Ativista ocupa espaço no Governo do DF para que todxs tenham acesso aos direitos LGBT
Melissa Massayury tem 28 anos e decidiu que ocuparia o lugar que bem quisesse, sem ninguém para se colocar entre ela e seu objetivo. Com um passado onde poucos veriam perspectiva, ela enxergou o caminho a trilhar e atualmente mora em Brasília e estuda Direito para que todxs tenham chance de dar essa volta por cima e chegar ao topo, uma puxando a outra.
Uma capacidade que chamou a atenção de ninguém menos do que a Organização das Nações Unidas, que contou com ajuda de Melissa para desenvolver as Páginas Trans, cujo objetivo é auxiliar pessoas trans com informações para acessar seus direitos no Distrito Federal (DF). Atualmente ela é secretária-executiva do I Conselho De Promoção Dos Direitos Humanos e Cidadania LGBT do DF.
“Uma trans trabalhando no governo e com o histórico como o meu, que veio das ruas, passou por diversas situações de violência e vulnerabilização e hoje se encontra atuando diretamente nas instâncias de poder, contribuindo para que outras pessoas trans também possam acessar essas políticas e não precisem mais passar pelo que ela passou. Esse é o nosso objetivo de luta e sigamos fortes e juntxs”, conta a aquariana na entrevista abaixo:
Me fala um pouco mais das Páginas Trans, da ONU. Como foi sua participação?
Eu estive em todo o processo de produção das Páginas Trans, desde quando ela começou num projeto da ONU chamado Transformação, por intermédio da Campanha Livres & Iguais, que formava pessoas trans para serem ativistas e poderem protagonizar o discurso no cenário político, foi nesta oportunidade que aprendi tudo que sei hoje sobre incidência política. Na época o trabalho consistia que os formandos trouxessem conteúdos na área que a pessoa teria escolhido para atuar, que ajudassem a população trans a acessar seus direitos e eu escolhi a segurança pública. Logo, eu trouxe todo o material de acesso a direitos de pessoas trans na área da segurança pública do Distrito Federal, mas o projeto abrangia outras áreas de atuação: saúde, educação, assistência social e empreendedorismo. Cada qual tinha o objetivo de fazer um compilado dessas informações e criar as Páginas Trans, cujo o objetivo é auxiliar pessoas trans com informações para acessar seus direitos no DF. Logo em seguida iniciei um estágio na ONU no Escritório de Coordenação e uns dos meus trabalhos era concluir a produção da cartilha junto com uma outra estagiária, também trans. Na segunda edição do Transformação surgiu a proposta do Ministério Público do Trabalho de ampliar a cartilha para o âmbito nacional e mais uma vez eu fiquei responsável pela produção do conteúdo, o trabalho novamente foi dividido em dois e junto com uma outra amiga trans nós pesquisamos capitais por capitais, instituições por instituições do Brasil inteiro os direitos de pessoas trans nas áreas que nós estávamos responsáveis. Eu fiquei responsável pelas áreas de segurança pública, legislações, empreendedorismo e ativismo. Foi um trabalho enriquecedor, onde eu tive o privilégio de ajudar a produzir um material de extrema importância e me sinto honrada por estar ajudando a minha população a poder conhecer seus direitos e acessá-los, aliás, esses direitos são nossos e devemos usufrui-los e foram conquistados com muita luta, para além disso conquistar novos, uma vez que você provoca o Estado com as demandas e ele tem o dever de atuar.
Com uma outra amiga trans nós pesquisamos capitais por capitais, instituições por instituições do Brasil inteiro os direitos de pessoas trans.
Você acha importante este tipo de iniciativa? Por quê?
Importantíssimo. Uma das maiores dificuldades das pessoas trans, que são várias, é o de acessar os seus direitos, muitas das vezes por falta de informação ou por não se sentirem bem em ir até as instituições exatamente por essas não estarem preparadas para lidar com o público trans e, consequentemente, reproduzem a transfobia, fazendo com que essa população não procure mais os serviços, não acesse seus direitos e fiquem ainda mais vulnerabilizada. As Páginas Trans possuem o conteúdo adequado com as instituições que tratam especificamente desta questão com abordagem e acompanhamento específico, para além de trazer normativas que auxiliam as pessoas trans a não admitir que seus direitos sejam negados, pois já são direitos assegurados e garantidos de certa forma.
