Regina Schazzitt usa a arte drag para derrubar padrões estéticos em nome do amor-próprio

Das infinitas possibilidades e alegrias que a arte drag traz, Regina Schazzitt foca no empoderamento, na autoaceitação e na mensagem de que com talento e determinação todas podem ser divas! Dona do hit “Bunda Gorda”, ela quer que os corpos sejam libertos de uma opressão estética construída ao longo do tempo e que oprime quem não se encaixa nos padrões de publicidade e propaganda.

Canceriana com ascendente em gêmeos, “ou seja, dramática e faladeira (risos)”, Regina mora na Zona Leste de São Paulo e há pelo menos 10 anos usa make, figurino e muita simpatia para fazer de sua arte seus sustento e sua voz em um mundo que, mesmo pregando diversidade, ainda cai nas armadilhas estéticas renascentistas. Regina quer provar que todas são perfeitas, sem medidas.

Ela fala com a Ezatamag a seguir sobre gordofobia, aceitação da própria sexualidade e como a arte pode transformar para melhor a vida das pessoas. Vai além, pede mais respeito dentro da própria comunidade LGBT e revela os passos essenciais para uma drag ser realmente uma queen:

“Eu moro na zona leste de São Paulo por volta de seis anos, anteriormente, eu vivi e cresci na zona sul, mais precisamente no bairro do Ipiranga. A realidade LGBTQIA+ aqui na zona leste, precisamente no meu bairro, é meio que inexistente. Encontro vários LGBTQIA + aqui pelas ruas, porém, não vejo uma ação cultural e artística voltada a esse público. Agora falando pela cidade de São Paulo em si, vejo que sim, há uma movimentação artística, cultural, política e social de nossa comunidade. Percebo que todo esse engajamento parte do centro para as periferias.

Como tudo na vida é um processo, já conquistamos muitas coisas, porém, temos muitas outras coisas para conquistar. Infelizmente, ainda não andamos pelas ruas de São Paulo totalmente certos que não sofreremos nenhum tipo de violência por fazer parte de nossa comunidade. O que me preocupa é a falta de respeito entre nós mesmos, isso traz uma desunião que só prejudica o nosso discurso. Precisamos ser mais empáticos e respeitosos.

Infelizmente, ainda não andamos pelas ruas de São Paulo totalmente certos que não sofreremos nenhum tipo de violência

Eu acredito que a Regina sempre esteve dentro de mim, me recordo de quando criança usava as roupas da minha mãe, as suas maquiagens e seus saltos. Lembro-me de quando brincava pela casa com uma toalha na cabeça e pregadores nos dedos e ali sozinho eu fazia várias performances. Mesmo eu não sabendo que aquilo seria o ponto de partida para busca da minha sexualidade e da minha arte Drag.

Arte Drag chegou até a mim através da festa Gambiarra em 2010, onde eu tive o prazer de trabalhar por volta de 10 anos. Nesse tempo fui aprimorando meu trabalho, entendendo a figura da drag no meu fazer artístico. Através da Regina, eu pude resolver problemas como: aceitação do meu corpo, aceitação da minha sexualidade e entender que ser drag não me fazia ser mais ou menos ator.

O que me preocupa é a falta de respeito entre nós mesmos, isso traz uma desunião que só prejudica o nosso discurso. Precisamos ser mais empáticos e respeitosos.

No começo eu tive dificuldades para dizer para as pessoas com que eu trabalhava, até para comprar figurinos e saltos nas lojas eu passava por vários constrangimentos. Percebia que a minha sociedade não estava aberta para minha profissão, mesmo eu tendo direito de comprar as coisas, eu tinha a necessidade de justificar o porquê eu, um homem, estava comprando artigos femininos.

Também passava por vários constrangimentos na hora de me deslocar pela cidade de São Paulo para os eventos. Sem falar que quando eu conseguia alguns contatinhos, até porque não sou santa (risos), eu tinha que esconder que era drag queen, pois quando eu dizia ou eles me reconheciam por causa da balada, eles simplesmente desapareciam.

Através da Regina, eu pude resolver problemas como: aceitação do meu corpo, aceitação da minha sexualidade

Mas isso não me fez desistir de ser uma profissional, muito pelo contrário, me deu mais força pra intensificar o meu trabalho. Na vida eu sempre escolho meu trabalho.

Não há uma receita de como ser uma drag queen de sucesso. Eu percebo que cada uma tem a sua origem em um determinado lugar, e isso é o que faz cada uma de nós sermos exatamente únicas. Eu, por exemplo, vim do teatro e da dança. É nessas duas linguagens artísticas que eu faço a base da minha drag. O que eu digo para as meninas e meninos que me procuram querendo saber de como dar os seus primeiros passos na arte drag é o seguinte:

Eu tinha a necessidade de justificar o porquê eu, um homem, estava comprando artigos femininos.

Primeiro: Arte Drag pode ser realizada por todas as pessoas, independentemente de sua sexualidade, de seu gênero e de sua idade. Logo, qualquer pessoa pode vir a ser profissional dessa área.

