação real. Você tem feito lives e discutido alguns assuntos sobre isso, é uma vontade de trazer essas questões?
A pandemia tem sido um grande aprendizado e mais que um doutorado, um PhD de vida em todos os sentidos. Tanto pessoal quanto profissionalmente, me deparando com situações que antes eram praticamente inimagináveis ou até mesmo invisíveis aos nossos olhos. E ter que lidar com elas, faz parte desse processo de aprendizagem. Penso que o legado dessa pandemia é fazer com que a gente possa enxergar o quanto ainda podemos melhorar como ser humano, aprendendo mais, ouvindo mais, e mudando o nosso mindset. Ao promover lives ou mesmo participando de salas no Clubhouse, por exemplo, seja como audiência, como speaker ou como convidado a falar e ouvir também, neste período essa escuta de conflitos, de dores, de exemplos, de experiências, de situações, a gente acaba de certa forma abrindo nossa mente e olhar para as várias questões do mundo. E a pandemia está fazendo tudo isso e dando o gatilho para sobrevoar e poder ter acesso a outras falas, a outros grupos. E não só a questão LGBT, mas tudo que envolve a diversidade também de gênero, de raça, religiosa. Tem muitas pautas disponíveis para você poder se informar e essa pandemia tem sido proveitosa no sentido de se estudar.
E qual o aprendizado dessa imersão interior?
Com certeza é uma mudança de mindset irreversível. Para mim, tem sido vários anos em um. Um olhar e pensar diferente. Quando você começa a escutar outras pessoas e começa a ouvir outro ponto de vista, existe essa provocação e você se obriga a ter que se questionar o tempo todo, nos tirando da nossa zona de conforto. Agora estamos vivendo a realidade.
Em meio ao caos que estamos vivendo, você se considera um privilegiado?
Sim. Não posso dizer que não, mas eu me tornei um privilegiado. Neste cenário de pandemia eu me sinto uma pessoa privilegiada. Comparado ao mundo que estamos vivendo, eu estou em uma posição privilegiada, sem dúvida. Mas isso não me exime do papel em relação à responsabilidade social que eu tenho. Eu não exponho as pessoas que eu ajudo, não preciso fazer isso, pode parecer oportunismo. Eu tenho muitas pessoas que dependem de mim.
Você se sente mais empático, mais sensível depois desses 13 meses de pandemia?
Impossível não se sensibilizar com tudo à nossa volta. E eu falo empatia no real sentido porque essa palavra ficou muito banalizada. Não é demagogia.
A pandemia está fazendo tudo isso e dando o gatilho para sobrevoar e poder ter acesso a outras falas, a outros grupos.
E como uma referência para a comunidade LGBT, uma pessoa conhecida, com trabalho reconhecido, você acha que pode inspirar outras pessoas a entrarem nessas discussões como você fez?
Sim. Eu tenho um papel social de não só inspirar, mas também dar exemplo. As lives que eu tenho promovido são no intuito de ajudar alguém a mostrar o seu trabalho, têm um motivo. Não estou fazendo apenas por fazer. Em um momento onde estamos há 13 meses sem trabalhar, os profissionais como DJs e produtores são convidados a participar dessas lives na tentativa manter seu trabalho vivo. As lives surgiram em um momento em que esses profissionais precisavam de um pouco de acolhida, afago, de alento para eles mesmos, para falarem o que estão fazendo. Mesmo antes da pandemia eu já sentia uma necessidade de, de alguma forma, acelerar ainda mais o meu processo de devolutiva à sociedade, não só financeiramente, mas em forma de atitudes. A pandemia potencializou tudo isso ainda mais. A pauta da responsabilidade social, em que o indivíduo é o ativo da empresa, é que vai prevalecer daqui em diante e o mundo, assim como as empresas, deverá enxergar o futuro.
Mas nem todo mundo enxergou isso ainda.
Esse é um caminho sem volta. Quem não se adequar a isso vai estar uns passos atrás. Porque hoje as pessoas estão muito mais à procura de empresas que tenham um propósito. Muda a forma como as pessoas enxergam a sua marca, a sua empresa, como sua empresa lida com a diversidade. Quando você tem empresas que lidam bem com a diversidade e conseguem entender que é preciso a inclusão e principalmente acesso em um país extremamente excludente, homofóbico, misógino, racista e religiosamente intolerante, é preciso falar sobre isso. Essas pautas não podem mais ser ignoradas.
A pandemia tem sido um grande aprendizado e mais que um doutorado, um PhD de vida em todos os sentidos. Tanto pessoal quanto profissionalmente.
Neste novo momento surgiu o convite, já aceito, para ser diretor de Cultura da Câmara de Comércio LGBT do Brasil. Como veio o convite? Quais os planos?
Na verdade, minha relação com a Câmara já vem desde de 2016, quando o atual presidente, Ricardo Gomes, havia feito o convite para eu assumir a vice-presidência, mas na época não tive condições de dar continuidade. E, por meio de uma live sobre empreendedorismo em que o Ricardo também participava, tivemos a oportunidade de retomar o assunto e o convite para esta pasta foi aceito por mim. Um dos meus objetivos junto à Câmara é resgatar a memória de pessoas que foram importantes na história LGBT. Recentemente, soube por um amigo, o Franco Reinaldo, diretor do Museu da Diversidade Sexual de São Paulo, que todo o acervo da falecida Claudia Wonder estava na iminência de ser descartado e isso me sensibilizou demais. Assim, como no caso da Claudia, muitos outros registros foram perdidos, impossibilitando o acesso da nova geração à história que pertence à nossa comunidade. Esse trabalho tem que ser feito em diversas áreas como música, moda, arte, não só na noite. Tem muitos personagens e representantes do nosso universo que fazem parte deste legado cultural. Precisamos fazer um resgate do que está perdido. Não digo que posso mudar o mundo, mas se eu puder dar minha contribuição será ótimo.
E como empresário e membro da Câmara, você acha que empreender é importante para nossa comunidade?
Sem sombra de dúvida. Empreender é uma forma de criar e implementar mudanças, inovar, melhorar o mercado ou um tipo de negócio, além de nos incentivar a superar nossos desafios, aprender coisas novas, ter e colocar em prática nossas novas ideias.
Qual é o seu maior sonho?
Poder viver em um mundo onde as pessoas se respeitassem mais, valorizassem o trabalho do outro, onde as pessoas pudessem viver com mais dignidade, equidade, livre de julgamentos, cancelamentos e sem preconceitos.
Fotos: arquivo pessoal