Spadina Banks leva seu show dos palcos para o Instagram para fazer sorrir em tempos delicados

É com muito bom humor, cor e figurinos que Spadina Banks espalha de Salvador para o mundo seu sorriso largo e sua mensagem de alegria, amor e apoio. Faz quatro anos que ela nasceu, canceriana assumida, cheia de humor e com uma história que inclui sim intolerância, mas não deixa perder seu brilho.

Em tempos de isolamento social com todo mundo em casa, Spadina e a amiga Aimee Lumiere começaram a série de lives “Show Inédito”, um projeto que a dupla já tinha anteriormente uma vez ao mês no Âncora do Marujo – bar que, em tempos normais, produz shows de dragz a semana inteira. Um espaço de resistência que fez 20 anos e carrega a história do transformismo na Bahia.

“Eu como drag já passei por situações de intolerância muito desagradáveis. A luta é diária. Não sei dizer bem como pode mudar, mas vejo muita gente na comunidade lutando diariamente por respeito, reconhecimento, visibilidade”, conta na entrevista a seguir:.

Ainda existe muita intolerância contra os LGBT em Salvador? Como isso pode mudar?

Infelizmente, minha cidade não é exceção. Aqui a homofobia e transfobia estão presentes. Eu como drag já passei por situações de intolerância muito desagradáveis. A luta é diária. Não sei dizer bem como pode mudar, mas vejo muita gente na comunidade lutando diariamente por respeito, reconhecimento, visibilidade. Eu creio que o caminho é esse mesmo, não abaixar a cabeça e não diminuir a nossa existência para se encaixar em nada. É uma mudança que ocorre a passos lentos, mas se você comparar com 10 anos atrás consegue apontar mudanças no comportamento, direitos conquistados… Estamos caminhando, mesmo estando vivendo um governo que tem como projeto a nossa aniquilação.

Eu creio que o caminho é esse mesmo, não abaixar a cabeça e não diminuir a nossa existência para se encaixar em nada.

Há quanto tempo você começou a perceber que precisava se transformar e ser quem você sentia que era? Como foi esse processo de deixar aflorar a Spadina?

Desde que eu me mudei para Salvador para estudar eu tive contato com shows de drag. Conheci Valerie Ohara, Mitta Lux, Kaysha Kutner fazendo shows em bares que lotavam. Achava aquilo incrível e me identificava muito com a arte e tudo mais. Porém 9 anos atrás eu não tinha um pingo de coragem de peitar a sociedade e padrões como elas faziam, então era algo que eu admirava muito, mas não me via fazendo. O processo de Spadina aflorar foi muito esse processo de fortalecimento meu como pessoa, como viado. Meu maior obstáculo com certeza foram as milhares de amarras que eu tinha e até problemas de autoestima mesmo, todos giravam muito na questão do ser gay mesmo. Essa jornada de autoconhecimento e empoderamento gerou a minha drag.

“Meu maior obstáculo com certeza foram as milhares de amarras que eu tinha.”

Como superar os obstáculos? Bons exemplos podem inspirar outras pessoas a serem mais felizes?

Essa “busca” é muito subjetiva e tem pontos de partidas diferentes para cada um. Eu vejo hoje adolescentes de 15 anos que já são assumidos e vivem suas realidades tranquilamente, para mim não foi tão simples assim. Então o que ajuda nessa busca é conhecer sua história, buscar conexões, fortalecer sua identidade mesmo. E é aí que entra essa questão de bons exemplos e personalidades LGBT que têm voz ativa nas redes sociais e na mídia como um todo. Eu acho que faz toda a diferença você ter acesso a pessoas que se aproximam da sua realidade e você pode criar alguma conexão com as histórias. Bons exemplos nos inspiram sempre. Esse é o ponto quando se fala em representatividade e visibilidade. A juventude LGBT e preta também tem o direito de se identificar nas narrativas que são apresentadas amplamente na música, cinema e TV.

