Grupo Hora H quebra padrões arcaicos de masculinidade para construir um mundo com menos homens preconceituosos

O #novembroazul é uma hora propícia para se falar sobre masculinidade, mais ainda, para se discutir sobre como é possível ser homem sem ser opressor, machista, preconceituoso. É o que move o trabalho do facilitador Felipe Requião no Grupo Hora H – surgido na região Valinhos-Vinhedo (SP) para que os homens deixem de lado construções tóxicas e assumam seus sentimentos, medos e preconceitos. Para deixar de ser macho, bicho selvagem, e virar homem, humano.

É para desconstruir ideias arcaicas como “homem não vai ao médico”, “menino não chora” e outras formas de segregação entre “coisas de menino e coisas de menina” que limitam a atuação como indivíduos livres e humanos. O reflexo desse trabalho é a formação de um novo tipo de homem, o único que o novo mundo passará a abrigar: humano, empático, coletivo, irmão.

O reflexo direto na comunidade LGBT é a desconstrução de um papel social horroroso imposto ao homem, que não pode “parecer viado”, precisa ser violento, imperativo, dominador. Um movimento de quebra de padrões que pode não ser fácil, mas é possível e está acessível no canal do Grupo no YouTube para ser visto em todo o mundo.

Na entrevista a seguir, Felipe conta sobre a motivação para iniciar uma onda contrária na educação masculina e fala da contribuição que uma iniciativa como esta espera dar para o movimento LGBT. “Falar sobre essa masculinidade é urgente e é o que precisamos fazer com os homens adultos, com as mulheres e, inclusive, com as crianças se quisermos viver em um mundo mais igualitário e harmônico no futuro”, reforça abaixo:

Como surgiu o projeto?

O Grupo Hora H surgiu dentro de um grupo de amigos e pais de uma mesma escola que estavam buscando aprofundar as amizades. Esse movimento já estava presente, eu fui o catalisador usando minha facilidade de comunicação e meu perfil agregador. Normalmente, nós, homens, nos escondemos atrás de assuntos triviais (trabalho, futebol, churrasco…) e não nos aprofundamos sobre nossas questões mais íntimas e profundas, nossos medos, frustrações, problemas no relacionamento. A ideia de nos reunir para aprofundar nossas conversas surgiu a partir do documentário “O silêncio dos homens”. O documentário mexeu com alguns de nós e começamos a nos reunir semanalmente (às terças-feiras à noite). Experimentamos um nível de abertura e confiança entre nós que nunca havíamos experimentado antes. As histórias, quando colocadas em círculos, têm um poder curativo e de restauração, pois nos vemos espelhados nas histórias, dificuldades e dilemas dos outros envolvidos na mesma roda.

Por que é importante falar sobre a masculinidade hoje em dia?

A masculinidade se tornou (há muito tempo) sinônimo de problema. Pois aprendemos (mesmo inconscientemente) que o homem TEM QUE ser violento, agressivo, bruto, fechado emocionalmente, forte, dominador… e para onde essa definição de homem nos levou? Somos a maior população de homicidas e de mortos hoje em dia, somos a maioria entre os suicidas e estamos ocupando os presídios em larga escala, matamos LGBTQIAP+ de maneira jamais vista, violentamos as mulheres de uma forma absurda e inconsequente. Que masculinidade é essa? Falar sobre essa masculinidade é urgente e é o que precisamos fazer com os homens adultos, com as mulheres e, inclusive, com as crianças se quisermos viver em um mundo mais igualitário e harmônico no futuro.

Enxergar em cada um de nós o racista, o machista, o homofóbico, o transfóbico, o misógino etc é o primeiro passo para que a intolerância deixe de existir em nós e cada um passe de agente de agressão para agente de transformação.

O que é ser homem no mundo de hoje?

Já dei um spoiler na pergunta anterior e é exatamente isso que questionamos nas nossas rodas. Buscamos ressignificar o ser homem para abrir outras possibilidades mais saudáveis e inclusivas, entendendo que gênero é muito mais uma questão de sentir do que performar, parecer. Queremos ser homens livres para ser quem nascemos para ser, longe dos padrões e imposições sociais do patriarcado.

Quais questões podem ser discutidas com essa perspectiva?

No geral, todas as formas de preconceito: racismo, homofobia, transfobia, intolerância religiosa, entre outras. Gostamos também de refletir sobre o nosso posicionamento frente a questões complexas da sociedade, como o luto, os relacionamentos, o amor, o aborto, dinheiro, política e poder. Temas que, geralmente, são empurrados para debaixo do tapete e nos fazem omissos para não sermos julgados. Temos que sair do lugar do “certo e errado” e entender que todas as opiniões são válidas concordemos ou não. Precisamos concordar em discordar e isso não é um problema. Está tudo bem. Opiniões divergentes às nossas só enriquecem nosso diálogo e ampliam nossa visão de mundo, nos dando uma perspectiva que sozinhos não alcançaríamos. Para isso, a CNV (comunicação não violenta) tem sido uma excelente estratégia para criar essas conexões.

