Wangora Lins une teatro, música e drag para dar exemplo de representatividade, consciência e empatia
Em tempos de ascendência da arte drag e consequente glamour, a paraibana Wangora Lins não deixa o brilho subir à cabeça, não permite que ele cegue seus olhos para as necessidades do próximo, para a situação política atual do Brasil, para o mundo lá fora. Atualmente morando em Rio Claro e movimentando a cena drag do interior paulista, sonha em gravar suas músicas, tocar pessoas, preencher corações.
“Estou muito feliz de ter um pedacinho de prosa com vocês. Me perguntaram sobre idade e signo, eu vou responder só o signo porque a idade não vai estar tendo como (risos). Porque a gente não pode revelar este segredo. Ele é muito misterioso demais”, brinca com a Ezatameg, adicionando que “eu sou ariano no sentido real e voraz da palavra e do signo. Adoro o estilo de Áries, acho fantástico, tem muito a ver comigo, minha personalidade e tudo mais”.
Ela relata a seguir o caminho até solidificar o personagem e como Wangora consegue reunir em um só lugar todos os talentos de seu criador. E também explica a origem do nome incomum – e que sempre rende essa curiosidade. Afinal, quem é Wangora?
“Eu não sou de Rio Claro, sou paraibano de João Pessoa, mas vivo aqui há três anos. Gosto muito da cidade, acho uma cidade muito agradável, mas com suas limitações, assim como todo o interior. Mas muito agradável. Morei alguns anos em São Paulo e depois vim para cá.
Precisamos estar conectados com o bem o máximo possível e seguir. Acho que o segredo é esse, não temer. Precisamos ter calma e agir.
A cena LGBTQIA+ aqui na nossa cidade é bem estabelecida, mas assim como em outros interiores, tem lá suas muitas limitações e sua pouca visibilidade. Porém existe uma atuação muito bacana feita por algumas pessoas, alguns ativistas que lutam em prol da causa. Eu me sinto muitíssimo orgulhoso de fazer parte deste meio.
Tendo me estabelecido aqui na cidade e levantado meu nome como drag queen aqui na cidade. E Rio Claro tem uma cena drag belíssima, temos muitas drags aqui e todas são talentosíssimas. Executam o trabalho com maestria. São excelentíssimos artistas, com um potencial fantástico e eu me sinto muito honrado de fazer parte desse grupo, estar no meio delas, drags tão talentosas.
Mas é bem verdade que não é fácil mesmo manter a sanidade por esses dias. Nós vivemos tempos obscuros politicamente falando, economicamente falando, entre outras esferas e questões. Mas eu acredito que o segredo de tudo é a fé. Nós precisamos ter fé, acreditar na força do bem, do amor, na força do universo, do sagrado. Precisamos estar conectados com o bem o máximo possível e seguir. Acho que o segredo é esse, não temer. Precisamos ter calma e agir.
A Wangora chegou na minha vida há 10 anos. Ela surgiu através do Teatro, lá na Paraíba ainda, em uma companhia da qual eu fazia parte, a Palco da Vida. Durante o período em que eu estive na companhia surgiu o personagem Wangora e, com o passar dos anos, ela foi se aperfeiçoando. Eu fui incrementando cada dia mais o personagem. Depois de um tempo eu fiz a conexão com o trabalho que eu já executava como músico, cantando. Eu uni a drag e a música e tudo deu certo.
A história do nome é um pouco engraçada, as pessoas comumente me perguntam sobre o nome, sempre têm curiosidade. Eu namorei um rapaz há uns anos e a Wangora já existia. Esse rapaz era um estilista de mão cheia, é um querido até hoje, um grande amigo. Mas quando estávamos juntos ele sempre me questionava, porque na época eu já trabalhava com a Wangora, mas ainda não tinha um nome.
A minha mensagem para outros artistas que estão chegando, o meu desejo é que sejam felizes na execução de sua arte, prósperos. Meu conselho é que eles sejam humildes e corajosos, isso é o que precisamos para a vida.
