Morte Lorena Muniz expõe necessidade de quebra de preconceitos para atendimento pleno do SUS a pessoas trans 

A morte da modelo trans de 25 anos Lorena Muniz há duas semanas em São Paulo expôs, mais uma vez, a necessidade de quebra de preconceitos para a universalização do Sistema Único de Saúde (SUS). Lorena morreu depois de um incêndio em uma clínica de estética em São Paulo (SP) em 17 de fevereiro, onde realizava um procedimento de colocação de prósteses mamárias. 

Ela morreu anestesiada após ser deixada na sala de cirurgia pelos funcionários da clínica e inalou fumaça por conta do incêndio. Luana viajou de Recife (PE) à capital paulista apenas para fazer o procedimento estético. O corpo de Lorena foi sepultado na tarde do último sábado (27) em Paulista, Grande Recife.

A morte de Luana provocou uma onda no movimento militante pela definitiva universalização do SUS. Em nota oficial, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) explicou que “infelizmente, Lorena é mais uma vítima da opressão de gênero, da pressão estética cissexista e do descaso do estado nos cuidados da saúde específica da população trans. E este não é um caso isolado”. 

Lorena é mais uma vítima da opressão de gênero, da pressão estética cissexista e do descaso do estado nos cuidados da saúde específica da população trans. E este não é um caso isolado.

Ainda de acordo com a entidade, “esse caso ganhou repercussão rapidamente nas redes sociais, pois essa clinica é muito procurada, especialmente por pessoas Trans de todo o Brasil para os seus interventos, mas é de se espantar a falta de cuidados com esse caso. Também foram as redes sociais que viralizaram um vídeo feito pelo seu namorado Washington Barbosa denunciando a situação, apenas três dias do ocorrido. A partir daí uma intensa mobilização aconteceu para que ele pudesse chegar a São Paulo e acompanhar a sua namorada de perto”.  

E continua: 

“Sabemos que há uma fila de espera de anos para o acesso aos procedimentos previstos no processo transexualizador do SUS, que enfrenta dificuldades pela falta de investimentos e pelos congelamentos dos gastos em saúde, onde não há profissionais, hospitais e ambulatórios suficientes no país e que durante a pandemia houve uma paralisação em cerca de 70% nas cirurgias e atendimentos previstos para a saúde específica das pessoas trans. Todo esse cenário de descaso, abandono e exclusão, aliados a transfobia institucional e a invisibilidade de nossas pautas em espaços de discussão e construção sobre direitos sociais, faz com que grande parte da população trans acabe se submetendo a modificações corporais pouco planejadas, realizem procedimentos clandestinos e/ou hormonização sem acompanhamento médico especializado, sendo obrigadas a buscar profissionais que acabam por se aproveitar de nossa vulnerabilidade, expondo a população Trans a poucas garantias de resultados satisfatórios e uma assistência quase inexistente durante o processo posterior aos procedimentos. Especialmente aqueles profissionais conhecidos por nos tratarem como mercadoria e sem nenhum compromisso com nossas vidas. 

Lorena foi abandonada na clínica em chamas

Isso, inclusive tem impacto na baixa estimativa de vida da população Trans. Que enfrenta os piores índices de acesso à saúde e aos cuidados relacionados à transição ou à saúde específica. Enfrentando ainda uma formação médica deficiente para o cuidado dos corpos trans, além das transfobias institucionais nas unidades de saúde que acabam por não respeitar a identidade de gênero ou o nome social, causando o afastamento de nossas populações das buscas pelos cuidados em saúde. 

Muitas dessas clínicas e médicos são bem conhecidas pela população Trans pelo baixo preço oferecido e pelo acesso facilitado com pouco rigor no processo pré-cirúrgico, nos espaços onde são feitas as consultas e cirurgias, e pelo fato de não existir fiscalização específica para esses profissionais que mantém uma rede de atendimento que utiliza casos satisfatórios de resultados como propaganda, mas apaga os erros médicos e ignora/silencia pacientes que enfrentam problemas. 

Não podemos deixar esse caso impune. É urgente que a discussão sobre a garantia do acesso e cuidados com a saúde da população Trans faça parte do cotidiano de gestores, parlamentares, trabalhadores da saúde, e de toda a sociedade, a fim de que possamos construir estratégias de acolhimento das demandas, melhoria nos serviços e ampliação da rede de cuidados. Envolvendo a formação médica especializada, capacitação das equipes técnicas e unidades de saúde para o atendimento de nossa população e para o enfrentamento de casos como o de Lorena, pois infelizmente não é o único. 

Sem acompanhamento médico especializado, sendo obrigadas a buscar profissionais que acabam por se aproveitar de nossa vulnerabilidade, expondo a população Trans a poucas garantias de resultados satisfatórios.

Nossa mais profunda solidariedade ao Tom e familiares de Lorena. Que o conforto chegue a seus corações nesse momento tão difícil. Seguiremos juntas e gritando por ela para que este caso, tenha um desfecho que seja capaz de trazer justiça aos responsáveis pela sua morte e todo sofrimento causado à sua família, amigos e pessoas que tiveram contato com esse triste episódio. E nos colocamos inteiramente empenhadas a fortalecer a luta contra impunidade e pela responsabilização dos culpados. 

Não podemos deixar esse caso sem solução e tampouco deixar de lutar pelo SUS universal, equânime e integral para garantia de nossas vidas saudáveis. Seguiremos em luto, na luta.” 

INVESTIGAÇÃO 

O Ministério Público de São Paulo instaurou no dia 24 de fevereiro procedimento para investigar as circunstâncias dos fatos que desencadearam na morte da modelo. O Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi) é o responsável pela apuração. 

Sabemos que há uma fila de espera de anos para o acesso aos procedimentos previstos no processo transexualizador do SUS.

Foram requisitadas informações da Vigilância Sanitária e alvará do Corpo de Bombeiros pela promotora de Justiça Maria Fernanda Balsalobre Pinto. O objetivo é verificar se o local tinha licença e auto de vistoria permitindo a prática de cirurgia no local. Também foram solicitados dados sobre as clínicas Dr. Paulino e Saúde Aqui.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo está investigando as causas da morte, do incêndio e de provável homicídio culposo, como foi registrado o caso. O laudo necroscópico da modelo segue em andamento. Os documentos serão determinantes para apurar suposta negligência dos profissionais da clínica.