A resistência de MC Ita Vera’i em meio à invisibilidade
Por Artur Vieira*
No coração do Brasil, onde a cultura indígena resiste há séculos à opressão e ao apagamento sistemático, uma luta ainda mais silenciosa e invisibilizada se desenha: a dos indígenas LGBT+, que enfrentam um duplo preconceito — por sua identidade étnica e por sua orientação sexual e identidade de gênero.
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Essa realidade é vivida de forma intensa pelo artista independente Douglas Fernandes Lopes, conhecido como MC Ita Vera’i, do povo Guarani Kaiowá. Nascido e criado na Aldeia Bororo, localizada em Dourados (MS), Douglas é uma das vozes que vêm se destacando na cena cultural e política ao trazer para o rap a força da ancestralidade combinada à luta por respeito e representatividade.
Para muitos indígenas LGBT+, viver sua identidade significa transitar entre fronteiras que constantemente negam sua existência. De um lado, a sociedade branca e urbana, marcada por um histórico de marginalização e preconceito contra os povos originários. Do outro, o conservadorismo que, dentro de algumas comunidades, rejeita a diversidade sexual e de gênero, reflexo direto da influência de valores religiosos introduzidos durante a colonização.
“Esse preconceito vem de fora, de uma sociedade que pouco conhece — ou se recusa a conhecer — a cultura, os valores e as crenças dos povos originários”, explica Douglas.
A situação se agravou, segundo ele, com a crescente presença de igrejas evangélicas próximas à sua aldeia. A força do evangelismo protestante contribuiu para a desvalorização das tradições culturais. “A cultura foi perdendo espaço, e quem não aderiu à religião passou a ser visto como amaldiçoado”, relata.
Douglas, no entanto, segue conectado às crenças ancestrais. Ele acredita em Kurusu Nhe Monhe’e Gatu, o criador da força da natureza — ensinamento que aprendeu com seus anciãos e que hoje leva adiante em suas letras.

Misturando Guarani e Kaiowá com o Português em suas rimas, MC Ita Vera’i transforma seus versos em ferramenta de resistência e expressão política. Seu trabalho pode ser acompanhado por meio do perfil @itaverai_dyequekaiowa nas redes sociais.

Historicamente, muitas etnias indígenas mantinham uma relação mais fluida com as questões de gênero e sexualidade. Pessoas com identidades diversas ocupavam papéis sociais e espirituais importantes em suas comunidades. Porém, a chegada dos colonizadores e a imposição da moral cristã reprimiram essas expressões, muitas vezes de forma violenta.
“Uso a música para falar de resistência. No meu caso, é uma resistência múltipla: por ser indígena, gay e cantar rap”, afirma o artista.
Em tempos de apagamento cultural e avanço de discursos conservadores, vozes como a de MC Ita Vera’i não apenas resistem, mas também reinventam formas de existir — com orgulho, coragem e poesia.
Além disso vale lembrar nesse meu texto, do termo “Tibira”, inclusive, carrega uma forte carga histórica: era o nome de um indígena tupinambá assassinado em 1614 por ser homossexual, considerado por muitos o primeiro mártir gay do Brasil. Resgatar esse nome é, portanto, um ato de memória e resistência.

A luta dos indígenas LGBT+ não é apenas por aceitação, mas por reconhecimento de uma identidade múltipla e legítima. São pessoas que recusam a cisão forçada entre sua ancestralidade e sua sexualidade, e que, mesmo entre feridas abertas, estão reconstruindo com orgulho os caminhos de seus antepassados — agora, com todas as cores que carregam.
*Artur Vieira é um cristão, gay e jornalista que trabalha com o público LGBT desde 2013 na internet com o perfil @devoltaaoreino