“Kika” é uma obra que caminha para um thriller banhado de vermelho e um kitsch inconfundível

Por Eduardo de Assumpção*

“Kika” (Espanha, 1993) Kika está mais para um exercício cinematográfico do que um filme de Almodóvar. Após a consagração internacional com “A Lei do Desejo(1987)”” e Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos(1988), e antes de iniciar a fase mais madura com A Flor do Meu Segredo(1995)”, o diretor espanhol realizou essa comédia, tão maluca, quanto irregular.

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Kika (Veronica Forqué) é uma maquiadora extravagante que um dia é chamada por Nicholas(Peter Coyote) para maquiar um morto, seu enteado Ramón(Alex Casanovas), Com uma lâmpada, ela acaba por reanimá-lo e a partir de então, a moça, e ele, que é um fotógrafo de moda, começam um casamento.

O filme, no entanto, é recheado de momentos almodovarianos, como Bibi Andersen fazendo sua dublagem de “Luz de Luna”, de Chavela Vargas numa varanda, ou pela própria participação da mãe de Almodóvar, Dona Paquita, como uma apresentadora de TV.

Talvez o grande destaque aqui, seja a crítica que Almodóvar faz ao espetáculo televisivo, com Lo Peor del Dia, apresentado pela implacável Andrea Caracortada (Victoria Abril). O programa é um show de horrores sensacionalista, e além de servir monólogos únicos é vestido por Jean Paul Gaultier.

Aos poucos a obra caminha para um thriller banhado de vermelho e um kitsch inconfundível, quando Nicholas passa a ser suspeito de diversos assassinatos, ou quando Kika, em cenas que seriam problemáticas nos dias de hoje, é estuprada pelo famoso ator pornô Paul Bazzo (Santiago LaJusticia). O nome é um trocadilho impagável que só funciona em espanhol.

Bazzo é primo de Juana (Rossy de Palma), a funcionária fiel apaixonada por Kika. É nesse cenário da cozinha que Rossy de Palma rouba a cena em diversos momentos trazendo para a tela sua beleza característica em um de seus maiores papéis com o diretor.

Almodóvar presta homenagem à “Janela Indiscreta”, de Hitchcock, tendo como elemento chave da trama o voyeurismo. Como vítima do desejo voyeur masculino, Kika também é pacificada e, em um nível simbólico, a vida. A câmera, sempre ligada no capacete de Caracortada, também antecipa o mundo hiperconectado.

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com

Instagram: @cinematografiaqueer

Twitter: @eduardoirib