Íris é Ítalo, é homem, mulher, gente, alma e coração que dançam para se entender
O leitor há de me permitir escrever em primeira pessoa sobre uma inspiradora história que prova o poder da conexão, como abrir-se, permitir-se e abraçar o mundo só faz bem a todos. A cientista política Caroline Silva é nossa colunista que eu conheci porque ela trabalha em Brasília com a minha irmã. Acertamos a colaboração dela, que com sensibilidade me falou: eu tenho um amigo na Bélgica (onde ela estudou) que eu acho a cara da proposta da Ezatamag.
Essa proposta da Ezatamag, reforçando, é acolher, construir autoestima, mostrar lutas individuais que se tornam coletivas porque são humanas, cheias dos sentimentos de todos. Foi assim que cheguei a Ítalo, ou Íris, tanto faz. Fluido, fluida, corajoso, corajosa, talentoso, talentosa. Uma história grande o bastante para caber todos os gêneros. Mas eles não dão conta de definir Íris, que também se sente Ítalo e tem aprendido a conviver em paz com os dois.
Sem ter feito tratamento hormonal propriamente dito, se tornou mulher/homem/gente/coração/alma e artista para dançar em nome de libertação. Ainda morando em Bruxelas, onde a aceitação aos LGBT é muito maior do que no Brasil, um dos motivos de sua permanência, usa seu corpo fluido – um corpo do gênero humano acima de qualquer rótulo – para dançar e se entender melhor, ajudando outras e outros a se entenderem melhor.
“Canceriano com ascendente em câncer, muito provavelmente o inferno astral de muitos dos leitores rs”, aos 27 anos Íris está apenas começando sua história, mas tem se construído com a certeza de que todes podem ser o que sentem que são, e isso só diz respeito a cada um. A cearense nascida em Fortaleza está lançando um vídeo justamente para discutir o assunto, “Deliria Tropicae”, e abaixo fala um pouco mais sobre como libertar-se de si mesmo, do que os outros construíram para nós, é um dos caminhos mais certos que temos a seguir:
Eu amei a sua história, aí fiquei super curioso. Eu queria saber primeiro como você quer que eu te chame na matéria, Íris ou Ítalo, ou tanto faz?
Na verdade, tanto faz. Eu sou uma pessoa fluida, que não liga muito para essas questões de “ele” e “ela” na minha experiência de vida, mas que aprecia saber que as pessoas estão começando a entender nossa complexidade.
Eu entendi o quão reprimido eu era e comecei esse processo de desconstrução, tão custoso, e confuso, mas também tão necessário.
Há quanto tempo você está morando fora do Brasil? Como foi essa mudança?
Há 5 anos, eu havia terminado o curso de Linguística Aplicada e Literatura na Universidade Federal do Ceará e resolvi alçar novos voos. Acabei vindo para Bélgica estudar francês e as coisas foram acontecendo. Foi um processo muito louco de adaptação. Embora muitas vezes quando pensamos em morar fora do País, achamos que nada será mais difícil do que enfrentar as adversidades que temos no Brasil. Mas no final das contas você acaba tendo que gerenciar uma série de outras questões tão intensas quanto aquelas que vivemos em nosso País. Talvez no meu caso foi esse unplug da minha cultura que me fez entender melhor como indivíduo. Eu entendi o quão reprimido eu era e comecei esse processo de desconstrução, tão custoso, e confuso, mas também tão necessário.
Você está estudando dança? Por que a escolha pela Bélgica?
Estudei Direito e depois entrei em um mestrado em Ciências Políticas onde conheci a Carol. A dança para mim sempre foi uma válvula de escape. Eu sempre amei dançar, mas sempre em casa. Minha mãe vai me matar quando ela ler isso, mas eu já cheguei a faltar aula para fazer performances sozinho. Enfim, eu acho que minha relação com a dança evoluiu muito depois que cheguei em Bruxelas. O acesso a outras culturas e, acima de tudo, da cultura negra, em especial a cultura negra e queer, contribuiu muito para essa minha relação com a dança. A Ballroom culture retratada na série “Pose” está mudando a vida de muitas pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQI+ e com certeza ela mudou a minha vida.
