Coletivo Trans Sol capacita para gerar renda, garantir dignidade e costurar amor e respeito na sociedade

A vulnerabilidade das pessoas trans dentro da já vulnerável população LGBT é um desafio a ser vencido por todes, e em São Paulo um coletivo vem fazendo a diferença em um dos pontos essenciais para esse trabalho: a geração de renda. Com oficinas de moda e bonecaria, o Coletivo Trans Sol joga raios de luz e calor na vida dessas meninas.

Uma iniciativa que começou em 2016 e, em tempos de pandemia, se torna ainda mais importante porque, sabemos, pessoas trans sofrem ainda mais com a paralisia das atividades econômicas impostas pelo isolamento social. É neste espaço que elas conseguem costurar suas vidas em um emaranhado de empoderamento, geração de renda, respeito e dignidade.

As peças são vendidas online pelo site (clique aqui), que também hospeda uma vaquinha para quem quiser ajudar a continuidade do projeto. “A ideia de trabalho em grupo é simples: gerar socialização e parceria. Acreditamos que o crescimento e o aprendizado pode e deve ser sempre compartilhado. É isso que nos norteia”, conta o Coletivo à Ezatamag:

Como nasceu o coletivo?

O Coletivo Trans Sol é um espaço de aprendizado em manualidades têxteis e socialização, nosso objetivo é mais que ensinar, é dar uma possibilidade de gerar renda própria ou estar pronta para se colocar no mercado de trabalho formal, para isso trabalhamos com a sociedade oferecendo oficinas onde possamos discutir Gênero e quebra de preconceito. Nós começamos em 2016 dentro da Incubadora Pública de Empreendimentos Solidários apenas como oficineiros e a partir do momento em que percebemos que apenas ensinar uma técnica não seria o suficiente para inseri-las no mercado e barrar o preconceito, começamos a desenvolver peças de vestuário que resultaram na nossa marca. Esperamos que pela Moda outras portas sejam abertas, não apenas em costura e vendas, mas que possam aprender administração, gestão de negócios, línguas e para isso tentamos incentivá-las criativamente para que e entendam o leque de possibilidades que existem e que sejam capazes de replicar o conhecimento adquirido.

Percebemos que apenas ensinar uma técnica não seria o suficiente para inseri-las no mercado e barrar o preconceito.

Quem forma esse grupo? Qual o objetivo de vocês?

O Coletivo Trans Sol é formado por um grupo de ativistas LGBT que ensina moda, costura e bonecaria de forma voluntária para mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade. Nosso foco é ensinar um ofício e proporcionar uma outra forma de geração de renda, estimular a capacidade criativa e integrar as alunas na sociedade através da moda. O Coletivo tem quatro anos de existência e surgiu muito tempo antes quando entendemos que era preciso muito mais do que nos manifestarmos e protestarmos em favor da comunidade LGBT, precisávamos agir de forma construtiva e trabalhar diretamente com ele e escolhemos a população trans, por entendermos ser a mais fragilizada dentro da comunidade. Nossa primeira ideia era ensinar o que sabíamos e ajudar na retirada de documentos e encaminhamentos médicos para pessoas em situação de rua. Quando conseguimos viabilizar o projeto ele teve que passar por uma reestruturação total. Fomos convidados para dar aulas dentro da Incubadora Pública de Economia Solidária e por meio da Secretaria do Trabalho e o Transcidadania, tivemos nossas primeiras alunas. Elas recebiam uma bolsa e nosso curso era um dos oferecidos que elas podiam escolher fazer. Um tempo depois tivemos que criar um empreendimento que gerasse renda. Essa não era nossa premissa, criar um coletivo, queríamos dar aulas e ensinar o ofício. O Coletivo então criou junto com as alunas uma coleção de quimonos e iniciou uma conversa sobre o corpo trans e como construir uma roupa voltada para ele a partir do conhecimento trazido pelas alunas e suas necessidades. Daí começamos também a conversa sobre a roupa a-gênero. Fizemos nosso primeiro leilão com o apoio da Casa1, que acolhe LGBTs expulsos de casa e toda a renda foi revertida diretamente para as alunas que fizeram as peças, esse foi o marco para que elas entendessem que era possível ganhar o próprio dinheiro fazendo costura e criando peças autorais.

Tentamos incentivá-las criativamente para que e entendam o leque de possibilidades que existem e que sejam capazes de replicar o conhecimento adquirido.

Trabalhar em coletivo é sempre mais produtivo?

A produtividade não é o foco principal do Coletivo. A ideia de trabalho em grupo é simples: gerar socialização e parceria. Acreditamos que o crescimento e o aprendizado pode e deve ser sempre compartilhado. É isso que nos norteia. Nosso surgimento dentro do contexto da Economia Solidária parte desse mesmo princípio: valorização do indivíduo num contexto amplo e coletivo. Aliás, o “sol” do Coletivo Trans Sol vem de Economia Solidária. Quanto à produtividade, trabalhamos para ter melhores condições de trabalho e renda do que é o usual no mercado da moda, que, sabe-se, tende a ser bastante focado no lucro a qualquer custo, chegando a extremos como situações análogas à escravidão. Nossa proposta se distancia em completo disso: preferimos ter uma baixa produção diária/semanal e ter trabalho digno e enriquecedor no campo intelectual, do que uma produção imensa e exploratória.

Preferimos ter uma baixa produção diária/semanal e ter trabalho digno e enriquecedor no campo intelectual, do que uma produção imensa e exploratória.