Qual contribuição o projeto espera dar para o movimento LGBT?

O entendimento de que todas as formas de manifestação do masculino e do feminino são válidas. Além disso, o entendimento dos privilégios sociais de ser homem nos permite dar voz à comunidade silenciada pelas mais diferentes formas de preconceito e violência. Aprender que o diferente de nós não é errado, mas possível, e passar a olhar com um olhar de amor e acolhimento.

Quais os maiores medos dos homens que começam a participar do projeto?

Medo é o que rege a masculinidade hegemônica atualmente. Esses medos se manifestam de muitas formas e os homens que participam das nossas rodas apresentam: medo do feminino, medo de parecerem gays, medo de se vulnerabilizarem demonstrando suas emoções, medo de serem julgados como fracos e incapazes, medo da solidão e do luto.

Queremos ser homens livres para ser quem nascemos para ser, longe dos padrões e imposições sociais do patriarcado.

É importante levar essa discussão para o maior número de pessoas possível. Qual o papel do YouTube nisso?

Temos um canal no YouTube que, por ora, tem sido alimentado pelas Lives com pessoas que tenho encontrado nessa jornada. Entendo que é, sim, preciso atingir o maior número de pessoas nessa problematização e essa plataforma contribui muito com esse objetivo, uma vez que o público que está presente ali é qualificado, ou seja, interessado no debate do tema.

Como conquistar mais espaço?

O diálogo é a forma mais eficaz para a criação de espaços para a introdução destas reflexões. Sair da zona de conforto e do privilégio não é nada agradável, exige uma vontade enorme de construir uma ponte entre nosso lugar e o lugar do outro. Assim, ser o agente de mudança que abre o diálogo dentro da nossa família, nas tradicionais rodas de amigos (entre homens e mulheres), com nossos filhos e filhas buscando quebrar os paradigmas bastante comuns nas nossas falas, como: menino não chora, feche essas pernas, menina brinca de boneca, cozinha é coisa de menina e outras formas de segregação entre “coisas de menino e coisas de menina” que limitam nossa atuação como indivíduos livres e humanos.

Sair da zona de conforto e do privilégio não é nada agradável, exige uma vontade enorme de construir uma ponte entre nosso lugar e o lugar do outro.

O machismo está em extinção? Como extingui-lo?

O patriarcado existe desde o Período Neolítico Inferior (entre 5.000 e 3.000 anos antes de Cristo), quando o homem descobriu que participava do processo de reprodução da vida (até então, acreditava-se que esse era uma potencialidade exclusivamente da mulher). A partir dali iniciou-se o processo de dominação do homem sobre os corpos femininos, jovens e crianças, juntamente com o conceito de propriedade privada. Assim, não acredito que o machismo esteja em processo de extinção nem que isso irá acontecer tão brevemente. O que vejo acontecer é uma maior visibilidade de vozes gritando contra o machismo e outras formas de violência. As redes sociais contribuem significativamente nesse sentido, dando visibilidade a grupos colocados à margem da sociedade cega às minorias. A extinção, no meu modo de pensamento, passa por um profundo processo de autorreflexão, autoconhecimento e autorresponsabilização. Enxergar em cada um de nós o racista, o machista, o homofóbico, o transfóbico, o misógino etc é o primeiro passo para que a intolerância deixe de existir em nós e cada um passe de agente de agressão para agente de transformação.

O diálogo é a forma mais eficaz para a criação de espaços para a introdução destas reflexões.

Quais os projetos para o futuro quando tudo isso passar?

Um dos meus projetos para o Hora H é levar essa conscientização e trabalho com homens para as delegacias de combate à violência contra as mulheres da Região de Campinas, Vinhedo e Valinhos. Temos grandes inspirações como o “Programa E agora, José”, de Santo André, e o “Projeto Tempo de Despertar”, da Cidade de São Paulo. Além disso, estou coordenando um projeto de tradução dos exercícios do livro “Mens Work: How to stop violence that tear us apart” (Trabalho com homens: como interromper a violência que nos separa, em tradução livre), do escritor, ativista e educador Paul Kivel para compartilhar com os inúmeros grupos reflexivos de gênero focados em homens e promovermos verdadeiras transformações nessas vidas.

Agora me conta seu maior sonho!

Meu maior sonho é contribuir para a construção de um mundo melhor, mais justo, equitativo, onde a questão dos privilégios seja inexistente e nós, seres humanos, saibamos respeitar e conviver com nossas diferenças naturais, entendendo que elas nos unem, nos complementam. Incluo nesse sonho minha entrega total para que meu filho cresça feminista e consciente sobre tudo isso pelo que tenho lutado e falado.

Instagram @grupo.horah