Como dançar faz você se sentir melhor?
Acho que a dança é uma forma poética de exorcizar todas as energias, e no meu caso ela é uma válvula de escape para minhas questões de gênero. Através dos meus movimentos eu me sinto livre pera expressar meu lado mais masculino e também meu lado mais feminino.
A dança teve alguma influência na sua transição? A arte sempre ajuda?
Eu não fiz uma transição hormonal, propriamente dita. Eu sempre fui bastante andrógino. E quando conheci a Carol estava bloqueando meus níveis de testosterona, o que mexia muito comigo. Eu senti que eu estava matando o Ítalo (meu lado masculino) e me tornando alguém novo. Eu sempre reprimi muito minha feminilidade, até quando tive esse unplug da minha cultura, como te falei. Eu precisei me conhecer primeiro para entender que eu não entro nas descrições do que é ser um homem ou uma mulher. E a dança fez parte desse processo de aprendizagem. De conhecer o meu corpo e entender o que as pessoas achavam feminino.
Através dos meus movimentos eu me sinto livre pera expressar meu lado mais masculino e também meu lado mais feminino.
Quais foram as principais dificuldades que você enfrentou? O que você pode dizer para quem está passando pelas mesmas coisas?
O entendimento da nossa identidade de gênero sempre será um processo confuso em algum momento. O que pessoas fluidas e trans podem fazer para amenizar esses períodos é buscar pessoas que entendam o que elas passam. Se inspirem em tantos exemplos de sucesso dentro da nossa comunidade. E acima de tudo aceitem-se. Esse é o primeiro passo.
Você quer transmitir algum tipo de mensagem quando você dança?
Sim, estou fazendo um trabalho com uma trupe de teatro e nesse espetáculo falamos muito das questões que rodeiam a comunidade LBGTQI. Entre essas histórias, meu personagem tem a função de mostrar através dos movimentos essa desconstrução do que é o feminino e o que é o masculino. Algo que os Dzi Croquettes fizeram na década de 70 no Brasil.
A Bélgica é um país melhor do que o Brasil para quem é LGBT?
Olha essa pergunta é realmente interessante, sobretudo nesse momento onde os LGBTQI+ começam a ganhar mais amplitude na política nacional aí no Brasil. A Bélgica é um bom exemplo a ser seguido no que diz respeito às leis que nos protegem em caso de homofobia ou transfobia. Nós somos o segundo país do mundo com mais leis desse tipo. E isso traz um reflexo bem positivo na sociedade. São essas leis que nos protegem do fanatismo conservador, como o do Bolsonaro, aqui na Europa.
Eu precisei me conhecer primeiro para entender que eu não entro nas descrições do que é ser um homem ou uma mulher. E a dança fez parte desse processo de aprendizagem.
Você pretende voltar ao Brasil?
Talvez, mas em futuro mais distante. Eu continuo com alguns trabalhos no Brasil, mas gosto de estar livre no mundo. Eu sinto que ainda preciso beber mais de outras culturas e viver outras experiências.
Instagram @irisitalotmr
Ulisses
01/10/2019 16:04
Amei essa entrevista com Ítalo/Iris. Como só existe aquilo que pode ser nomeado, a divulgação del@ e a explicação de seu gênero fluido certamente servirá para ancorar e libertar muita gente que se vê no mundo de forma parecida, mas a quem falta auto-aceitação e entendimento por falta de referências. Parabéns!
Ivana cerqueira
01/10/2019 18:03
Conheci o Italo, dei aulas de inglês na mesma escola que ele. Fico tão feliz de vê-lo realizado! Uma pessoa extremamente criativa, disciplinado, inteligente e de um coração gigante. Parabéns pela matéria!
Fernanda
01/10/2019 22:10
Parabéns Italo por ter a liberdade de poder ser quem vc quer ser. Você é um grande exemplo pra todos aqueles que de uma forma ou de outra precisam encontrar sua verdadeira identidade !