Quais os maiores desafios da militância trans hoje em dia?
O maior desafio hoje, a meu ver, é lutar contra o termo Ideologia de Gênero criado pelo grupo reacionário à nossa pauta, os grupos conservadores e fundamentalistas que alimentam a cultura da ignorância, das fake News, do falso moralismo, do machismo, sexismo e heterocisnormativismo. Pois qualquer diálogo que nós tentemos fazer em escolas, mídias, politica, publicações, livros e etc é visto como um risco para a população dita de “bem”, deturpam nossas pautas, tentam enfraquecer e desqualificar nosso discurso sempre com o argumento de que nós somos um erro e consequente tudo que possa vir de nós é errado, escuso, abjeto e desrespeitoso com a família e com as crianças, principalmente. Esquecendo que pessoas trans também já foram crianças, que também já tiveram família e que muitas não têm mais, pois estas as expulsaram na primeira oportunidade. Adentrar nos espaços de controle social tem sido nosso maior desafio, pois uma vez nesses espaços nós podemos tornar o diálogo mais acessível e nossa voz reverbera, nos tronamos visíveis e é isso que eles não querem.
A mudança de governo influenciou de qual maneira a realidade das pessoas trans?
Significativamente, só de pensar que os órgãos da administração pública federal agora precisam se adequar e esconder qualquer palavra ou termo que cite gênero e diversidade sexual em suas pastas, normativas e etc, exatamente porque o governo assim determinou e proibiu já é um tremendo retrocesso. As censuras, o engessamento das políticas públicas, o não incentivo de qualquer que seja o projeto voltado para a população LGBT e que a beneficie é preocupante. Em contrapartida, o STF decide em 2018 a retificação de nome e gênero de pessoas trans no registro civil assim como, em 2019, a criminalização da LGBTfobia. Essas decisões têm sido o nosso suporte para aguentar esse mandato de extrema violação dos direitos da população como um todo, mas principalmente das ditas minorias.
Como você vê o futuro para nós LGBT?
Vejo um futuro promissor sim. Olha de onde viemos e olha onde chegamos. O que nós já passamos? Passamos por uma ditadura, uma epidemia, preconceitos diários, violações e negligências de direitos mesmo após o surgimento da democracia e, mesmo assim, permanecemos firmes e fortes, na medida do possível, e coloridos. O nosso brilho e nossa luta ninguém apaga ou impede. Experimentamos o gosto da liberdade, uma pequena liberdade, mas é uma liberdade e não vamos mais voltar atrás, não vamos mais entrar nos armários ou aceitarmos qualquer migalha. Nós lutamos para sobreviver e existir e não tem governo Bolsonaro certo, nós sobreviveremos, lutaremos e conquistaremos, pois se tem um povo cujo nome é resistência, somos nós. Será difícil, mas nunca foi fácil. E só por isso já somos muito vitoriosos.
Vejo um futuro promissor sim. Olha de onde viemos e olha onde chegamos. O que nós já passamos?
Como tem sido seu trabalho na Secretaria de Justiça e Cidadania do Governo do Distrito Federal?
Sou secretária-executiva do I Conselho De Promoção Dos Direitos Humanos e Cidadania LGBT do Distrito Federal, juntamente com o nosso secretário, Gustavo Rocha, que tem feito um trabalho muito inclusivo e nos dado a liberdade de atuar, não nos limitando. Isso é muito importante para podermos trabalhar com a pauta e levar nosso trabalho adiante, beneficiando de fato a população LGBT do DF. Me sinto honrada e privilegiada em estar nessa posição, uma trans trabalhando no governo e com o histórico como o meu, que veio das ruas, passou por diversas situações de violência e vulnerabilização e hoje se encontra atuando diretamente nas instâncias de poder, contribuindo para que outras pessoas trans também possam acessar essas políticas e não precisem mais passar pelo que ela passou. Esse é o nosso objetivo de luta e sigamos fortes e juntxs.