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COMO É DIFÍCIL TORNAR-SE HERÓI

Por Hélio Filho

Reynaldo Gianecchini não precisava revelar detalhes sobre sua sexualidade para ganhar mídia, ter repercussão. No auge de sua carreira no Teatro e na televisão, não é daqueles esquecidos que usam a saída do armário para voltar à tona – estes, mesmo que pelos motivos errados, mesmo que não pelo talento, mesmo que baseados na polêmica que a sexualidade de uma pessoa, em 2019, ainda desperta.

Gianecchini teve a coragem de colocar a cabeça para fora enquanto muitos outros disfarçam para serem “aceitos”, fecham as portas de seus armários em uma realidade atual nada favorável para quem não é heterossexual. É quando a onda de conservadorismo aperta, e justamente por causa dela, como ele mesmo diz na entrevista, que um dos mais desejados homens do Brasil se arrisca a ter sua imagem arranhada.

Porque sim, não ser heterossexual é inaceitável na maioria dos lares brasileiros, sejamos sinceros. Ainda se escandalizam com beijos gays mesmo que cheios de contexto, arte, beleza e afeto. “Mas beijo gay em novela de época não faz sentido”, dizem, esquecendo que homossexualidade existe, pelo menos (beeem pelo menos) desde a Grécia Antiga – no século XIX então… o babado já era certo.

É quando a onda de conservadorismo aperta, e justamente por causa dela, como ele mesmo diz na entrevista, que um dos mais desejados homens do Brasil se arrisca a ter sua imagem arranhada.

É nestas casas caretas e que a cada dia veem seus preconceitos mais validados pelo zeitgeist que a informação da entrevista dele ao jornal “O Globo” chegou. As mesmas casas que assistiram aquele galã que umedecia a nação. Do italiano do Benedito Ruy Barbosa ao mecânico do Silvio de Abreu, passando pelo atual bom vivant de Walcyr Carrasco – este, despertando corações ao se redimir pelo mal que fez à amada Maria da Paz. Um fofo.

É preciso inteligência para entender que Reynaldo disse que não levanta bandeiras, mas, porém, contudo, no entanto, todavia – de forma sutil, querendo ou não -, levantou a bandeira mais do que imagina. É quase certo que ele saiba disso. Percebeu que o tempo fechou para o nosso lado, é preciso ser muito cego para não enxergar nossa perda de espaço e consequente triste caminhar em direção à teocracia cristã distorcida, distópica.

Um dos principais símbolos-sexuais masculinos do Brasil se arriscou, mas foi recebido cheio de pedras. Acusado de tardio, de não ser militante, de ser privilegiado o bastante para poder, somente agora, fazer essas revelações. Mas é cruel medir o tempo do outro pelo seu. O seu somente agora para ele pode ser o agora é a hora, ou ainda não, mas vai mesmo assim.

Sucesso no Teatro ao lado de Ricardo Tozzi com “Os Guardas do Taj”

É preciso respeitar o outro, o tempo do outro, o rótulo que o outro escolheu – ou a ausência de um. Foi o que Gianecchini fez, disse que não se encaixa em gavetas, não gosta de rótulos. E tudo bem. Ney Matogrosso segue uma linha parecida. Contou do medo do preconceito ainda cedo em sua vida, e não despertou nenhuma empatia.

A chuva de críticas, além de improdutiva, parece nos dizer que os LGBT que o criticam esquecem de como é dura a nossa infância. Não nos encaixamos naqueles rótulos (e o medo do futebol?), nossos colegas zombam de nós justamente porque não nos encaixamos nestes rótulos. A gente sofre, chora, é pesado, deixa marcas.

Mas a gente cresce e aprende a respeitar o outro justamente porque nunca esqueceu como foi difícil lá atrás. A gente teve o nosso tempo, e foi diferente do tempo do outro. Alguns se tornam militantes em ONGs, em partidos políticos ou grupos afins. Outros militam em seu entorno, em seus trabalhos.

É preciso inteligência para entender que Reynaldo disse que não levanta bandeiras, mas, porém, contudo, no entanto, todavia – de forma sutil, querendo ou não -, levantou a bandeira mais do que imagina. É quase certo que ele saiba disso.

Mas não se pode exigir essa consciência de todos – que será alcançada tão somente se soubermos acolher e educar. Não lance pedras no rapaz, chame para uma conversa. É preciso criticar menos e explicar mais. Aproveitar a oportunidade da abertura dele para falar sobre o assunto para dizer sobre a forma construtiva de fazer isso.

Mas, acima de tudo, precisamos lutar pelos nossos direitos sabendo que nem todos virão junto, mesmo que os ganhos sejam coletivos. Nem todos concordam, ajudam, entendem, valorizam, mas, mesmo assim todos aproveitarão o bônus. Lutemos por todos, principalmente pelos que não lutam.

Sim, é difícil tornar-se herói.

2 Comments
  1. Hiago Lima

    02/10/2019 00:26

    Simplesmente perfeito! Parabéns pelas palavras e reflexão . Que este texte alcance muitas pessoas .

  2. Roger

    10/10/2019 01:54

    Uma grande verdade… Essas militantes de redes sociais só saber julgar, cancelar, e atacar. Querem respeito (merecem respeito) mas estão esquecendo como respeitar.

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