Cuidado nos detalhes e inquietude artística fazem de Miranda Lebrão um exemplo de vitória na arte drag
Miranda Lebrão é uma vencedora e não apenas por ter faturado dois importantes concursos da arte drag brasileira. É uma vencedora que se espelhou em grandes divas para trilhar seu caminho, escrever livro, ser convidada para campanha no Facebook e espalhar talento, alegria e militância por onde passa – sempre muito bem montada, sempre muito cuidadosa com suas produções.
“Áries com ascendente em Câncer. Mas sou legal, eu juro!”, Miranda tem 31 anos e mora no Rio de Janeiro, apenas um local físico quando ela quer se inspirar. Isso porque, como conta à Ezatamag, é super conectada em outras drags do mundo todo para buscar referências, se aprimorar e oferecer para o público uma arte de qualidade. O nome disso é profissionalismo, preocupação com quem assiste.
Porém, ela destaca que nem sempre sua arte agrada porque “o que existe muito são as gays que se acham expert em arte drag e sempre buscam analisar e comparar a gente. Quase que com um checklist do que eles acham adequado para uma drag. Chatíssimos!”.
Direta e franca, Miranda, que já foi até selecionada para a novela “Chiquititas”, bateu um papo sobre seus vários projetos e dá alguns conselhos para manter a cabeça fresca na quarentena e para o presidente do Brasil. Descubra quais são na entrevista a seguir:
Quando você percebeu que a Miranda existia e precisava ser mostrada ao mundo? Como foi esse processo?
Miranda nunca foi uma entidade escondida que foi descoberta um dia. Eu comecei a me montar por diversão em festas, em casa mesmo, logo depois passei a frequentar outros espaços e, como já tinha experiência em palcos, foi natural chegar até eles. Eu passei a me montar mais frequentemente, e depois profissionalmente tendo em mente que essa poderia ser minha contribuição para a minha comunidade. Drag queens carregam um legado e são a expressão de seu tempo. Sempre fui admirador feroz de Elke Maravilha, Jorge Lafond e tantas outras que me inspiraram e me fizeram decidir: Eu quero fazer isso! A montação é um processo, uma criação. É nisso que eu me envolvo. Esse processo é contínuo. O fazer drag não é uma ideia que se tem e não se atualiza ou se modifica nunca. A estética está sempre envolvendo e desenvolvendo; a intenção e o conteúdo também. Por isso que estar atenta às pautas atuais mais relevantes é muito importante.
E como foi enfrentar o preconceito?
Não enfrentei preconceitos maiores por ser drag do que enfrentei por ser gay. Minhas dificuldades sendo dissidente dessa cultura cis-hétero-normativa forjaram muito minha resistência. As pessoas cis-hétero ainda têm muitas questões com expressões de gênero e com as figuras artísticas das drags. Mas meu público está majoritariamente dentro da comunidade LGBTI, o que diminui questões de preconceito. O que existe muito são as gays que se acham expert em arte drag e sempre buscam analisar e comparar a gente. Quase que com um checklist do que eles acham adequado para uma drag. Chatíssimos!
O que você pode dizer para artistas que estão começando e enfrentam esses desafios pelos quais você já passou?
Cada artista vai experimentar caminhos e vivências muito específicas. Eu acredito muito na construção de comunidade. Eu diria: busque estar com pessoas que te inspire! Procure por quem pensa e entende suas responsabilidades diante de uma sociedade tão racista, misógina, gordofóbica e preconceituosa em geral. E isso não é papo de militante de internet. A gente é sempre mais forte juntas!
Me conta do livro, quais são os “Conselhos Que Ninguém Pediu”. Quais são?
É meu projeto mais recente (compre clicando aqui) e que tem me dado muitas alegrias. O livro reúne histórias minhas, desde a infância até os perrengues que já vivi na estrada. É uma mistura de histórias em que tento ressignificar vários acontecimentos, oferecendo uma visão divertida e bastante pessoal de tudo isso. Escrever o livro foi uma forma de honrar a criança viada que eu fui; além de rir dos causos estranho que já me aconteceram e que sempre dividi com amigos. Ali tem relatos da época da escola fazendo sucesso mesmo sendo afeminada, conto sobre quando fui selecionada para participar da novela Chiquititas, também compartilho confusões em aeroporto e muito mais. É um livro de crônicas com uma leitura fácil e divertida.
Quem está precisando de conselhos hoje em dia no nosso País?
Acho mais fácil dizer quem não está precisando! Estamos todes tão absorvidos pelas crises atuais que todo mundo está aceitando um conselho ou uma dica de como tornar a vida menos complicada. Mas pensando num contexto de Brasil: eu queria muito aconselhar o Bolsonaro a renunciar!
Quais conselhos você daria para mantermos a cabeça fresca na pandemia?
Pense que não é só você que está na merda! Às vezes a gente acha que a vida está de implicância com a gente. E não é verdade. Ela está implicando com muita gente ao mesmo tempo. Se isso vai refrescar a cabeça eu não sei. Mas dá um novo senso de realidade e isso pode ser bom!
Super vencedora, me conta como foi o Rival Rebolado. Por que é importante manter viva essa nossa cultura?
O Rival Rebolado foi um projeto que aconteceu na revitalização do Teatro Rival e Rivalzinho (bar/festa promovido pelo Teatro). Foi durante 3 anos uma grande homenagem ao teatro de revista, ao burlesco e à arte do transformismo. É um projeto que eu tenho muito orgulho de carregar na minha história. O Rival Rebolado promoveu o concurso de drags, e ao longo de 2017 (ano que eu venci) participei de várias edições oferendo shows dentro da temática exigida pelo concurso. Eu pude experimentar e oferecer perfomances muito emblemáticas para mim. Tive a oportunidade de fazer perfomance circense utilizando o trapézio, mais dramática como da vez que raspei meu próprio cabelo no palco ou como da grande final em que fiz um grande deboche vestida de peru de Natal. O palco do Teatro Rival é histórico. Por ali já passaram Dercy Gonçalves, Rogéria, Jane di Castro, Lorna Washington, Cassia Eller. Tenho muito orgulho de ter ali uma participação. Toda vez que volto ao palco do Rival eu sinto que estou em casa.
Não satisfeita, você também venceu o Milk Shake. É um reconhecimento ao seu trabalho?
O Milkshake foi um passo além. Foi um concurso nacional com uma última fase no palco do festival em São Paulo, diante de um júri de muito peso: Rita Von Hunty, Ikaro Kadoshi, Penelopy Jean, Salete Campari e Miss Biá, que nos deixou recentemente. Foi sem dúvida o reconhecimento pela minha desenvoltura e pelo trabalho que eu aplico na minha carreira. Depois disso eu ainda fui para Amsterdã, performar no festival de lá. Outro momento memorável.
Você acha que a arte drag tem crescido ultimamente?
Tem sim. A internet tem sido fundamental para isso. Eu acompanho, por exemplo, drags do mundo inteiro e isso permite que a gente esteja sempre conhecendo novas drag queens e drag kings que estão executando trabalhos incríveis. Além disso, tem todo uma geração que descobriu a arte drag com o programa Rupaul’s Drag Race, que é um estouro de sucesso. Muitas artistas surgiram inspiradas no programa. Hoje a gente tem drag queens que são celebridades mundial, milionárias. Isso nunca aconteceu antes!
Instagram @miranda_lebrao