“Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar” é um clássico que antecipou discussões atuais do movimento LGBT+

“Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar” (Beeban Kidron, 1995) é um dos mais importantes e completos filmes LGBT+ de todos os tempos por unir discussões sobre machismo, violência doméstica, racismo, xenofobia, homofobia, falta de perspectiva afetiva, identidade de gênero, etarismo e transfobia – em uma época onde muitos destes termos sequer existiam. É obrigatório de ser citado em todo Mês do Orgulho LGBT+.

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Mesmo quem não assistiu ao filme já foi impactado pelas imagens de divulgação, tal a força de desconstrução de “Para Wong Foo…”. Em 1995, entre “Priscilla, a Rainha do Deserto” (1994) e “A Gaiola das Loucas” (1996), Patrick Swayze (Vida Boheme), Wesley Snipes (Noxeema Jackson) e John Leguizamo (Chi-Chi Rodriguez) toparam o grande e perigoso desafio de fazer papel de drag queen.

Wesley Snipes (Noxeema Jackson)

Perigoso é pouco, perigosíssimo em tempos onde associar sua imagem ao mundo LGBT+ era certeza de perda de anunciantes, parcerias e papéis “hétero”. O que hoje em dia é motivo de briga entre atores descolex, personagens LGBT+, até bem pouco tempo, causavam esta tragédia comercial na vida de quem os fazia. Como imaginar o sex symbol negro Wesley Snipes dando piti, de peruca, de salto, fazendo a louca? Era impossível até que se fez em “Para Wong Foo..”.

Longa foca em um cotidiano que se transforma com a chegada do trio

Patrick Swayze era o galã em alta em 1995, com as mulheres ainda enlouquecidas e molhadas com seu papel em “Ghost”. Aparece como a mais delicada das meninas, a mais refinada, a mais rica, mas também a que guarda uma tristeza típica de todo LGBT+ que precisou cruzar a porta de casa ouvindo gritos – e para esta casa nunca mais voltou.

O crédito principal é justamente causar este primeiro impacto já com o elenco, tratar os assuntos com comédia, mas sem estridências, clichês, colorismos absurdos e visões de quem não vive nosso drama. Não é um espetáculo, é a história de três garotas perdidas no interior dos Estados Unidos. Elas estão rumo a Hollywood para a fase final do concurso de drag – um sonho de todas.

Stockard Channing como a submissa Carol Ann

Mas as cenas focam em um cotidiano pacato que é chacoalhado com a chegada delas após um problema no carro – escolhido mais pelo estilo do que pelas boas condições de conservação em uma cena épica. Elas chegam a uma cidade parada nos anos 60, uma marcação feita ao descobrirem um estoque de looks incríveis desta época tão libertária.

A liberdade corre pelas pequenas ruas, faz-se show, desfile, quebra padrões e coloca as mulheres como donas de si. Algo essencial em um cotidiano cheio de machismo, com a violência contra a mulher acontecendo embaixo dos olhos dessas três divas – que mudam o rumo da triste história interpretada por Stockard Channing como a submissa Carol Ann.

Chora, Naomi!

Chi-Chi, responsável pelo papel de latina, protagoniza ao lado de Noxeema as tiradas geniais que cutucam a xenofobia e o racismo. É ela que mostra a falta de perspectiva afetiva que tantas travestis enfrentam, com uma impossibilidade de ser amada nesta cidade estacionada no tempo – e que dá sua partida quando os saltos dessas divas pisam seu chão.

“Para Wong Foo…” traz ainda Naomi Campbell se derretendo por Noxeema e morrendo de inveja dela. Robbie Williams todo acolhedor. E, claro, Ru Paul, o ícone máximo da arte drag mundial já em 1995 – e que mantém o mesmo brilho até hoje, como este filme indispensável.