Fonoaudióloga foca na população T para garantir mais qualidade de vida e a voz que melhor a represente  

A harmonização vocal garante autoestima e qualidade de vida a pessoas trans, principalmente as mulheres. É o que move o trabalho da fonoaudióloga Milena Umeda, de Campinas, que há mais de nove anos decidiu trabalhar com a comunidade T por saber que nem sempre este grupo é bem recebido nos consultórios. 

Há três anos estou ligada ao Ambulatório de Gênero e Sexualidades da Unicamp, onde temos uma equipe multidisciplinar que atende a população trans via SUS. Temos muitos resultados satisfatórios e seguimos tentando elevar a autoestima de nossos assistidos”, conta à Ezatamag a responsável pelo perfil @harmoniatrans no Instagram. 

Milena revela que durante a pandemia passou a observar perfis de lindas mulheres “mudas” e “percebi que a falta de áudio em suas publicações estava relacionada à disforia com a voz. Tive a ideia de criar esse perfil com o objetivo de ‘dar voz àquelas fotos tão lindas’ e informar que é possível mudar e nos sentirmos representados por nossa comunicação a qualquer tempo”. 

“Percebi que a falta de áudio em suas publicações estava relacionada à disforia com a voz.

Hoje ela atende pacientes de 12 a 50 anos e garante que mesmo após essa idade é possível trabalhar a comunicação e ser mais feliz. Ela conta tudo: 

“O processo de harmonização vocal tem como principal objetivo ajudar as pessoas a encontrarem uma voz e um padrão comunicativo que as represente. Assim sendo, o resultado do processo deverá ser aquele que deixa a pessoa satisfeita e não algo socialmente imposto ou esperado. Apesar da esmagadora maioria dos pacientes buscar passabilidade, atendi algumas pessoas que se identificavam de forma não-binária e buscavam um padrão comunicativo e voz neutra, por exemplo, e alguns outros cuja intenção era gerar contraste entre o fenótipo e a voz.  

O que mais me encanta em trabalhar, já há 9 anos, com esse processo é o fato de participar do “desabrochar”, ou seja, assim que a pessoa se encontra em sua nova voz e padrão comunicativo, é como se ela “vestisse” essa nova imagem. É visível como ela se torna mais segura, como passa a se expor mais, como as relações sociais de repente se expandem e ela se torna uma pessoa FELIZ, sim, com letras maiúsculas, pois exala essa felicidade pelos poros, como se agora ela fosse, de fato, completa.  

Trazer a autoestima e a felicidade, trabalhando com o que se gosta, e ainda fazer parte dessa transformação, não tem preço. Me sinto abençoada e sou muito grata por tudo isso! 

Milena: o processo de harmonização vocal tem como principal objetivo ajudar as pessoas a encontrarem uma voz e um padrão comunicativo que as represente

O principal obstáculo para o acesso da população trans ao adequado tratamento frente à disforia com a voz é a falta de informação e a escassez de profissionais que atuem nessa área. A maioria desconhece a possibilidade de criação de novos ajustes vocais a fim de produzir uma voz que as represente e com a qual se sintam à vontade e seguras e, em outros casos, ao procurar atendimento profissional recebem uma negativa como resposta, dando assim o caso como encerrado.  

Durante a pandemia passei a observar, nas redes sociais, imagens lindas e “mudas”, muita exposição de imagem e nenhum áudio, muito tik tok e nenhum story capaz de mostrar o que essa pessoa gostaria de estar dizendo. Tudo isso me fez concluir o quanto se faz necessário disseminar informação sobre as possibilidades que existem acerca de voz e comunicação.  

Para os homens trans, normalmente, o uso da testosterona, ao trazer um agravamento na qualidade vocal, já traz uma sensação de conforto e passabilidade e, normalmente, isso já os deixa satisfeitos. Já no caso das mulheres as coisas são mais complicadas, o hormônio feminino não tem a capacidade de alterar a estrutura da prega vocal, que é a responsável pela emissão da nossa voz, e, sendo assim, a voz permanece a mesma de antes do processo de transição.  

Observo que a disforia em relação à voz é muito frequente e aumenta conforme o processo de transição se consolida, principalmente nas mulheres trans que buscam passabilidade. Sinto como se fosse algo que as paralisa e as impede de manter relações sociais, principalmente com desconhecidos.  

Ir à padaria torna-se um problema, elas sentem um “soco no estômago” todas as vezes em que necessitam usar a voz. É como se o ato de falar atraísse, automaticamente, o tão temido “segundo olhar”, quem vive isso sabe do que estou falando e o quanto isso dói.  

 

É visível como ela se torna mais segura, como passa a se expor mais, como as relações sociais de repente se expandem e ela se torna uma pessoa FELIZ, sim, com letras maiúsculas, pois exala essa felicidade pelos poros, como se agora ela fosse, de fato, completa.

 

A harmonização vocal está indicada a todos que não se sentem representados por sua voz e/ou comunicação. Qualquer pessoa que não se sinta à vontade ao falar em público, ou tenha qualquer tipo de desconforto sempre que precise falar, será beneficiada e certamente terá sua autoestima restaurada. 

Acredito que quanto mais informação for disseminada, mais poderemos conscientizar as pessoas sobre as possibilidades e limitações caso a caso e menos teremos casos de agravos à saúde da voz causados por tentativas de mudança vocal sem orientação.  

Os maiores riscos de tentar realizar o processo sem acompanhamento profissional são: assumir uma qualidade de emissão muito caricata, desenvolver disfonias causadas por mau uso da voz (nódulos vocais são um exemplo), apresentar cansaço ao falar, dentre outros.  

Na minha opinião informar é um dever, assim sendo, me disponho sempre a tirar dúvidas sobre possibilidades e limitações caso a caso, sem ônus algum. Até o momento tenho respondido a todos que me procuram via direct ou WhatsApp, em outros casos agendo um encontro via Zoom ou Google Meet com o mesmo propósito, mas não descarto a possibilidade de expandir esse alcance.”