Com 4 prêmios no Festival de Tribeca, filme cearense entra em cartaz

Por Eduardo de Assumpção*

“Estranho Caminho” (Brasil, 2023) Grande vencedor do Festival de Tribeca, em 2023, o filme queer do diretor cearense Guto Parente segue um jovem cineasta que mora no exterior há vários anos e retorna ao Brasil para estrear seu último filme em um festival de cinema experimental. David (Lucas Limeira) reencontra Fortaleza e seus velhos amigos, mas também recupera o contato com seu pai Geraldo (Carlos Francisco, de “Marte Um”, e premiado no Festival), um homem solitário com quem não fala há dez anos.

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A história se passa no início da pandemia do coronavírus, e as ordens de confinamento impedem que David consiga lançar seu filme ou deixar o país, ficando preso na casa onde seu pai mora. Mas Estranho Caminho não é um filme sobre o coronavírus, ele usa o contexto da pandemia e o sentimento alienante que ela provoca, para construir uma história que fale sobre laços familiares rompidos e, principalmente, a relação entre um pai e um filho cuja comunicação nunca foi tão próxima.

Guto Parente já havia adotado uma narrativa queer em obras anteriores como “Doce Amianto(2013)” e “Inferninho(2018)’, aqui porém o ponto está na sutileza. Em um tom quase autobiográfico e numa atmosfera documental, a obra narra a difícil comunicação entre pai e filho, um tema comum entre pessoas LGBT+.

Com o passar dos dias, as interações de Davi com o pai tornam-se cada vez mais tensas e surreais. Geraldo gasta cada hora digitando algum tipo de manuscrito, um conteúdo que ele se recusa a discutir com Davi. Sempre que Davi pergunta alguma coisa, Geraldo retruca com raiva, ameaçando expulsá-lo.

O uso de sequências oníricas que refletem o estado de espírito de David, e devaneios que o colocam em um ambiente familiar diferente, acabam elaborando um olhar pessoal e íntimo. Há também um senso de humor que olha com ironia para as situações absurdas ocorridas durante a pandemia.

O roteiro de Guto Parente também remete à incerteza de familiares isolados em hospitais e à perda de entes queridos, de modo que finalmente um filme que usa a pandemia como pano de fundo para temas muito mais universais, tornando um dos melhores vislumbres dos transtornos causados pelo vírus.

Apesar do comportamento de Geraldo, de suas excentricidades e de suas falhas, a realidade de seu vínculo é dependente de atos silenciosos e não expressos de ternura que são realizados quando, talvez, seja tarde demais.

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com
Instagram: @cinematografiaqueer
Twitter: @eduardoirib