Transformei minha indiferença ao meu aniversário em presentes para 30 mulheres trans 

O último sábado foi dia de esquentar o meu coração entregando as doações que arrecadei no meu aniversário para a Casa Florescer, centro de acolhida de mulheres trans aqui em São Paulo (saiba mais aqui). Meu aniversário foi no último dia 7 e eu decidi que em vez de ganhar presente, ainda mais em tempos de distanciamento, eu gostaria que as pessoas fizessem uma doação para a Florescer. E elas fizeram.  

Consegui arrecadar R$ 1 mil de amigues muito dispostes a deixar o mundo mais feliz. Gente que doou várias quantias, mas todes com um valor inestimável de carinho, amor e empatia. Prestando contas aqui, as doações foram feitas na minha conta pessoal porque eu queria poupar ao Alberto, que gerencia a Casa, o trabalho de comprar o que fosse indicado. 

Então eu aproveitei minha amizade com ele para falar francamente: o que vocês precisam aí? Eu já tinha a ideia de levar para cada uma delas como doação minha um kit para fazer unhas, com acetona, algodão, esmalte, aquele palito onde enrola o algodão, alicate e lixa por um motivo muito especial. 

Em uma das minhas visitas à Florescer eu conversei com uma moça que estava fazendo as unhas e a cada pincelada dava um sorriso. Ela reclamou que nem sempre tinha dinheiro para comprar esmalte, acetona e etc. E eu vendo como fazia bem a ela fazer as unhas, decidi que a minha doação seria um kit com essas coisinhas que elas amam – capazes de operar uma diferença gigantesca na vida delas. 

 

Hoje em dia realmente não me entristeço se alguém lembra ou não do meu aniversário. Ganhar presentes também me deixa sem graça, nunca acho que agradeci o bastante, nunca acho que a pessoa viu o quanto eu gostei.

 

Falei ao Alberto sobre minha ideia e ele aproveitou para reforçar como a autoestima é essencial, determinante mesmo, na retomada das meninas. Porque elas estão ali para terem uma nova chance, encontrar a si mesmas depois de períodos traumatizantes. Ficar belíssima é um remédio potente contra qualquer depressão, tristeza ou desânimo que chegue por ali. 

Então além do kit para as unhas eu comprei o que o Alberto disse que as meninas adorariam ganhar: um espaço da beleza mais equipado. Este espaço existe na Florescer, é de uso coletivo e abriga secador de cabelo, espelho e tudo mais para elas se embelezarem. Mas elas estavam precisando de novos equipamentos.  

Então minha manhã de sábado foi me jogando no centro paulistano para comprar três secadores de cabelo, três chapinhas, um babyliss, 30 esmaltes, 30 acetonas, 30 caixas de algodão e 30 kits com alicate/palito/lixa. Por duas vezes fui questionado se estava abrindo um salão de beleza. E não é que pode-se dizer que sim? 

Porque quando eu cheguei à Florescer as meninas já ficaram animadíssimas com os secadores. “Este aqui que a gente tem está quase pegando fogo!”, alertou uma delas. Agora o grupo de cerca de 30 meninas tem secador, chapinha e babyliss para o picumã, além de kit para as unhas, e motivos para se sentirem ainda mais bonitas, se verem bonitas. 

E eu recebi muitos parabéns pela minha atitude, mesmo dizendo que não queria. Também não apareço nas fotos da entrega porque acho cafona. Mas como eu tinha pegado dinheiro de outras pessoas, eu precisava fazer um registro do tipo: gente, comprei as coisas e entreguei para as meninas, o dinheiro de vocês chegou até elas, olha a foto. Para minha surpresa, elas tinham combinado de cantar um “Parabéns” para mim – e eu fiquei super sem jeito. 

Sim, sem jeito. Capricorniano de 7 de janeiro, nunca fiz muita festa no meu aniversário. Quando criança, todo mundo estava de férias, não tinha como convidar os amiguinhos. Cresci, fui achando coisa mais importante para me importar e hoje em dia realmente não me entristeço se alguém lembra ou não do meu aniversário. Ganhar presentes também me deixa sem graça, nunca acho que agradeci o bastante, nunca acho que a pessoa viu o quanto eu gostei. 

 

Agora o grupo de cerca de 30 meninas tem secador, chapinha e babyliss para o picumã, além de kit para as unhas, e motivos para se sentirem ainda mais bonitas, se verem bonitas.

 

Então eu decidi reciclar essa energia. Em vez de ser indiferente ao meu aniversário como fiz nos últimos muitos anos, decidi pedir presentes sim, sem vergonha alguma porque não era em meu proveito e o destino final era muito nobre. E foi uma tarde deliciosa de sábado porque tinha gosto de carinho, tinha cheiro de querer bem e textura de amor ao próximo.  

Entreguei tudo ao Alberto, ele decidiu a logística de distribuição, e quando eu fui embora todas elas estavam com seu kit em mãos e doidas para testar os secadores, as chapinhas e o babyliss. Umas mais tímidas, outras mais despachadas, mas todas agradecidas. 

Eu cheguei em casa tão energizado que confesso que foi difícil dormir, desligar a cabeça daquele dia. Eu ficava imaginando que um simples gesto meu (simples sim, não me acho magnânimo) transformou o dia delas – e vai continuar transformando até os secadores, as chapinhas e o babyliss queimarem, até o esmalte acabar. 

Mas aí a gente se reúne e compra tudo de novo para essas lindas que merecem o mundo todo.