Como tem ficado as ações de vocês em tempos de isolamento? Porque as meninas devem precisar ainda mais de renda.

Estamos lutando e em total isolamento. É bem difícil trabalhar para manter as pessoas nesse momento, justamente por serem vulneráveis e precisarem do trabalho para sobrevivência. Conseguimos, com amigos e parceiros, doações em dinheiro e cestas básicas. Conversamos com elas quase todos os dias para saber se estão bem de saúde e se têm tudo que precisam. Conversamos também sobre banalidades – tem moças que moram sozinhas e estão totalmente isoladas. Nós aproveitamos esse tempo para montarmos nosso site (www.coletivotranssol.store), já que nunca tivemos tempo para isso. Vimos que era a hora de nos reinventarmos para sobreviver e não deixar que o projeto acabe, pois ele é bem frágil economicamente. Foi somente a partir de setembro de 2019 e após a parceria com a marca Güle Güle, que ele começou a se auto-sustentar de fato. Nós arcamos com aluguel da sede, diárias de trabalho das costureiras, materiais e estávamos nos programando para poder começar a investir em profissionais que dessem outras aulas. Tudo isso com a renda que obtinhamos com feiras e oficinas de bonecaria e gênero.

Quem pode participar do projeto, ter as aulas? Como faz para participar?

Todas as aulas dentro do Coletivo têm foco em mulheres transexuais e travestis, preferencialmente em vulnerabilidade social. Todas as aulas e materiais são gratuitos, e, por meio de financiamentos coletivos e vendas de produtos, pretendemos, assim que voltamos da quarentena, proporcionar vale transporte. Para participar é necessário ir à nossa sede e fazer uma pequena entrevista de interesse, levar RG, comprovante de residência e possuir um fone de contato.

Estamos lutando e em total isolamento. É bem difícil trabalhar para manter as pessoas nesse momento, justamente por serem vulneráveis e precisarem do trabalho para sobrevivência.

Quem pode vender no site de vocês? Quais tipos de produtos podem ser vendidos?

Nosso e-commerce, o www.coletivotranssol.store foi lançado durante a pandemia para podermos continuar a vender produtos e manter as costureiras em casa, sem necessidade de sair para trabalhar. Estamos contatando pessoas e pequenos empreendedores que tenham trabalhos e projetos alinhados às nossas diretrizes fundamentais para também exporem seus produtos. Lançamos também um financiamento coletivo emergencial para esse período de quarentena. Lá, qualquer um pode colaborar com o Coletivo com valores a partir de R$10. O link é este: https://www.kickante.com.br/campanhas/trans-sol-nos-ajude-nos-manter-pe

Como as pessoas podem ajudar o trabalho de vocês?

De inúmeras formas. As mais rápidas e emergenciais no momento atual são a compra de produtos pelo site ou a colaboração no financiamento coletivo. O dinheiro está sendo usado para manter o aluguel da sede e pagar auxílio para que as costureiras possam se manter em casa, sem precisar sair para trabalhar. Quem puder também pode divulgar nossas redes sociais, para que possamos alcançar mais pessoas. No Instagram @coletivotrans_sol e no FaceBook www.facebook.com/coletivotranssol No dia-a-dia, sempre precisamos de ajuda para muitas coisas cotidianas e estamos sempre abertos para receber voluntários. É só nos chamar pelas redes sociais.

Ainda vivemos socialmente numa época de um preconceito nada velado, apesar das nossas leis, e que vem desde a infância. Isso faz com que pessoas trans abandonem casa e estudos, sobrevivam da marginalidade compulsória, dificultando uma contratação por CV, por exemplo.

Gerar renda para pessoas trans é um desafio a ser vencido? Tem ficado mais fácil alcançar esse objetivo ou ainda há muito trabalho pela frente?

Sim, com certeza. Ainda vivemos socialmente numa época de um preconceito nada velado, apesar das nossas leis, e que vem desde a infância. Isso faz com que pessoas trans abandonem casa e estudos, sobrevivam da marginalidade compulsória, dificultando uma contratação por CV, por exemplo. Falta capacitação, falta socialização, falta a pessoa se sentir no direito de estar e ocupar um espaço. Algumas empresas têm aberto espaço para isso, mas ainda parece algo que remete ao reconhecimento enquanto empresa inclusiva, ao invés de um investimento na capacidade individual. Falta a sociedade se abrir e entender que todos devem ter as mesmas oportunidades não importando o gênero. Conhecemos pessoas que transicionaram depois de adultas e que perderam seus empregos, onde eram reconhecidas pelo seu trabalho. A questão maior ainda é o preconceito e é nessa tecla que insistimos em bater quando vamos discutir gênero ou vendemos nossos produtos em eventos e feiras: contar quem faz a sua roupa, por que ela faz e o quanto isso é transformador na vida de cada pessoa dessa cadeia, desde a aluna e costureira até o consumidor final, que vai conhecer um pouco de uma população cuja realidade ignoram. Paralelamente, existe uma nova geração de bastante ativismo pelo reconhecimento de seus direitos enquanto cidadãs e que buscam abertura e meios para suprir essas lacunas sociais. Existem grupos da sociedade civil, não só empresariais, que abrem as portas para cursos que abrangem desde preparação para o ENEM e vestibular, quanto ensino técnico e profissionalizante. E também há casas de acolhida preocupadas com o futuro de uma geração.

Instagram @coletivotrans_sol