Eu vi que você tem feito várias lives durante a quarentena. Como tem sido esse período para você? As lives te ajudam neste tempo delicado que vivemos?

Então, na primeira semana que o isolamento se tornou uma realidade aqui em Salvador eu e minha amiga Aimee Lumiere, que é uma drag incrível também, começamos o projeto do Show Inédito. Um adendo: Show Inédito é um projeto que a gente já tinha anteriormente e nos apresentávamos uma vez no mês no Âncora do Marujo, um bar que tem show de drag a semana inteira, um espaço de resistência que fez 20 anos e carrega a história do transformismo na Bahia. É um lugar mágico. Voltando, na primeira semana já nos propomos a fazer esse show, não tínhamos referência nenhuma do que fazer ou de como fazer, então fomos no feeling, dublando músicas, conversando, comentando coisas da semana, chamando convidados. E deu super certo. Começamos a receber mensagens de amigos e fãs de como aquelas 2 ou 3 horas tinham elevado a energia deles, tirado de lugares de ansiedade e aflição. Confesso que chorei quando fui lendo essas mensagens que eu recebi e, ao mesmo tempo, eu percebi também que a live fez bem a mim também, me deu um propósito e manteve minha arte viva. Arte cura, isso é muito verdade. E o negócio foi tão bom que acabamos criando um projeto paralelo, chamado Rádio Inédita. Então fazemos duas lives na semana, a Rádio Inédita nas segundas e o Show Inédito nas sextas.

Bons exemplos nos inspiram sempre. Esse é o ponto quando se fala em representatividade e visibilidade.

Antes da quarentena você fazia também a festa Shantay, que provocou uma mudança na noite LGBT de Salvador.

A festa tem um pouco mais de 2 anos e reside na SAN, a maior boate LGBT da Bahia. Porém antigamente era conhecida por ter um público bem específico, composto em maioria por gays homens cisnormativos. A festa entrando lá simbolizou um novo diálogo entre os públicos, consegue misturar as gays afeminadas com os padrões, tocando pop e eletrônico, em duas pistas, além de performances e de abrir oportunidades para muitos artistas drag. A boate cresceu com todo esse movimento. Hoje tem drags residentes, eu sou uma delas, e praticamente todas as festas tem drags envolvidas de algum modo. Isso abre o diálogo e as possibilidades dentro do cenário do entretenimento LGBT também. Não só lá, mas a cidade como um todo vai abrindo portas para as artistas, isso se dá não só por nossos esforços e talento, mas também é um reflexo de uma mudança social que admite mais essas novas narrativas. Pabllo Vittar é um dos maiores nomes da música pop hoje e é uma drag queen, isso é incrível. Nas pequenas esferas essas pequenas revoluções também estão acontecendo. E, modéstia à parte, a Shantay é absolutamente tudo. É a melhor festa que existe 😍

“O que ajuda nessa busca é conhecer sua história, buscar conexões, fortalecer sua identidade mesmo.”

Ainda temos muito a fazer para conquistar uma sociedade mais tolerante?

Ainda temos muito o que fazer com certeza. Principalmente depois das eleições de 2018, que desmascararam muita gente e revelaram uma quantidade assustadora de pessoas ignorantes, intolerantes, medíocres e talvez até perversas. Estamos vivendo tempos sombrios e vendo nossos direitos ameaçados o tempo inteiro. É desgastante, é cansativo, mas estamos resistindo e eu acredito que sairemos dessa pandemia e desse desgoverno fortalecidos. Que nossa luta e resistência nos levem a um caminho de tolerância, eu torço.

Qual seu sonho?

Qual meu sonho é a pergunta mais difícil de responder (risos). Acho que viver da minha arte é um grande sonho. Poder inspirar pessoas, me comunicar e levar alegria (muito brega) sem ter que estar tão preocupado em como vou pagar meus boletos.

Instagram @spadinabanks