Então eu chegava a uma apresentação, a um evento, uma festa, enfim, e as pessoas perguntavam meu nome e eu dizia Wagner, que é meu nome de fato. Ele ficava inconformado com isso, dizia que eu tinha uma drag maravilhosa, bem construída, uma drag linda, mas chega em um evento e fala que é Wagner. Ele dizia que não era justo nem comigo nem com ela, achava uma falta de respeito pelo personagem. Mas para mim isso não alterava muito o meu trabalho, não interferia no que eu fazia enquanto artista, performer. Ele então sugeriu o nome.
Uma vez ele estava sentado à mesa na minha casa na cozinha desenhando um croqui, um figurino para mim. Quando ele terminou disse que já sabia qual seria o nome, que seria Wangora. Eu na hora achei péssimo, disse que deus me livre de usar um nome horroroso desses. Mas ele disse que seria Wangora porque era o Wagner de agora, Wangora. Aí eu achei realmente fantástico, a ficha caiu na hora. Apresentei o nome e deu certo.
Comecei a usar nas apresentações e teve uma aceitação muito bacana das pessoas que já me acompanhavam e das que estavam chegando para me conhecer. É incomum e forte. É um nome que realmente eu não tinha visto ainda, fui pesquisar e não vi esse nome, nenhuma drag, não existia outra. Eu muito ligeira que sou, já cuidei logo de fazer o registro do nome e da marca.
Nunca tive a pretensão de relacionar a Wangora com a minha autoestima diretamente. Mas eu seria leviano, infiel até, se por acaso eu dissesse que ela não me ajuda. Com certeza, acredito que todo artista drag tem sua autoestima realmente elevada quando está no personagem. Acho que isso é comum de todas as pessoas que exercem a arte drag. Mas tenho muito bem estabelecido quando é Wagner e quando é Wangora, apesar de os dois fazerem parte de um mesmo ser.
Sem sombra de dúvidas o encontro entre o ator, o cantor, o poeta, se dá através da figura da Wangora. Tudo isso está muito bem compactado e harmônico dentro da figura dela. Porque ela realmente é tudo isso, muito cênica, muito poética, muito sonora, muito musical. O momento em que todas essas artes se encontram de fato é quando a Wangora está presente, tudo se resume a ela.
Se sua arte é só vaidade ela não pode ser chamada de arte, ela é só vaidade. É isso que temos de nos preocupar enquanto artistas.
A minha mensagem para outros artistas que estão chegando, o meu desejo é que sejam felizes na execução de sua arte, prósperos. Meu conselho é que eles sejam humildes e corajosos, isso é o que precisamos para a vida. E como artistas, no Brasil de Bolsonaro, é de suma importância que nós sejamos valentes, tenhamos coragem para expormos nossa verdade e nossa autenticidade. Acreditando na força do amor e sendo luz por onde quer nós passemos. Ter a preocupação de tocar a vida das outras pessoas com a nossa arte, alcançar o coração das pessoas com a sua arte.
Se sua arte é só vaidade ela não pode ser chamada de arte, ela é só vaidade. É isso que temos de nos preocupar enquanto artistas. Não podemos deixar que o brilho e o glamour subam à cabeça e deixemos a militância de lado, de olhar para o nosso semelhante que precisa do artista para representá-lo.
Projetos para o futuro eu tenho, sou uma bicha bem sonhadora. Mas trazendo para a figura da Wangora, um projeto que eu tenho é poder gravar uma música. Quero gravar um álbum, mas conseguindo gravar uma música para começar já está de bom tamanho. Já tenho essas músicas, só falta conseguir os patrocínios, quem faça essa história acontecer. Mas o material já temos.
Meu maior sonho, assim como o da maioria dos artistas, é ser reconhecido pela minha arte, poder viver apenas dela. Esse é o maior sonho de todo artista. Mas não simplesmente pelo fato de ter fama e dinheiro, conseguir as coisas, mas poder através da minha arte mover a vida das pessoas, tocar pessoas, fazer as pessoas felizes, gerar alegria. Esse é meu verdadeiro sonho.
Já faço isso, mas gostaria que isso tivesse uma amplitude, um alcance maior.”
Instagram @wangoralins