Segundo: Foi o tempo em que as drags só desenvolviam seus trabalhos em baladas. Hoje a drag ocupa vários segmentos artísticos e midiáticos, ou seja, o campo de atuação ficou mais amplo e rigoroso também.

Terceiro: É super importante que esse profissional possa se desenvolver em várias linguagens artísticas, por exemplo, o teatro, a dança, a música, a moda, a maquiagem, o visagismo, a comunicação etc. Quanto mais plural você for, mais você se destaca.

Não há uma receita de como ser uma drag queen de sucesso. Eu percebo que cada uma tem a sua origem em um determinado lugar

Quarto: Não é errado você ter suas inspirações em outras drags, afinal, representatividade faz a diferença. O que você não pode é ser mais uma cópia das que já existem. E sim, mostrar sua personalidade, sua verdade, sua essência, isto é, mostrar a que veio.

Quinto: É de bom tom você saber que essa arte, embora possa ser feita por todes, é uma arte de resistência da comunidade LGBTQIA+. E uma boa profissional precisa saber quem foram as outras que vieram antes abrindo o caminho para que você pudesse trabalhar hoje.

A música “Bunda Gorda” nasceu na necessidade de dizer que o corpo gordo pode fazer o que ele quiser. É um discurso contra o padrão, ou seja, o padrão de beleza imposto pela sociedade. Foi a forma que eu encontrei para dar voz, ou melhor, ser uma voz dentro da comunidade gorda. Eu reconheci que ocupava um espaço dentro da noite de São Paulo, e eu precisava fazer a diferença e trazer pra cena o empoderamento gordo.

Também passava por vários constrangimentos na hora de me deslocar pela cidade de São Paulo para os eventos.

Assim, nós gordes poderíamos nos apropriar de nossos corpos sem medo, sem vergonha e nos aceitarmos da forma que somos. Resumindo, “Bunda Gorda” é um grito contra a GORDOFOBIA e um convite para a reflexão para que outras pessoas e até mesmos os artistas pudessem se colocar e se declararem pessoas GORDAS, e não como fofinhas, gordinhas, fortinhas e por aí vai.

Sempre gostei da maquiagem. Eu acho fascinante quando você muda o rosto ou o corpo, enfim, quando a transformação chega. É uma sensação de você ser um criador, pois você se depara com uma tela em branco e ali você começa a desenvolver seus traços, suas cores, e diante de ti nasce uma figura. Nos dá uma sensação de máscara. Eu sempre tenho mais confiança quando estou montada (risos).

Eu reconheci que ocupava um espaço dentro da noite de São Paulo, e eu precisava fazer a diferença e trazer pra cena o empoderamento gordo.

Porém, devo admitir que não me acho uma boa maquiadora, eu me desenvolvi nesses 10 anos, mas não da forma como eu queria. E tudo bem! Não precisamos ser perfeitas em tudo. Entender sua vulnerabilidade é o começo. Hoje com a marca RuPaul, a cobrança de sermos excelentes em tudo é muito forte. Se não soubermos lidar com isso, podemos acabar encerrando nossa carreira.

Quando comecei a trabalhar com Arte drag não tive uma referência dentro do mundo Drag, por mais que isso pareça contraditório. A minha primeira inspiração foi a Beyoncé e a partir daí eu comecei a me educar e ampliar a minha visão. Com isso, comecei a perceber que outras drag queens tinham aquilo que eu via na Beyoncé, que era o poder de dominar uma plateia e esse poder eu vi na fabulosa Márcia Pantera, no furacão loiro que é a Striperella e na eloquência e irreverência de Nany People.

Não precisamos ser perfeitas em tudo. Entender sua vulnerabilidade é o começo.

Devo admitir que na pandemia tive crise de ansiedade e começo de depressão. Do nada tudo veio abaixo e isso fez com que eu me perturbasse e não entendesse o que acontecia comigo. Até que uma amiga, Jamile Barreto, me indicou a um terapeuta e isso mudou totalmente a minha vida. Hoje eu sou uma pessoa que falo que todo mundo precisa fazer terapia. Terapia salva vidas.

E com a cabeça fresca eu pude ampliar meus horizontes e começar a trabalhar como uma criadora de conteúdos para o Instagram. Isso me deu certa relevância no aplicativo e me mostrou como unir o palco às redes sociais. E eu não poderia deixar de mencionar um grande influenciador, Victor Nogueira, um amigo pessoal, que além de me ajudar, me ensinou como dar os primeiros passos na internet.

Eu acho fascinante quando você muda o rosto ou o corpo, enfim, quando a transformação chega. É uma sensação de você ser um criador

Atualmente estou trabalhando em um projeto chamado “As Beelu”, que é um programa de TV feito para internet em parceria com a minha mana Jade Odara e meu amigo Miro Rizzo. Esse programa foi a forma que encontramos para nos lançarmos como apresentadoras drags e com isso trazer conteúdos de humor, informação e entretenimento. E claro, o desejo de voltar performar nas grandes festas de São Paulo.

Meu maior sonho é ter minha casa própria, viajar para França e ter sucesso na minha profissão.”

Instagram @reginadragqueen